terça-feira, 19 de novembro de 2013

Cardeal Turkson fala sobre os riscos dos transgênicos no Prêmio Mundial da Alimentação

O almoço na conferência do Prêmio Mundial da Alimentação teve salada com molho de óleo de soja, frango criado com soja e parfait de leite de soja – todos produtos de sementes geneticamente modificadas e patrocinadas por vários grupos da indústria de soja. Quando o cardeal Peter Turkson subiu ao palco para proferir o seu discurso, ele advertiu os seus ouvintes de que as suas palavras poderiam causar indigestão.
A reportagem é de Megan Fincher, publicada no sítio National Catholic Reporter, 12-11-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"É perigoso – e, finalmente, absurdo, de fato pecaminoso – empregar a biotecnologia sem a orientação de uma ética profundamente responsável", Turkson disse ao grupo internacional de cientistas, políticos e líderes religiosos e de negócios, incluindo os três pioneiros do agronegócio, que estavam sendo homenageados por ganhar o Prêmio Mundial da Alimentação de 2013.
Turkson, sem se intimidar com a mentalidade de sua audiência, usou seu discurso de 45 minutos do dia 17 de outubro para promover cautela quando se trata de utilizar organismos geneticamente modificados (OGM). Ele apoiou a rotulagem de alimentos que tenham sido produzidos com esses métodos, e ele questionou o valor econômico de pressionar o uso da tecnologia transgênica nos pequenos agricultores, especialmente aqueles de países em desenvolvimento.
"Não são os agricultores que não estão entendendo o ponto. Quem se recusa a olhar para todo o quadro de insegurança alimentar – pessoas e sua dignidade e suas vidas, bem como produção e distribuição de alimentos – está perdendo de vista o principal", disse.
Finalmente, ele exortou os dois lados da questão – sobre usar a biotecnologia para resolver a crise de fome no mundo – para sentar e tentar encontrar uma solução que funcione para todos.
Um recorde de 1.500 pessoas de mais de 70 países participaram da conferência do Prêmio Mundial da Alimentaçãodeste ano, em Des Moines, nos EUA, de 16 a 18 de outubro. O mantra do evento, através de palestras, painéis e conferências de imprensa, foi a capacidade da biotecnologia em "alimentar os 9 bilhões de pessoas esperadas para povoar o mundo em 2050", especialmente nas regiões menos desenvolvidas da ChinaÍndia e ÁfricaTurkson, ex-arcebispo de Cape CoastGana, foi convidado a proferir uma palestra na conferência sobre a necessidade de desenvolvimento agrícola na África.
Três cientistas da biotecnologia receberam o Prêmio Mundial da Alimentação deste ano: Robert Fraley, vice-presidente executivo da Monsanto, o maior produtor mundial de transgênicos; Mary-Dell Chilton, fundadora da terceira maior empresa de transgênicos do mundo, a Syngenta Biotecnologia; e Marc Van Montagu, fundador de duas empresas de biotecnologia e de uma organização sem fins lucrativos que promove a biotecnologia nos países em desenvolvimento.
Como presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz, Turkson manifestou preocupação acerca das consequências econômicas, ambientais e sociais dos transgênicos. Além de seu discurso na conferência, o cardeal falou em outro evento em Des Moines, este patrocinado por um grupo de ativistas que se autodenominam Occupy the World Food Prize. Essa reunião, no dia 16 de outubro, atraiu um público que ocupou um salão da Primeira Igreja Metodista Unidade Des Moines.
"No espírito do Papa Francisco, o cardeal Turkson quer criar o diálogo", disse Dom Richard Pates, bispo de Des Moines, ao NCR. "Ele não está interessado em ver as pessoas trocando insultos por todos os lados".
Enquanto estava lá, Turkson também concordou em se encontrar com um pequeno grupo de adversários dos transgênicos, muitos dos quais eram agricultores de Iowa inspirados pelo falecido bispo de Des Moines, Maurice Dingman, um defensor aberto da agricultura familiar. Quando eles desafiaram Turkson a denunciar a biotecnologia durante seu discurso na tarde seguinte, o cardeal disse que ao invés disso ele iria "articular com a Conferência dos Bispos dos EUA, o Vaticano e a ONU" de modo que "grandes agricultores possam ouvir as suas ansiedades, ouvi-los falar de coração. Precisamos promover algo desse tipo".
"Pense no amanhã como um único dia nisso tudo", Turkson disse a eles. "Provavelmente nada radical vai acontecer [no discurso]. Mas, para mim, é o começo de um processo que acabará por nos levar ao que nós desejamos e expressamos nesta noite".
No dia seguinte, cerca de 10 minutos depois de iniciar seu discurso diante do público da biotecnologia, Turksontrouxe à tona o debate entre os dois lados.
"Quando se justapõe o Prêmio Mundial da Alimentação e o Occupy World Food Prize, à primeira vista, a divergência pode parecer e soar como uma oposição polar. A urgência da fome no mundo e a insegurança alimentar certamente clamam por 'legítima melhoria’, e, portanto, apelam para o diálogo", disse.
Sentados na plateia estavam os principais intervenientes no debate sobre os transgênicos, incluindo o ex-primeiro ministro britânico Tony Blair; o presidente da IslândiaÓlafur Ragnar Grímsson; o presidente do Prêmio Mundial da AlimentaçãoKenneth Quinn, e John Ruan III, presidente da Fundação Prêmio Mundial da Alimentação.
"Para que o diálogo prossiga em boa fé, todos os interessados devem realmente estar representados e significativamente participarem", disse Turkson.
Ele invocou o fundador do Prêmio Mundial da AlimentaçãoNorman Borlaug, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1970 por criar linhagens de trigo que iniciaram a "revolução verde" em países em desenvolvimento. Borlaug criou o prêmio de alimentos para homenagear pessoas cujo trabalho "trazem o avanço do desenvolvimento humano, melhorando a qualidade, quantidade e disponibilidade de alimentos no mundo", de acordo com a Fundação Prêmio Mundial da Alimentação.
Turkson felicitou os homenageados deste ano "por continuarem o legado do Dr. Borlaug, colocando a biotecnologia e a pesquisa em prol da melhoria da produção de alimentos".
Mas ele foi adiante e perguntou: "Por que então há tanta insatisfação e desconfiança, hoje, tanto ceticismo e oposição forte [aos transgênicos]?"
"Nunca antes, depois de ter aceitado um convite, tinha recebido tantos e-mails", disse o cardeal, "alguns dos quais me pedindo para recusar (...) muitos narrando destruição e sofrimento relacionados à agricultura industrial globalizada promovendo culturas de transgênicos".
Citando uma declaração da ONU em que um terço de todos os alimentos do mundo é desperdiçado a cada ano,Turkson disse: "Em grande parte, a fome é um problema de distribuição de alimentos ou o acesso a ele".
Ele acrescentou, enquanto os garçons tiravam as sobras do almoço: "Para outros, no entanto, a comida vem em abundância, mesmo de longe – abundante o suficiente que eles ainda conseguem desperdiçá-la”.
Neste momento, as pessoas na plateia começaram a se mexer em seus assentos, murmurando e olhando-se uns para os outros ou para o chão.
"As novas tecnologias são promovidas com a pretensão de tornar mais comida disponível para todos. Mas esse não é o quadro completo", disse Turkson. "Na realidade, as inovações são concebidas ou implementadas com o intuito de beneficiar relativamente poucos interesses que já são favorecidos".
Numa coletiva de imprensa do dia 16 de outubro, os três homenageados defenderam o seu trabalho sobre os transgênicos, dizendo que a biotecnologia foi necessária para acabar com a fome no mundo.
"Este é o alimento mais seguro já produzido pelo homem", disse Fraley. "Precisamos nos esforçar ao máximo para comunicar e certificar-se que as pessoas entendam que essas tecnologias têm sido exaustivamente testadas e a sua segurança nunca, nunca foi comprometida".
"A razão pela qual esta tecnologia tem sido adotada pelos agricultores é porque ela funciona", disse ele. "A ideia de que alguém vai comprar produtos que não funcionam é pura loucura".
"Em muitos países, especialmente na Europa, a reação contra os transgênicos é tão forte que as pessoas não recebem mais subsídios para fazer até mesmo a ciência fundamental", disse Van Montagu.
União Europeia aprovou recentemente a rotulagem obrigatória dos transgênicos para a segurança alimentar. OsEstados Unidos rotulam produtos alimentares orgânicos, e há um debate sobre a necessidade de se rotular produtos transgênicos.
"Eu acho que seria a morte da [bio]tecnologia se houvesse uma etiqueta obrigatória", disse Dell Chilton na coletiva de imprensa.
Turkson reivindicou uma rotulagem universal de produtos alimentares, dizendo que os efeitos que a biotecnologia tem sobre a saúde humana e ambiental "podem surgir somente com o tempo". Ele recomendou "tomar todas as medidas possíveis de cautela" com os transgênicos, mesmo que isso signifique a intervenção do governo.
Ele também pressionou para a regulamentação de patentes de transgênicos, embora tenha dito que simpatiza com o custo da pesquisa. No entanto, as patentes de sementes permitem que empresas como Monsanto e Syngentaprocessem agricultores que salvam e reutilizam as suas sementes, e Turkson disse que, sem regulamentação, "populações inteiras podem ser discriminadas, exploradas e privadas daquilo que justamente elas deveriam ter uma participação".
Ele falou sobre o método africano de tomada de decisão por consenso. Para que esse método funcione, no entanto, "todas as partes interessadas devem estar representadas na discussão", disse ele.
"O mundo precisa de todos, os herdeiros do bispo Maurice Dingman e os herdeiros do Dr. Norman Borlaug, para ficarem à mesa e resolver esses problemas, ao invés de abandonar o diálogo e deixar os pobres do mundo em uma mesa vazia".
FONTE: IHU

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