ATÉ QUANDO OS POVOS ORIGINÁRIOS DESTA NOSSA TERRA SERÃO DESRESPEITADOS E VIOLENTADOS
foto: Gerson Walber/Correio Do Estado
Patrícia Bonillha de Brasília
O projétil
que atingiu o indígena Josiel Gabriel Alves, 34 anos, cortou o nervo da
cervical e ele tem mínimas chances de voltar a andar ou movimentar as pernas e
os braços, informou nesta manhã um dos médicos da Santa Casa de Campo Grande
(MS). Baleado nas costas ontem (04) à tarde, na fazenda São Sebastião, em
Sidrolândia (MS), ao chegar ao hospital ontem à noite, Josiel disse que não
sentia nem as pernas nem as costas, mas estava consciente e conversando
normalmente. Neste momento, ele está inconsciente, sob efeito de medicamentos,
e o seu quadro é estável. Os médicos aguardam os resultados de alguns exames e
a reação do seu próprio organismo para realizarem a cirurgia de retirada da
bala, que não deve acontecer hoje. Somente com a chegada de um assessor do
Ministério da Justiça, Marcelo Veiga, por volta das 10h, é que foi possível à
família de Josiel obter informações claras sobre o seu estado de saúde.
Na semana
passada, nesta mesma região, o indígena Terena, Oziel Gabriel, 35, morreu em
confronto com policiais federais e militares na tentativa de cumprimento da
reintegração de posse da fazenda Buriti. Apesar da ação policial ter tido um
desfecho trágico e estar sob investigação, o governo federal anunciou ontem à
noite o envio da Força Nacional e o aumento do efetivo da Polícia Federal (PF)
na região.
Segundo os
indígenas, na tarde de ontem, na tentativa de uma retomada da fazenda São
Sebastião, um grupo de 60 indígenas foi comunicado por um capataz que eles
poderiam entrar porque o fazendeiro já iria sair com o gado. No entanto, quando
eles entraram, os indígenas foram surpreendidos pela descida de uma
Tentando
fugir do atentado, Josiel foi atingido por trás, um pouco abaixo do pescoço e a
bala se alojou em sua cervical. Após os primeiros atendimentos no hospital
municipal de Sidrolândia, devido à gravidade do quadro, ele foi transferido
para ser operado em Campo Grande. Chegou a ser circulada a informação de que
quatro indígenas estariam desaparecidos, mas todos foram localizados e já estão
junto ao grupo indígena novamente. As duas fazendas, Buriti e São Sebastião,
ficam dentro da Terra Indígena Buriti, reconhecida em 2010 pelo Ministério da
Justiça como de posse permanente do povo Terena.
A
missionária do Conselho Indigenista (Cimi) na região, Lídia Farias de Oliveira,
afirma que o clima está bastante tenso. "Apenas um dia após o enterro do
Oziel, seu primo, o Josiel, é baleado. Os Terena estão vivendo profundamente
essa dor e essa violência. É ingrato pensar que precisou um indígena morrer
para a presidente Dilma anunciar que vai recebê-los. Por outro lado, eles estão
dispostos a irem até o final para garantir a retomada de suas terras
tradicionais", afirma ela.
Esquecida
reforma agrária
Segundo
reportagem da Folha de S. Paulo veiculada hoje, "os indígenas de Mato
Grosso do Sul dispõem de áreas bastante pequenas, superpovoadas e próximas dos
centros urbanos". Os dados da Fundação Nacional do Índio (Funai)
explicitam que enquanto os indígenas não conseguem recuperar suas terras
tradicionais, há uma grande concentração de terras nas mãos de alguns
latifundiários na região.
Com uma
população de 28 mil indígenas, os Terena ocupam cerca de 20 mil hectares no
estado. Duas terras indígenas na região de Sidrolândia, Buritizinho e Tereré,
com população de 320 e 400 indígenas, respectivamente, têm a extensão de dez
hectares cada. Só a fazenda Buriti, de propriedade do ex-deputado estadual
Ricardo Bacha, tem cerca de 6.300 hectares e a fazenda Aquidauana, também
localizada na terra indígena tradicional, tem 4.100 hectares.
Ao invés
de centrar esforços para a realização de uma reforma agrária, como era uma das
prioridades do projeto original do atual governo, a proposta apresentada no mês
de maio pela ministra-chefe da Casa Civil, Gleisy Hoffmann, foi a de
reformulação nos procedimentos de demarcação de territórios indígenas e na
suspensão dos mesmos.
Em carta à
presidente Dilma, um grupo de integrantes de organizações de direitos humanos,
dentre eles o reconhecido jurista Dalmo Dallari, afirmou ontem que "No Mato Grosso do Sul a não solução da
demarcação das terras indígenas é uma das várias guerras de baixa intensidade
que vivemos em nosso país. São centenas de milhares de pessoas atingidas e a
mudança de rito de tramitação da demarcação de terras indígenas, abrindo à
consulta e apreciação os laudos antropológicos produzidos pela FUNAI para
setores antagônicos à demarcação, contrariamente o que pensa a Casa Civil, só
trará mais resistência indígena e mais conflitos".
O ministro
da Justiça, José Eduardo Cardozo, chegou em Campo Grande na manhã de hoje e
sobrevoou a área demandada pelos indígenas com o governador André Puccinelli
(PMDB). Atendendo a um pedido do governador, Cardozo afirmou ontem à imprensa
que a Força Nacional estará submetida ao comando da Polícia Militar e da
Secretaria de Segurança do estado. O governo de Puccinelli tem um claro
posicionamento a favor dos fazendeiros da região e sempre intercede no sentido
de atender as demandas deles, em detrimento do respeito aos direitos dos
indígenas de retomarem suas terras tradicionais. No final da manhã, Cardozo se
reuniu com três lideranças do povo Terena. Outros 40 indígenas estavam na base
aérea de Campo Grande.
Indígenas
como alvo de violência
Em nota à
imprensa, o Ministério Público federal afirmou ontem que "falta vontade
política para solucionar a questão indígena em Mato Grosso do Sul". De
acordo com a nota, além da omissão do Estado, o trato da questão indígena pelo
Judiciário também demonstra despreparo na condução dos conflitos.
Segundo o
procurador da república, Emerson Kalif Siqueira, não se trata a questão
indígena como caso de polícia. "Se forem necessárias horas ou dias de
conversa e negociação, que se explique, enfatize, converse, negocie. O que não
se pode é deixar que a inapetência da polícia - que não tem experiência em
conflitos rurais - transforme populações tradicionais em alvo de
violência", declarou ele.
A
reintegração de posse da fazenda Buriti prevista para ser realizada hoje até às
9h foi suspensa.
FONTE: CIMI
FONTE: CIMI
Nenhum comentário:
Postar um comentário