GENEBRA - A ONU apelou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que aceite a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) para abrir um processo contra o coronel da reserva Sebastião Curió Rodrigues de Moura. Para a ONU, a ação é um "primeiro passo crucial para lutar contra a impunidade que permeia o período do regime militar no Brasil".
Em comunicado emitido nesta manhã, em Genebra, a ONU diz ter "esperança que o judiciário brasileiro irá assegurar os direitos fundamentais das vítimas à verdade e à justiça ao permitir que um processo criminal vá adiante".
Segundo a Organização, a iniciativa dos promotores é um "elemento a muito esperado em direção à responsabilização pelas centenas de pessoas que desapareceram durante os 20 anos da ditadura e que continuam desaparecidas". O comunicado foi emitido pelo Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos.
Nessa quinta-feira, 15, a alta comissária adjunta das Nações Unidas para Direitos Humanos, Kyung-wha Kang, deixou claro, em entrevista ao Estado, que, na visão da ONU, a Lei de Anistia não blinda crimes relacionados com o desaparecimento de pessoas, que devem ser investigados.
"Nossa visão é de que leis de anistia não cobrem o desaparecimento", disse a número 2 da ONU para Direitos Humanos. "A avaliação é que não há anistia para um crime que continua no tempo. Portanto, ele pode e deve ser investigado", explicou. A avaliação dos juristas na ONU é de que, assim como um sequestro sem uma conclusão, o desaparecimento de uma pessoa não pode ser um crime que tenha prescrição.
Denúncia. Como o Estado revelou no último domingo, o Ministério Público denunciou Curió na Justiça Federal em Marabá pelo crime de sequestro qualificado de cinco pessoas na Guerrilha do Araguaia. O coronel comandou as tropas que atuaram na região em 1974, época dos desaparecimentos de Maria Célia Corrêa (Rosinha), Hélio Luiz Navarro Magalhães (Edinho), Daniel Ribeiro Callado (Doca), Antônio de Pádua Costa (Piauí) e Telma Regina Corrêa (Lia). A notícia foi vista como um "passo positivo" por alguns dos principais nomes da ONU na construção do direito internacional nos últimos anos. Para Louis Joinet, ex-relator da entidade por 30 anos e que atuou em diversos países no esforço de criar leis para combater o desaparecimento de pessoas, a iniciativa do MPF é "um alívio".
Para os militares, a iniciativa é "revanchismo", reação considerada natural na avaliação de Kyung-wha Kang. Ela diz, no entanto, que a tendência em vários países é a de seguir com os processos, mesmo com resistências.
Segundo ela, a ONU tomou a decisão de agir em um caso similar ao que foi aberto no Brasil. "Na Guatemala, decidimos enviar uma comunicação a uma corte que está julgando um caso também de desaparecidos", disse.
A alta comissária adjunta não dá qualquer indicação, por enquanto, sobre se a ONU vai agir também no caso brasileiro. Mas a cúpula da entidade já vem insistindo que o governo brasileiro precisa agir para permitir que os crimes cometidos durante a ditadura sejam investigados.
Nos últimos anos, a ONU tem adotado uma postura cada vez mais clara de que leis de anistia e pactos nacionais fechados em períodos de transição têm impedido que as vítimas sejam devidamente reparadas. Na entidade, princípios como o direito à verdade ganharam um novo status nos últimos anos. Para os especialistas da organização, não há um modelo único para lidar com o passado e cada sociedade deve encontrar sua forma. O que a ONU entende, porém, é que o silêncio é a única opção que não pode ser considerada.
Fonte: Jornal O Estado de São Paulo
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