quarta-feira, 27 de novembro de 2013

FIM DO EUROCENTRISMO E A CENTRALIDADE DOS POBRES: EVANGELII GAUDIUM

Cidade do Vaticano (RV) – A Exortação Apostólica“Evangelii Gaudium”, do Papa Francisco, foi apresentada esta manhã na Sala de Imprensa da Santa Sé.

Participam da coletiva de imprensa o Presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, Dom Rino Fisichella, o Secretário-Geral do Sínodo dos Bispos, Dom Lorenzo Baldisseri, e o Presidente do Pontifício Conselho das Comunicações Sociais, Dom Claudio Maria Celli.

O documento do Pontífice nasce da XIII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos sobre “A nova evangelização para a transmissão da fé cristã”, de 2012.

O Papa Francisco reelabora o que emergiu desse Sínodo de modo pessoal, escrevendo um documento programático e exortativo, utilizando a forma de “Exortação Apostólica”. Como tal, tem estilo e linguagem próprios: coloquial e direto, como manifestou Francisco em seus meses de pontificado.

A missionariedade é o coração do texto, em que o Papa convida todos os fiéis cristãos a uma nova etapa evangelizadora, caracterizada pela alegria.

Trata-se de cinco capítulos: “A transformação missionária da Igreja”“Na crise do compromisso comunitário”“O anúncio do Evangelho”“A dimensão social da evangelização” e“Evangelizadores com espírito”.

“O que mantém unido todas essas temáticas é o amor misericordioso de Deus, que vai ao encontro de cada pessoa”, afirmou Dom Rino Fisichella.

Para ele, o que o Papa nos indica, no fundo, “é a Igreja que se faz companheira de percurso dos nossos contemporâneos na busca de Deus e no desejo de vê-lo”.

Por sua vez, Dom Baldisseri destacou o caráter universal do documento, elaborado a partir dos estímulos pastorais provenientes de várias Igrejas locais. “A esta experiência, deve-se o amplo espaço dedicado à religiosidade popular na América Latina – uma verdadeira espiritualidade encarnada na cultura dos mais simples”, acrescentou o Arcebispo.

Em entrevista à Rádio Vaticano, Dom Baldisseri destaca dois aspectos da Exortação: o fim do eurocentrismo e a dimensão dos pobres.

Confira uma síntese da Exortação Apostólica, preparada pela Rádio Vaticano:

“A alegria do evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus”: assim inicia a Exortação Apostólica ‘Evangelii Gaudium’ com a qual o Papa Francisco desenvolve o tema do anúncio do Evangelho no mundo de hoje, recolhendo por outro lado a contribuição dos trabalhos do Sínodo que se realizou no Vaticano de 07 a 28 de Outubro de 2012 com o tema “A nova evangelização para a transmissão da f锓Desejo dirigir-me aos fiéis cristãos – escreve o Papa – para convidá-los a uma nova etapa de evangelização marcada por esta alegria e indicar direções para o caminho da Igreja nos próximos anos” (1). Trata-se de um premente apelo a todos os batizados para que com renovado fervor e dinamismo levem aos outros o amor de Jesus num ‘estado permanente de missão’ (25), vencendo ‘o grande risco do mundo atual’, o de cair ‘numa tristeza individualista’ (2).

O Papa nos convida a ‘recuperar o frescor original do Evangelho’, encontrando‘novas formas’ e ‘métodos criativos’, a não aprisionarmos Jesus nos nossos‘esquemas monótonos’ (11). Precisamos de “uma conversão pastoral e missionária, que não pode deixar as coisas como elas são” (25) e uma ‘reforma das estruturas’eclesiais para que ‘todas se tornem mais missionárias’ (27). O Pontífice pensa também numa ‘conversão do papado’, para que seja “mais fiel ao significado que Jesus Cristo lhe quis dar e às necessidades atuais da evangelização”. A esperança que as Conferências Episcopais pudessem dar um contributo para que ‘o sentido de colegialidade’ se realizasse ‘concretamente’ – afirma o Papa – ‘não se realizou plenamente’ (32). E’ necessária uma ‘saudável descentralização’ (16). Nesta renovação não se deve ter medo de rever costumes da Igreja ‘não diretamente ligados ao núcleo do Evangelho, alguns dos quais profundamente enraizados ao longo história’ (43).

Sinal de acolhimento de Deus é ‘ter por todo lado igrejas com as portas abertas’ para que aqueles que estão à procura não encontrem ‘a frieza de uma porta fechada’‘Nem mesmo as portas dos Sacramentos se deveriam fechar por qualquer motivo’. Assim, a Eucaristia “não é um prêmio para os perfeitos, mas um generoso remédio e um alimento para os fracos. Estas convicções têm também consequências pastorais que somos chamados a considerar com prudência e audácia” (47). Reafirma de preferir uma Igreja ‘ferida e suja por ter saído pelas estradas, em vez de uma igreja ... preocupada em ser o centro e que acaba prisioneira num emaranhado de obsessões e procedimentos. Se algo nos deve santamente perturbar ... é que muitos dos nossos irmãos vivem ‘sem a amizade de Jesus’” (49).

O Papa aponta as ‘tentações dos agentes da pastoral’: o individualismo, a crise de identidade, o declínio no fervor (78). ‘A maior ameaça’ é ‘o pragmatismo incolor da vida quotidiana da Igreja, no qual aparentemente tudo procede na faixa normal, quando na realidade a fé se vai desgastando’ (83). Exorta a não se deixar levar por um ‘pessimismo estéril’ (84) e a sermos sinais de esperança (86) aplicando a‘revolução da ternura’ (88). E’ necessário fugir da ‘espiritualidade do bem-estar’ que recusa ‘empenhos fraternos’ (90) e vencer a ‘mundanidade espiritual’, que ‘consiste em buscar, em vez da glória do Senhor, a glória humana’ (93). O Papa fala daqueles que ‘se sentem superiores aos outros’, porque ‘inflexivelmente fiéis a um certo estilo católico próprio do passado’ e ‘em vez de evangelizar ... classificam os outros’, ou daqueles que têm um ‘cuidado ostensivo da liturgia, da doutrina e do prestígio da Igreja, mas sem que se preocupem com a inserção real do Evangelho’nas necessidades das pessoas ( 95). Esta ‘é uma tremenda corrupção com a aparência de bem ... Deus nos livre de uma igreja mundana sob cortinas espirituais ou pastorais’ (97).

Ele lança um apelo às comunidades eclesiais para não caírem nas invejas e ciúmes:‘dentro do povo de Deus e nas diversas comunidades, quantas guerras’ (98). ‘A quem queremos evangelizar com estes comportamentos?’ (100). Sublinha a necessidade de fazer crescer a responsabilidade dos leigos, mantidos ‘à margem nas decisões’ por um ‘excessivo clericalismo’ (102). Afirma que ‘ainda há necessidade de se ampliar o espaço para uma presença feminina mais incisiva na Igreja’, em particular ‘nos diferentes lugares onde são tomadas as decisões importantes’(103). ‘As reivindicações dos direitos legítimos das mulheres ... não se podem sobrevoar superficialmente’ (104). Os jovens devem ter ‘um maior protagonismo’(106). Diante da escassez de vocações em alguns lugares o Papa afirma que ‘não se podem encher os seminários baseados em qualquer tipo de motivação’ (107).

Abordando o tema da inculturação, o Papa lembra que ‘o cristianismo não dispõe de um único modelo cultural’ e que o rosto da Igreja é ‘multiforme’ (116).‘Não podemos esperar que todos povos ... para expressar a fé cristã, tenham de imitar as modalidades adotadas pelos povos europeus num determinado momento da história’ (118). O Papa reitera ‘a força evangelizadora da piedade popular’ (122) e incentiva a pesquisa dos teólogos convidando-os a ter ‘a peito a finalidade evangelizadora da Igreja’ e a não se contentar ‘com uma teologia de escritório’ (133).

Em seguida o Papa detém-se ‘com uma certa meticulosidade, na homilia’, porque ‘são muitas as reclamações em relação a este importante ministério e não podemos fechar os ouvidos’ (135). A homilia ‘deve ser breve e evitar de parecer uma conferência ou uma aula’ (138), deve ser capaz de dizer ‘palavras que façam arder os corações’, evitando uma ‘pregação puramente moralista ou de endoutrinar’ (142). Sublinha a importância da preparação, “um pregador que não se prepara não é ‘espiritual’, é desonesto e irresponsável” (145). “Uma boa homilia deve conter ... ‘uma ideia, um sentimento, uma imagem’” (157). A pregação deve ser positiva, para que possa oferecer ‘sempre esperança’ e não deixe ‘prisioneiros da negatividade’ (159). O próprio anúncio do Evangelho deve ter características positivas:‘proximidade, abertura ao diálogo, paciência, acolhimento cordial que não condena’ (165).

Falando dos desafios do mundo contemporâneo, o Papa denuncia o atual sistema econômico: ‘é injusto pela raiz’ (59). ‘Esta economia mata’ porque prevalece a ‘lei do mais forte’. A atual cultura do ‘descartável’ criou ‘algo de novo’“os excluídos não são ‘explorados’, mas ‘lixo’, ‘sobras’” (53). Vivemos uma ‘nova tirania invisível, por vezes virtual’ de um ‘mercado divinizado’, onde reinam a‘especulação financeira’‘corrupção ramificada’‘evasão fiscal egoísta’ (56). Denuncia os ‘ataques à liberdade religiosa’ e as ‘novas situações de perseguição dos cristãos ... Em muitos lugares trata-se pelo contrário de uma difusa indiferença relativista’ (61). A família – continua o Papa – ‘atravessa uma crise cultural profunda’. Reafirmando ‘a contribuição indispensável do matrimônio para a sociedade’ (66), sublinha que ‘o individualismo pós-moderno e globalizado promove um estilo de vida ... que perverte os vínculos familiares’ (67) .

O Papa Francisco reafirma ‘a íntima conexão entre evangelização e promoção humana’ (178 ) e o direito dos Pastores ‘para emitir opiniões sobre tudo o que se relaciona com a vida das pessoas’ (182). “Ninguém pode exigir de nós que releguemos a religião à secreta intimidade das pessoas, sem qualquer influência na vida social”. Cita João Paulo II onde diz que a Igreja “não pode nem deve ficar à margem da luta pela justiça” (183). ‘Para a Igreja, a opção pelos pobres é uma categoria teológica’ antes de ser sociológica. ‘Por isso, peço uma Igreja pobre para os pobres. Eles têm muito a ensinar-nos’ (198). ‘Até que não se resolvam radicalmente os problemas dos pobres ... não se resolverão os problemas do mundo’ (202). ‘A política, tanto denunciada’ – diz ele – ‘é uma das formas mais preciosas de caridade’‘Rezo ao Senhor para que nos dê mais políticos que tenham verdadeiramente a peito ... a vida dos pobres!’ Em seguida, um aviso:‘qualquer comunidade dentro da Igreja’ que se esquecer dos pobres corre ‘o risco de dissolução’ (207).

O Papa nos convida a cuidar dos mais fracos: “os sem-teto, os dependentes de drogas, os refugiados, os povos indígenas, os idosos cada vez mais sós e abandonados” e os migrantes, para quem o Papa exorta os Países ‘a uma abertura generosa’ (210). Fala das vítimas de tráfico e de novas formas de escravidão: “Nas nossas cidades está implantado este crime mafioso e aberrante, e muitos têm as mãos cheias de sangue por causa de uma cumplicidade cômoda e silenciosa”(211). “Duplamente pobres são as mulheres que sofrem situações de exclusão, maus tratos e violência” ( 212). ‘Entre estes fracos, que a Igreja quer cuidar’ estão‘as crianças em gestação, que são as mais indefesas e inocentes de todos, às quais hoje se quer negar a dignidade humana’ (213). ‘Não se deve esperar que a Igreja mude a sua posição sobre esta questão ... Não é progressista fingir de resolver os problemas eliminando uma vida humana’ (214). E depois, um apelo para o respeito de toda a criação: ‘somos chamados a cuidar da fragilidade das pessoas e do mundo em que vivemos’ ( 216) .

No que diz respeito ao tema da paz, o Papa afirma que é ‘necessária uma voz profética’ quando se quer implementar uma falsa reconciliação ‘que mantém calados’os pobres, enquanto alguns ‘não querem renunciar aos seus privilégios’ (218). Para a construção de uma sociedade ‘em paz, justiça e fraternidade’, indica quatro princípios (221): ‘o tempo é superior ao espaço’ (222) significa ‘trabalhar, a longo prazo, sem a obsessão dos resultados imediatos’ (223). ‘A unidade prevalece sobre o conflito’ (226) significa operar para que os opostos atinjam ‘uma unidade multifacetada que gera nova vida’ (228). ‘A realidade é mais importante que a ideia’ (231) significa evitar que a política e a fé sejam reduzidas à retórica (232). ‘O todo é maior do que a parte’ significa colocar em conjunto globalização e localização (234).

‘A evangelização – prossegue o Papa – também implica um caminho de diálogo’, que abre a Igreja para colaborar com todas as realidades políticas, sociais, religiosas e culturais (238). O ecumenismo é ‘uma via imprescindível da evangelização’. Importante o enriquecimento recíproco: ‘quantas coisas podemos aprender uns dos outros!’, por exemplo, ‘no diálogo com os irmãos ortodoxos, nós os católicos temos a possibilidade de aprender alguma coisa mais sobre o sentido da colegialidade episcopal e a sua experiência de sinodalidade’ (246), ‘o diálogo e a amizade com os filhos de Israel fazem parte da vida dos discípulos de Jesus’ (248), ‘o diálogo inter-religioso’, que deve ser conduzido ‘com uma identidade clara e alegre’é ‘uma condição necessária para a paz no mundo’, e não obscurece a evangelização (250-251), ‘nesta época adquire notável importância a relação com os crentes do Islã’ (252): o Papa implora ‘humildemente’ para que os Países de tradição islâmica garantam a liberdade religiosa para os cristãos, mesmo‘tendo em conta a liberdade de que gozam os crentes do Islã nos países ocidentais’‘Diante de episódios de fundamentalismo violento’ o Papa convida a‘evitar odiosas generalizações, porque o verdadeiro Islã e uma adequada interpretação do Alcorão se opõem a toda a violência’ (253). E contra a tentativa de privatizar as religiões em alguns contextos, afirma que ‘o respeito devido às minorias de agnósticos, ou não-crentes, não se deve impor de forma arbitrária, que silencie as convicções das maiorias de crentes ou ignore a riqueza das tradições religiosas’ (255). E reafirma, portanto, a importância do diálogo e da aliança entre crentes e não-crentes (257) .

O último capítulo é dedicado aos ‘evangelizadores com o Espírito’, que são aqueles ‘que se abrem sem medo à ação do Espírito Santo’, que ‘infunde a força para anunciar a novidade do Evangelho com ousadia (parresia), em voz alta e em todo tempo e lugar, mesmo contra a corrente’ (259). Trata-se de‘evangelizadores que rezam e trabalham’ (262), na certeza de que ‘a missão é uma paixão por Jesus, mas ao mesmo tempo, é uma paixão pelo seu povo’ (268):‘Jesus quer que toquemos a miséria humana, que toquemos a carne sofredora dos outros’ (270). ‘Na nossa relação com o mundo – esclarece o Papa – somos convidados a dar a razão da nossa esperança, mas não como inimigos que apontam o dedo e condenam’ (271). ‘Pode ser missionário – acrescenta ele – apenas quem se sente bem na busca do bem do próximo, quem deseja a felicidade dos outros’ (272): ‘se eu conseguir ajudar pelo menos uma única pessoa a viver melhor, isto já é suficiente para justificar o dom da minha vida’ (274). O Papa convida-nos a não desanimar perante as falhas ou escassos resultados, porque a‘fecundidade muitas vezes é invisível, indescritível, não pode ser contabilizada’; devemos saber ‘apenas que o dom de nós mesmos é necessário’ (279). A Exortação termina com uma oração a Maria, ‘Mãe da Evangelização’‘Existe um estilo mariano na atividade evangelizadora da Igreja. Porque sempre que olhamos Maria voltamos a acreditar na força revolucionária da ternura e do afeto’ (288).
Texto proveniente do site da Rádio Vaticano da página:

sábado, 23 de novembro de 2013

Criminalização da luta por moradia é repudiada em Uberlândia

Centenas de famílias sem-casa lotaram um dos anfiteatros da Universidade Federal de Uberlândia
Centenas de famílias sem-casa lotaram um dos anfiteatros da Universidade Federal de Uberlândia - Foto: Guilherme Dardanhan

Audiência pública da Comissão de Direitos Humanos reúne centenas de sem-teto.

A criminalização dos movimentos sociais na luta pela moradia fere a Constituição Federal e contraria os pilares do estado democrático de direito. Essa foi a tônica da audiência pública realizada nesta sexta-feira (22/11/13), em Uberlândia (Triângulo Mineiro), pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). A audiência pública atendeu a requerimento do presidente da comissão, deputado Durval Ângelo (PT), que comandou os debates, e do deputado Rômulo Viegas (PSDB).
A surpresa foi a presença de centenas de famílias sem-casa, que além de lotar com pessoas de todas as idades um dos anfiteatros da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), chegaram até a tumultuar o fluxo de veículos nas ruas do campus Santa Mônica. Ao final, parte dos presentes organizou um protesto nas imediações da prefeitura e da Câmara Municipal.
A reunião repercutiu várias denúncias de violações de direitos humanos apresentadas em debate público sobre o tema realizado na ALMG no último dia 4 de outubro. Em linhas gerais, a principal reclamação é a falta de políticas habitacionais nos últimos anos em Uberlândia, que resultaram num déficit de 13 mil famílias vivendo em 22 acampamentos pela cidade, alguns deles ameaçados por processos de reintegração de posse.
Logo na abertura das discussões, o deputado Durval Ângelo lembrou que a Comissão de Direitos Humanos tem poderes limitados, mas pode ser uma importante aliada na luta pelos direitos dos sem-teto. “Não temos o poder de distribuir terra e construir casas, mas temos o poder moral de dar voz aos pobres e oprimidos. Nossa presença aqui é para dizer aos poderes constituídos que não está certo criminalizar quem luta pela moradia, desde que essa luta seja pacífica e desarmada”, afirmou o parlamentar.
“Portanto, todos os movimentos sociais têm legitimidade em uma sociedade democrática, no chamado estado democrático de direito. Afinal, sociedade democrática é aquela em que as pessoas podem lutar por seus direitos. Sempre é bom lembrar que o voto é só um degrau da cidadania”, completou o deputado Durval Ângelo, bastante aplaudido pelos presentes.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos denunciou ainda a abertura sistemática de inquéritos pelas polícias Civil e Federal contra as lideranças dos sem-teto em Uberlândia. Nesses casos, segundo ele, a comissão vai se posicionar enfaticamente ao lado dos movimentos sociais. Da mesma forma, todos os relatos feitos pelos participantes da audiência pública serão encaminhados ao conhecimento do Ministério das Cidades, Ministério Público e Defensoria Pública Estadual, entre outros órgãos.
Durante a reunião, foi informado que policiais estariam cercando uma das ocupações de sem-casa em Uberlândia
Durante a reunião, foi informado que policiais estariam cercando uma das ocupações de sem-casa em Uberlândia - Foto: Guilherme Dardanhan
Ocupações - Curiosamente, durante a reunião, foi divulgada a informação de que policiais estariam cercando uma das ocupações de sem-casa em Uberlândia, a da região conhecida como Granja Planalto. A notícia, que deixou o clima tenso entre os presentes, não se confirmou. “Se alguma liderança for presa ou mesmo chamado para depor, basta dizer que vocês estão colocando em prática a Constituição. Vocês tem que ser tratados como cidadãos, não como bandidos. Ou será que alguém que se submete a ficar anos morando embaixo de um viaduto, debaixo de uma lona, é por que não precisa de moradia?”, ironizou o deputado Durval Ângelo.
Na avaliação do parlamentar, a luta pela moradia tem ganhado mais espaço na agenda da Comissão de Direitos Humanos nos últimos dois anos. De acordo com ele, as políticas habitacionais implementadas pelo Governo Federal têm conseguido dar conta da demanda reprimida nas pequenas e médias cidades, mas nos grandes centros, como Uberlândia, isso não tem sido possível.
“A culpa é da especulação imobiliária. Nessas cidades o metro quadrado de terra urbana virou ouro. O povo precisa ter consciência da sua força. É como aquele ditado: se o boi soubesse a força que tem, ninguém mais comeria bife”, lembrou o deputado Durval Ângelo.
Repressão policial é alvo de críticas de movimentos sociais
“As forças policiais de Uberlândia se acham no direito de impedir que as politicas públicas funcionem, intervindo de forma discricionária na luta pelos direitos inalienáveis das pessoas, como é o caso da moradia”. A afirmação, em tom de desabafo, foi feita durante a audiência pública pelo coordenador da Comissão Pastoral da Terra de Uberlândia, Frei Rodrigo de Castro Amédée Péret.
“A ocupação é um direito legítimo das pessoas. Há enormes vazios humanos na região, frutos de grilagens, resultado de uma série de falcatruas ao longo da historia”, completou Frei Rodrigo, que pediu a intervenção da Comissão de Direitos Humanos para acionar o Comitê de Conflitos do Ministério das Cidades. Da mesma forma, segundo ele, o envolvimento da Assembleia de Minas na questão é fundamental, sobretudo na intermediação de uma solução junto aos governos Estadual e Federal.
O advogado da Comissão Pastoral da Terra de Uberlândia, Igino Marcos da Mata de Oliveira, denunciou a cumplicidade da mídia na criminalização dos movimentos sociais na região. “Tenho orgulho de defender os pobres, de confrontar quem quer manipular a opinião publica. O que eles fingem não ver é que, em Uberlândia, temos ocupações em cemitério clandestino e em imóvel com quatro matrículas. Enquanto isso, o Poder Judiciário não tem sensibilidade para garantir a presença do povo nessas áreas”, apontou.
Na mesma linha, o vereador Marcos Batista Gomes, o “Marquinho do Megabox”, relator da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Uberlândia, denunciou que tem os documentos da compra da área onde mora, mas não consegue registrar, o que ilustra o caos na situação fundiária na cidade. O parlamentar também se disse discriminado por defender os sem-casa.
“Moro em um assentamento, já passei fome e nunca mandei ninguém invadir terreno, como andam dizendo por aí. Mas já chegou a hora das autoridades decidirem se estão do lado dos ricos ou dos pobres”, reclamou.
O coordenador do Movimento Sem-Teto do Brasil (MSTB), Wellington Marcelino Romana, mais conhecido como “Marrom”, elogiou a mediação da Comissão de Direitos Humanos para evitar a criminalização dos movimentos sociais. “Não somos bandidos, mas a cada dia aumenta o déficit habitacional em Uberlândia e a situação pode sair do controle. Já são pelo menos 45 mil pessoas cadastradas na fila de espera do programa Minha Casa, Minha Vida. Durante anos não tivemos uma política habitacional e agora esse número ficou muito grande”, criticou “Marrom”, que exigiu a suspensão imediata de todas as reintegrações de posse na cidade.
Já o coordenador do Movimento de Libertação dos Sem-Terra, Erivan Magalhães Moraes, defendeu a criação de uma política pública que garanta a transferência direta de recursos para que o cidadão possa comprar um terreno e construir sua casa. “Precisamos de uma lei para isso. Pode ser de um cômodo só, mas será com dignidade”, definiu.
Por fim, o coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto e Sem Terra de Uberlândia, Francisco Rodrigues da Silva, pediu ao presidente da Comissão de Direitos Humanos que os gritos de ordem presenciados durante os debates ecoem na Assembleia de Minas. “Que o senhor leve esse grito para a Assembleia porque não podemos mais ficar calados. Estamos lutando por nossos direitos, mas no nosso país, infelizmente, isso ainda é crime”, criticou.
Prefeitura - Selis Brandão, assessor da Secretaria Municipal de Habitação de Uberlândia, disse que a prefeitura tem consciência do déficit habitacional, cuja superação foi classificada por ele como um “desafio”. “As políticas do Governo Federal na área não têm dado conta de uma situação que veio se agravando ao longo de décadas. Precisamos de ajuda na busca de soluções pacíficas e democráticas”, afirmou.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Não ao Gás de Xisto


A petroleira Petra Energia comunicou em maio  à Agência Nacional do Petróleo (ANP) mais uma descoberta de gás natural na Bacia de São Francisco, norte de Minas Gerais. A empresa se associou à americana FTS International, especializada na tecnologia de fraturamento hidráulico, usada para extrair o gás de xisto, e pretende iniciar as atividades em 2014. Nos Estados Unidos, aonde esta tecnologia de extração, é utilizada, na zona rural, já se verificam alterações na qualidade da água e do ar, a redução de produção de frutos e a morte de animais.
Proibido em alguns países da Europa, como França e Bulgária, e em moratória na Irlanda, República Tcheca, Romênia, Alemanha e Espanha, a técnica de extração do gás de xisto será testada pela primeira vez no Brasil. O fraturamento hidráulico ou “fracking” é o método utilizado para extrair xisto e consiste em “explodir” a rocha para acessar o reservatório onde o gás está aprisionado.

O processo começa com uma perfuração até a camada de xisto. Após atingir mais de 1,5 mil metros de profundidade, uma bomba injeta água com areia e produtos químicos em alta pressão, o que causa o fraturamento da rocha liberando o gás aprisionado. O fraturamento hidráulico é um método polêmico em todo o mundo por oferecer riscos de contaminação de água e solo, incluindo lençol freático e aquíferos. Além disso, o processo de extração do xisto utiliza grandes quantidades de água – estimativas da agência americana de proteção do meio ambiente (EPA) apontam que 265 a 530 bilhões de litros são gastos anualmente. Tais prejuízos aos recursos naturais foram até então pouco estudados e, por isso mesmo, a opinião pública tem se mostrado contrária em diversos países onde a técnica foi cogitada ou implementada.

No Brasil, todas as áreas de ocorrência de gás natural poderão ser áreas de extração de gás de xisto, o que representa um risco considerável para as nossas reservas hídricas. O aquífero Guarani, na Bacia do Paraná, maior manancial de água doce transfronteiriço do mundo, e o aquífero Urucuia, na Bacia do São Francisco, poderão ser contaminados, pois a água utilizada no faturamento volta à superfície carregada de hidrocarbonetos e metais encontrados na rocha. Além desses impactos ambientais, existem ainda os riscos de explosões com liberação de gás metano e de estímulo aos movimentos tectônicos, que podem ocasionar terremotos locais e regionais.

Nos leilões energéticos da ANP (Agência Nacional de Petróleo), marcados para os dias 28 e 29 de novembro deste ano, já serão oferecidos blocos para exploração de gás de xisto em diversas bacias sedimentares brasileiras. A Comunidade Científica, os técnicos de órgãos competentes e tampouco a Sociedade Civil foram consultados.

Diante da complexidade do tema e por se tratar de um assunto de interesse coletivo, reivindicamos um maior espaço para discussão profunda e aberta com a sociedade e o compromisso do governo em avaliar os impactos da extração de xisto antes que as reservas deste gás sejam exploradas. Até que os devidos estudos de impacto sejam desenvolvidos, exigimos a exclusão do xisto nos leilões energéticos programados pela ANP.

NÓS NÃO QUEREMOS A EXPLORAÇÃO DO GÁS DE XISTO! NÃO AO ‘FRACKING’!

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FONTE: GT MEIO AMBIENTE - APH


terça-feira, 19 de novembro de 2013

Cardeal Turkson fala sobre os riscos dos transgênicos no Prêmio Mundial da Alimentação

O almoço na conferência do Prêmio Mundial da Alimentação teve salada com molho de óleo de soja, frango criado com soja e parfait de leite de soja – todos produtos de sementes geneticamente modificadas e patrocinadas por vários grupos da indústria de soja. Quando o cardeal Peter Turkson subiu ao palco para proferir o seu discurso, ele advertiu os seus ouvintes de que as suas palavras poderiam causar indigestão.
A reportagem é de Megan Fincher, publicada no sítio National Catholic Reporter, 12-11-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"É perigoso – e, finalmente, absurdo, de fato pecaminoso – empregar a biotecnologia sem a orientação de uma ética profundamente responsável", Turkson disse ao grupo internacional de cientistas, políticos e líderes religiosos e de negócios, incluindo os três pioneiros do agronegócio, que estavam sendo homenageados por ganhar o Prêmio Mundial da Alimentação de 2013.
Turkson, sem se intimidar com a mentalidade de sua audiência, usou seu discurso de 45 minutos do dia 17 de outubro para promover cautela quando se trata de utilizar organismos geneticamente modificados (OGM). Ele apoiou a rotulagem de alimentos que tenham sido produzidos com esses métodos, e ele questionou o valor econômico de pressionar o uso da tecnologia transgênica nos pequenos agricultores, especialmente aqueles de países em desenvolvimento.
"Não são os agricultores que não estão entendendo o ponto. Quem se recusa a olhar para todo o quadro de insegurança alimentar – pessoas e sua dignidade e suas vidas, bem como produção e distribuição de alimentos – está perdendo de vista o principal", disse.
Finalmente, ele exortou os dois lados da questão – sobre usar a biotecnologia para resolver a crise de fome no mundo – para sentar e tentar encontrar uma solução que funcione para todos.
Um recorde de 1.500 pessoas de mais de 70 países participaram da conferência do Prêmio Mundial da Alimentaçãodeste ano, em Des Moines, nos EUA, de 16 a 18 de outubro. O mantra do evento, através de palestras, painéis e conferências de imprensa, foi a capacidade da biotecnologia em "alimentar os 9 bilhões de pessoas esperadas para povoar o mundo em 2050", especialmente nas regiões menos desenvolvidas da ChinaÍndia e ÁfricaTurkson, ex-arcebispo de Cape CoastGana, foi convidado a proferir uma palestra na conferência sobre a necessidade de desenvolvimento agrícola na África.
Três cientistas da biotecnologia receberam o Prêmio Mundial da Alimentação deste ano: Robert Fraley, vice-presidente executivo da Monsanto, o maior produtor mundial de transgênicos; Mary-Dell Chilton, fundadora da terceira maior empresa de transgênicos do mundo, a Syngenta Biotecnologia; e Marc Van Montagu, fundador de duas empresas de biotecnologia e de uma organização sem fins lucrativos que promove a biotecnologia nos países em desenvolvimento.
Como presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz, Turkson manifestou preocupação acerca das consequências econômicas, ambientais e sociais dos transgênicos. Além de seu discurso na conferência, o cardeal falou em outro evento em Des Moines, este patrocinado por um grupo de ativistas que se autodenominam Occupy the World Food Prize. Essa reunião, no dia 16 de outubro, atraiu um público que ocupou um salão da Primeira Igreja Metodista Unidade Des Moines.
"No espírito do Papa Francisco, o cardeal Turkson quer criar o diálogo", disse Dom Richard Pates, bispo de Des Moines, ao NCR. "Ele não está interessado em ver as pessoas trocando insultos por todos os lados".
Enquanto estava lá, Turkson também concordou em se encontrar com um pequeno grupo de adversários dos transgênicos, muitos dos quais eram agricultores de Iowa inspirados pelo falecido bispo de Des Moines, Maurice Dingman, um defensor aberto da agricultura familiar. Quando eles desafiaram Turkson a denunciar a biotecnologia durante seu discurso na tarde seguinte, o cardeal disse que ao invés disso ele iria "articular com a Conferência dos Bispos dos EUA, o Vaticano e a ONU" de modo que "grandes agricultores possam ouvir as suas ansiedades, ouvi-los falar de coração. Precisamos promover algo desse tipo".
"Pense no amanhã como um único dia nisso tudo", Turkson disse a eles. "Provavelmente nada radical vai acontecer [no discurso]. Mas, para mim, é o começo de um processo que acabará por nos levar ao que nós desejamos e expressamos nesta noite".
No dia seguinte, cerca de 10 minutos depois de iniciar seu discurso diante do público da biotecnologia, Turksontrouxe à tona o debate entre os dois lados.
"Quando se justapõe o Prêmio Mundial da Alimentação e o Occupy World Food Prize, à primeira vista, a divergência pode parecer e soar como uma oposição polar. A urgência da fome no mundo e a insegurança alimentar certamente clamam por 'legítima melhoria’, e, portanto, apelam para o diálogo", disse.
Sentados na plateia estavam os principais intervenientes no debate sobre os transgênicos, incluindo o ex-primeiro ministro britânico Tony Blair; o presidente da IslândiaÓlafur Ragnar Grímsson; o presidente do Prêmio Mundial da AlimentaçãoKenneth Quinn, e John Ruan III, presidente da Fundação Prêmio Mundial da Alimentação.
"Para que o diálogo prossiga em boa fé, todos os interessados devem realmente estar representados e significativamente participarem", disse Turkson.
Ele invocou o fundador do Prêmio Mundial da AlimentaçãoNorman Borlaug, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1970 por criar linhagens de trigo que iniciaram a "revolução verde" em países em desenvolvimento. Borlaug criou o prêmio de alimentos para homenagear pessoas cujo trabalho "trazem o avanço do desenvolvimento humano, melhorando a qualidade, quantidade e disponibilidade de alimentos no mundo", de acordo com a Fundação Prêmio Mundial da Alimentação.
Turkson felicitou os homenageados deste ano "por continuarem o legado do Dr. Borlaug, colocando a biotecnologia e a pesquisa em prol da melhoria da produção de alimentos".
Mas ele foi adiante e perguntou: "Por que então há tanta insatisfação e desconfiança, hoje, tanto ceticismo e oposição forte [aos transgênicos]?"
"Nunca antes, depois de ter aceitado um convite, tinha recebido tantos e-mails", disse o cardeal, "alguns dos quais me pedindo para recusar (...) muitos narrando destruição e sofrimento relacionados à agricultura industrial globalizada promovendo culturas de transgênicos".
Citando uma declaração da ONU em que um terço de todos os alimentos do mundo é desperdiçado a cada ano,Turkson disse: "Em grande parte, a fome é um problema de distribuição de alimentos ou o acesso a ele".
Ele acrescentou, enquanto os garçons tiravam as sobras do almoço: "Para outros, no entanto, a comida vem em abundância, mesmo de longe – abundante o suficiente que eles ainda conseguem desperdiçá-la”.
Neste momento, as pessoas na plateia começaram a se mexer em seus assentos, murmurando e olhando-se uns para os outros ou para o chão.
"As novas tecnologias são promovidas com a pretensão de tornar mais comida disponível para todos. Mas esse não é o quadro completo", disse Turkson. "Na realidade, as inovações são concebidas ou implementadas com o intuito de beneficiar relativamente poucos interesses que já são favorecidos".
Numa coletiva de imprensa do dia 16 de outubro, os três homenageados defenderam o seu trabalho sobre os transgênicos, dizendo que a biotecnologia foi necessária para acabar com a fome no mundo.
"Este é o alimento mais seguro já produzido pelo homem", disse Fraley. "Precisamos nos esforçar ao máximo para comunicar e certificar-se que as pessoas entendam que essas tecnologias têm sido exaustivamente testadas e a sua segurança nunca, nunca foi comprometida".
"A razão pela qual esta tecnologia tem sido adotada pelos agricultores é porque ela funciona", disse ele. "A ideia de que alguém vai comprar produtos que não funcionam é pura loucura".
"Em muitos países, especialmente na Europa, a reação contra os transgênicos é tão forte que as pessoas não recebem mais subsídios para fazer até mesmo a ciência fundamental", disse Van Montagu.
União Europeia aprovou recentemente a rotulagem obrigatória dos transgênicos para a segurança alimentar. OsEstados Unidos rotulam produtos alimentares orgânicos, e há um debate sobre a necessidade de se rotular produtos transgênicos.
"Eu acho que seria a morte da [bio]tecnologia se houvesse uma etiqueta obrigatória", disse Dell Chilton na coletiva de imprensa.
Turkson reivindicou uma rotulagem universal de produtos alimentares, dizendo que os efeitos que a biotecnologia tem sobre a saúde humana e ambiental "podem surgir somente com o tempo". Ele recomendou "tomar todas as medidas possíveis de cautela" com os transgênicos, mesmo que isso signifique a intervenção do governo.
Ele também pressionou para a regulamentação de patentes de transgênicos, embora tenha dito que simpatiza com o custo da pesquisa. No entanto, as patentes de sementes permitem que empresas como Monsanto e Syngentaprocessem agricultores que salvam e reutilizam as suas sementes, e Turkson disse que, sem regulamentação, "populações inteiras podem ser discriminadas, exploradas e privadas daquilo que justamente elas deveriam ter uma participação".
Ele falou sobre o método africano de tomada de decisão por consenso. Para que esse método funcione, no entanto, "todas as partes interessadas devem estar representadas na discussão", disse ele.
"O mundo precisa de todos, os herdeiros do bispo Maurice Dingman e os herdeiros do Dr. Norman Borlaug, para ficarem à mesa e resolver esses problemas, ao invés de abandonar o diálogo e deixar os pobres do mundo em uma mesa vazia".
FONTE: IHU

domingo, 17 de novembro de 2013

As ocupações dos vazios urbanos em Uberlândia (MG)

Nos últimos anos, a cidade de Uberlândia está vivendo um grande movimento de ocupações, de solo urbano, por parte de famílias de sem teto. Esse movimento se intensificou nos últimos meses, e existem hoje cerca de 20 áreas ocupadas, chegando a um número total de mais de 13 mil famílias.

(foto ao lado: Acampamento Irmã Dorothy -área de 398 hectares, entre os bairros Canaã e Jardim Célia)

Poderíamos nos perguntar sobre o porquê dessas ocupações. Quais seriam os fatores, que levam famílias que vivem de favor, ou que partilham cômodos em um mesmo imóvel, ou ainda que pagam aluguel consumindo a maior parte de seus salários, buscarem o recurso das ocupações, para conseguirem moradia própria? 

Alguns fatores:

- A reintegração de posse de áreas ocupadas, por meio de despejos forçados, não resolvem o problema da moradia. Costumo dizer, que a retirada de famílias, nada soluciona, pois o povo não evapora ou desaparece no ar. Esses despejos forçados, além de violarem o direito do ser humano a um local onde viver, adiam e agravam o problema.

O ano de 2011 pode ser considerado como o início dessa recente movimentação. Na região entre as rodovias BR 050 e a MG 452, próximo ao CEASA, em Uberlândia, aconteceu uma grande ocupação de área urbana, cuja propriedade é questionada, devido a sobreposição de matrículas e grilagem. Eram 5 mil famílias de sem teto, integrantes da Associação dos Trabalhadores Rurais Bela Vista (ATRBV), que foram despejadas, no início de agosto daquele ano. Essas famílias se dispersaram, algumas foram para acampamentos de sem-terra, e outras iniciaram um acampamento nas margens da BR 050. Parte da área que fora ocupada, foi desapropriada pela então administração municipal, para construção de um cemitério.

No mês de janeiro de 2012, as mesmas famílias, que foram despejadas em 2011, se organizaram no Movimento dos Sem Teto do Brasil (MSTB), e ocuparam parte da Fazenda Glória, de propriedade da Universidade Federal de Uberlândia, num total de 2.200 famílias. No dia 30 de agosto de 2012, parte da área que fora ocupada em 2011, próximo ao Ceasa, foi ocupada novamente. Essa ocupação foi feita, também, por famílias que de lá haviam sido despejadas e que se organizaram na Associação Povo Sem Terra (APST).

- As várias manifestações populares de junho eclodiram por todo o país com um caráter difuso de reinvindicações. Essas manifestações expressaram um descontentamento amplo. De uma questão pontual, a do preço da tarifa do transporte público, passaram a inspirar vários setores da sociedade, em suas reivindicações. Essas manifestações acabaram dando coragem para setores populares expressassem suas reinvindicações. As manifestações chegaram às periferias das cidades, e reforçaram uma luta já existente, a da moradia. Enquanto no centro as manifestações eram momentos de concentração e marchas, que aos poucos foram perdendo folego, nas periferias a coragem de se manifestar, consolidou os movimentos de sem teto, cujas ocupações eclodiram, de lá pra cá, com força e enorme determinação. Hoje, as áreas ocupadas, se constituem em uma manifestação permanente, pelo direito à casa própria, e uma cidade mais justa.

O déficit habitacional na cidade e o número previsto de habitações populares para os próximos quatro anos. Existe na cidade de Uberlândia 50 mil famílias inscritas no programa “Minha Casa Minha Vida”. Esse dado do déficit habitacional aponta para um número muito maior de famílias sem moradia adequada. Essas 50 mil são as que se inscreveram, nesse programa do governo federal.

Por outro lado, a política de habitação, por mais que tenha evoluído em número de unidades de moradia, para famílias de baixa renda, ainda não consegue atender a demanda. A atual administração municipal, propôs durante a campanha eleitoral, e está empenhada em realizar, a construção de 10 mil casas populares. Aqui basta um raciocínio simples. Qualquer um entende que 40 mil famílias não serão contempladas, nos próximos 4 anos. Essas famílias não têm perspectiva alguma de moradia.  Isso significa que está instaurado um impasse. De um lado uma grande demanda e de outro a insuficiente capacidade de solucionar o problema habitacional. Resta às famílias continuar na crônica e interminável espera, ou partir para uma solução realmente popular, para realização do direito constitucional à moradia, as ocupações de terra.

Estamos diante de uma sociedade historicamente desigual na qual os direitos à cidade ou à moradia, não são assegurados para a maioria da população.

- Os vazios urbanos, para especulação imobiliária são uma realidade na malha urbana de Uberlândia. A cidade cresceu deixando grandes áreas vazias, verdadeiras fazendas urbanas, que servem de reserva para o mercado imobiliário. Um enriquecimento ilícito, porque se realiza desrespeitando o princípio constitucional da função social da propriedade urbana.

O regime constitucional da propriedade, no âmbito da Constituição da República de 1988, tem como princípio basilar a função social, o qual permeia todo o texto constitucional referente ao tema. O não cumprimento da função social da propriedade urbana, com a conivência das administrações municipais em Uberlândia, ao longo de décadas, impede a integração da sociedade no processo de desenvolvimento urbano e da realização do pleno direito à cidade, por parte seus habitantes.

Uma melhor distribuição de terras, pautada tanto pela justiça e pela moral, evitaria o enriquecimento de empresas imobiliárias, ou particulares às custas dos impostos arrecadados da coletividade. Os equipamentos públicos, como ruas, asfaltos, energia elétrica, água encanada e esgoto, que circundam esses vazios urbanos e os valorizam, são pagos por todos, favorecendo os especuladores. A cidade de Uberlândia, além das áreas fruto de grilagem, cresceu estabelecendo vazios urbanos especulativos. A malha urbana saltou áreas, aumentou distâncias preservando o futuro negócio de uns poucos.

Um exemplo desses latifúndios urbanos é a área, entre os bairro Canaã e Jardim Célia, que foi ocupada por famílias de sem teto do MSTB, em outubro de 2013. Se trata de um imóvel, de 398 hectares, um latifúndio urbano, com galpões de granja abandonados, dentro da malha urbana da cidade. Local cujos pretensos proprietários, há mais de um reivindicando-se como proprietário, haviam deixado abandonado à espera de uma valorização imobiliária. O irônico de tudo isso é que enquanto o crime se servia da área, como um cemitério clandestino e local para execução, nenhum tipo de vigilância privada havia. Agora, que mais de 3.000 famílias de sem teto estão buscando moradia e uma vida digna naquele local, a vigilância privada já foi contratada. Por sua vez, a justiça já espediu mandado de despejo, para que a polícia retire as famílias.

O poder judiciário, assim como o estado com seu poder de polícia, atuam com toda energia para garantir o direito de propriedade. Porém se silenciam diante da força do capital imobiliário. Interesses e alianças políticas, permitem que os especuladores imobiliários continuem intocáveis. Historicamente o poder público aliado aos donos do capital criminalizam comunidades e as ações do movimentos dos sem teto.

O Estatuto da Cidade, aprovado em 2001, criou instrumentos que possibilitam ao Poder Público fazer cumprir a função social da propriedade urbana: dar um uso a terrenos que se beneficiam de infraestrutura urbana porém estão abandonados. As ZEIS - Zonas Especiais de Interesse Social são um ótimo exemplo. Porém, as prioridades das administrações municipais são outras.

Hoje, em Uberlândia, as famílias de sem teto organizadas em movimentos, lutam para que os programas ou políticas de habitação respondam à urgência de suas necessidades. Querem ter um papel decisivo na sua definição e implantação do direito à cidade e à moradia. A população não aceita mais a realidade da especulação imobiliária na cidade de Uberlândia. 

Texto: Frei Rodrigo Péret, ofm

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Papa Francisco contra o "fracking" e pela água como um bem de todos.


O Papa com uma camiseta do movimento contra a extração de gás de xisto, través da tecnologia chamada de "fracking" (fratura hidráulica) e com camiseta em defesa da água, como bem público. A extração de gás de xitos, através do "fracking" envolve a injeção de grandes quantidades de água diretamente em formações rochosas para recuperar o gás preso a um ou dois quilómetros abaixo da superfície. Pode haver contaminação do solo. Também existem riscos de explosões, efeitos sísmicos, desperdício de água e derrame de químicos. A questão da "fracking" toca diretamente a sua terra, a Argentina, que  autorizou a Chevron perfurar a procurar gás de xisto. No Brasil existe uma posição da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC) e da Academia Brasileira de Ciência, contra a utilização do "fracking".

O papa Francisco revelou que está trabalhando uma Encíclica sobre o Meio Ambiente.


quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Cientistas querem adiar exploração do gás de xisto nas bacias hidrográficas brasileiras

Ambientalistas e pesquisadores temem os estragos ambientais. Posicionamento da SBPC e da ABC foi registrado em carta

A exploração do gás de xisto nas bacias hidrográficas brasileiras, principalmente na região Amazônica, segue na contramão de países europeus, como França e Alemanha, e algumas regiões dos Estados Unidos, como o estado de Nova York, que vêm proibindo essa atividade, temendo estragos ambientais, mesmo diante de sua viabilidade econômica. Os danos são causados porque, para extrair o gás, os vários tipos de rochas metamórficas, chamadas xisto, são destruídas pelo bombeamento hidráulico ou por uma série de aditivos químicos.
Enquanto a Agência Nacional de Petróleo (ANP) mantém sua decisão de lançar em 28 e 29 de novembro os leilões de blocos de gás de xisto, autoridades de Nova York, um dos pioneiros na exploração desse produto, desde 2007, começam a rever suas políticas internas. Mais radical, a França ratificou, recentemente, a proibição da fratura hidráulica da rocha de xisto, antes mesmo de iniciar a extração desse produto, segundo especialistas.
Cientificamente batizado de gás de “folhelho”, o gás de xisto é conhecido também como “gás não convencional” ou natural. Embora tenha a mesma origem e aplicação do gás convencional, o de xisto se difere no seu processo de extração. Isto é, o produto não consegue sair da rocha naturalmente, ao contrário do gás convencional ou natural, que migra naturalmente das camadas rochosas. Para extrair o gás do xisto, ou seja, finalizar o processo de produção, são usados mecanismos artificiais, como fraturamento da rocha pelo bombeamento hidráulico ou por vários aditivos químicos.
Ao confirmar os leilões, a ANP afirma, via assessoria de imprensa, que a iniciativa cumpre a Resolução CNPE Nº 6 (de 23 de junho deste ano), publicada no Diário Oficial da União. Serão ofertados 240 blocos exploratórios terrestres com potencial para gás natural em sete bacias sedimentares, localizados nos estados do Amazonas, Acre, Tocantins, Alagoas, Sergipe, Piauí, Mato Grosso, Goiás, Bahia, Maranhão, Paraná, São Paulo, totalizando 168.348,42 Km².
Destino
O gás de xisto a ser extraído dessas bacias terá o mesmo destino do petróleo, ou seja, será comercializado como fonte de energia. No Brasil, o gás de xisto pode suprir principalmente o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, onde a demanda é crescente por gás natural, produto que esses estados importam da Bolívia.
Apesar do potencial econômico, o químico Jailson Bitencourt de Andrade, ex-conselheiro da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), reforça seu posicionamento sobre a importância de adiar os leilões da ANP e ampliar as pesquisas sobre os impactos negativos da extração do gás de xisto, a fim de evitar as agressões ao meio ambiente. “É preciso dar uma atenção grande a isso”, alerta o pesquisador, também membro da Sociedade Brasileira de Química (SBQ) e da Academia Brasileira de Ciências (ABC). “Mesmo nos Estados Unidos, onde há uma boa cadeia de logística, capaz de reduzir o custo de exploração do gás de xisto, e mesmo que sua relação custo-benefício seja altíssima, alguns estados já estão revendo suas políticas e criando barreiras para a exploração desse produto.”
O posicionamento da SBPC e da ABC
Em carta (disponível em http://www.sbpcnet.org.br/site/artigos-e-manifestos/detalhe.php?p=2011), divulgada em agosto, a SBPC e ABC expõem a preocupação com a decisão da ANP de incluir o gás de xisto, obtido por fraturamento da rocha, na próxima licitação. Um dos motivos é o fato de a tecnologia de extração desse gás ser embasada em processos “invasivos da camada geológica portadora do gás, por meio da técnica de fratura hidráulica, com a injeção de água e substâncias químicas, podendo ocasionar vazamentos e contaminação de aquíferos de água doce que ocorrem acima do xisto”.
Diante de tal cenário, Andrade volta a defender a necessidade de o Brasil investir mais em conhecimento científico nas bacias que devem ser exploradas, “até mesmo para ter uma noção da atual situação das rochas para poder comparar possíveis impactos dessas bacias no futuro”. Nesse caso, ele adiantou que o governo, por intermédio do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Agência Brasileira da Inovação (Finep), está formando uma rede de pesquisa para estudar os impactos do gás de xisto.
Defensor de estudar todas alternativas de produção de gás para substituir o petróleo futuramente, o pesquisador Hernani Aquini Fernandes Chaves, vice-coordenador do Instituto Nacional de Óleo e Gás (INOG), frisa, em contrapartida, que, apesar de eventuais estragos das rochas de xisto, o uso desse gás “é ambientalmente mais correto” do que o próprio petróleo. “Ele tem menos emissão de gás”, garante. “Precisamos conhecer todas as possibilidades de produção, porque, além de irrigar a economia, o petróleo é um bem finito que acaba um dia. O país é grande. Por isso tem de ver as possibilidades de levar o progresso a todas às áreas.” Ele se refere ao interior do Maranhão, uma das regiões mais pobres do Brasil e com potencial para exploração de gás de xisto.
Sem querer comparar o potencial de produção de gás de xisto dos EUA ao brasileiro, Chaves considera “muito otimista” as estimativas da Agência Internacional de Energia dos EUA feitas para o Brasil, de reservas da ordem de 7,35 trilhões de m³. Segundo Chaves, o INOG ainda não fez estimativas para produção de gás de xisto no território nacional. As bacias produtoras de gás de xisto, disse, ainda não foram comprovadas. Em fase experimental, porém, o gás de xisto já é produzido pela Petrobras na planta de São Mateus do Sul.
Ao falar sobre os danos ambientais provocados pela extração do gás de xisto, Chaves reconhece esse ser “um ponto controverso”. Por ora, ele esclarece que na Europa, sobretudo França e Alemanha, não é permitida a extração do gás de xisto pelo fato de o processo de exploração consumir muita água e prejudicar os aquíferos. Além disso, em Nova York, onde a produção foi iniciada, a exploração também passou a ser questionada. “Os ambientalistas não estão felizes com a produção desse gás”, reconhece. “Na França, por exemplo, não deixaram furar as rochas, mesmo sabendo das estimativas de produção de gás de xisto.”
Esclarecimentos da ANP
Segundo o comunicado da assessoria de imprensa da ANP, as áreas ofertadas nas rodadas de licitações promovidas pela ANP são previamente analisadas quanto à viabilidade ambiental pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e pelos órgãos ambientais estaduais competentes. “O objetivo desse trabalho conjunto é eventualmente excluir áreas por restrições ambientais em função de sobreposição com unidades de conservação ou outras áreas sensíveis, onde não é possível ou recomendável a ocorrência de atividades de exploração e produção (E&P) de petróleo e gás natural”.
Para todos os blocos ofertados na 12ª rodada de leilões, segundo o comunicado, houve a “devida manifestação positiva do órgão estadual ambiental” competente. “A ANP, apesar de não regular as questões ambientais, está atenta aos fatos relativos a esse tema, no que tange à produção de petróleo e gás natural no Brasil. Nesse sentido, as melhores práticas utilizadas na indústria de petróleo e gás natural em todo o mundo são constantemente acompanhadas e adotadas pela ANP”, cita o documento.
A ANP acrescenta: “Como o processo regulatório é dinâmico, a ANP tomará as medidas necessárias para, sempre que pertinente, adequar suas normas às questões que se apresentarem nos próximos anos para garantir a segurança nas operações.”
(Viviane Monteiro / Jornal da Ciência)

Este texto foi publicado na página 8 do Jornal da Ciência disponível emhttp://www.jornaldaciencia.org.br/impresso/JC749.pdf