O viciado em crack tem uma vida desestruturada porque consome a droga ou
consome a droga porque tem uma vida desestruturada?
A resposta pode
variar de pessoa para pessoa, mas uma pesquisa Datafolha feita com
frequentadores da cracolândia, no centro de São Paulo, não deixa dúvidas: a
grande maioria apresenta dados socioeconômicos bem abaixo dos da média da
população.
Podem ser chamados de os excluídos entre os excluídos.
A reportagem é de Vaguinaldo Marinheiro e publicada pelo
jornal Folha de S. Paulo, 15-01-2012.
Na questão do emprego, 27% não têm trabalho e nem procura um. Na população em
geral, a taxa é de 3%.
Quem diz trabalhar faz bico (45% contra 17% na
média em São Paulo): recolhe material na rua para revender, guarda carros ou é
prostituta.
Os craqueiros da rua têm menor escolaridade: 64% concluíram
no máximo o ensino fundamental e apenas 6% têm nível superior.
A média
entre moradores de São Paulo é diferente: 17% concluíram uma
graduação.
"Aquela imagem do engenheiro que perdeu tudo e foi morar na
cracolândia é a raridade da raridade. A droga é efeito, não causa da exclusão. A
pessoa já vive excluída socialmente, e sua miserabilidade faz a droga florescer.
Há uma grande diferença entre o usuário ocasional e o dependente. Para o
segundo, a droga, seja álcool, seja crack, não é recreacional, é fuga", afirma o
psiquiatra Dartiu Xavier, do Programa de Orientação e
Atendimento a Dependentes da Unifesp.
É o mesmo que acredita
Maria Stela Graciani, cientista social que coordena o Núcleo de
Trabalhos Comunitários da PUC-SP.
Ela desenvolve trabalhos educativos na
cracolândia e afirma que a grande maioria está lá por não ter
opção.
"Eles não têm família ou estavam em famílias com muitos
problemas", diz.
Segundo Maria Stela, muitos são os
meninos abandonados que há anos cheiravam cola nas ruas do
centro.
Números do Datafolha ajudam a corroborar a tese: 77% dos
frequentadores da cracolândia moram nas ruas e 20% estão nesta situação há mais
de dez anos.
Não que todo viciado em crack seja indigente, como a maioria
da cracolândia.
A droga chegou também às classes média e alta, afirma a
psicóloga Cristina Greco, que trabalha com dependentes e familiares há 24
anos.
"Essas pessoas não estão nas ruas porque têm condições de pagar um
tratamento ou famílias que as amparam. Tenho uma paciente que passou por 29
internações. Foi um processo doloroso de recaídas, mas está agora há cinco anos
sem usar nada."
Maioria diz que pretende procurar
tratamento
O viciado da cracolândia paulistana é em sua maioria
homem (84%), tem entre 16 e 34 anos (63%), mora sozinho (71%), nasceu no Estado
de São Paulo (61%, sendo 36% na capital), é solteiro (62%), mas tem filhos
(70%).
O percentual de mães é ainda maior: 90% das mulheres entrevistadas
pelo Datafolha.
Uma das explicações pode ser a prostituição, e a falta do
uso de preservativos, que é muito comum entre elas.
Um número é
alentador: a maioria (69%) afirma que pretende procurar tratamento para se
livrar da droga. Outro, frustrante: 54% já se trataram, sem
sucesso.
Segundo médicos, a recaída é muito comum e ocorre por vários
motivos.
Um deles é que os tratamentos médicos só conseguem ter algum
resultado quando já passou a fase da "lua de mel" do viciado com a droga, quando
ela deixa de dar prazer e provoca mais sofrimento e fissura que a sensação de
plenitude, afirma o psiquiatra Dartiu Xavier, da Unifesp
(Universidade Federal de São Paulo).
Outro questão é a existência dos
chamados transtornos psíquicos associados: cerca de 70% dos viciados apresentam
também depressão, ansiedade ou pânico.
Isso os afasta dos
tratamentos.
Para a psicóloga Cristina Greco, os
dependentes têm em comum o que chama de "os 3 Ds". Desistem de tudo com muita
facilidade; são altamente destrutivos e descontínuos -não conseguem construir
suas próprias histórias.
ALTO CONSUMO
Segundo os
dados da Datafolha, 63% dos entrevistados na cracolândia dizem já usar o crack
há mais de cinco anos. Para 5%, o vício teve início há mais de 20.
No
total, 52% começaram a fumar antes dos 20 anos; 6% com menos de 10
anos.
O consumo é alto: 48% dizem fumar mais de cinco pedras de crack por
dia.
É que a droga dá efeito rápido, mas efêmero, o que faz o usuário
querer logo outra; 38% dizem gastar mais de R$ 60 por dia com o
vício.
Também utilizam outras drogas (65% do total dos entrevistados pelo
Datafolha).
Entre as ilícitas, a mais comum é a maconha (43%), seguida da
cocaína (30%).
A bebida também entra no coquetel: a maioria dos que a
consomem dizem fazer isso diariamente.
Segundo Cristina
Greco, é raro o usuário de crack não ter passado por outras drogas.
Fonte:IHU
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