Audiência pública da Comissão de Direitos Humanos reúne centenas de sem-teto.
A criminalização dos movimentos sociais na luta pela moradia fere a Constituição Federal e contraria os pilares do estado democrático de direito. Essa foi a tônica da audiência pública realizada nesta sexta-feira (22/11/13), em Uberlândia (Triângulo Mineiro), pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). A audiência pública atendeu a requerimento do presidente da comissão, deputado Durval Ângelo (PT), que comandou os debates, e do deputado Rômulo Viegas (PSDB).
A surpresa foi a presença de centenas de famílias sem-casa, que além de lotar com pessoas de todas as idades um dos anfiteatros da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), chegaram até a tumultuar o fluxo de veículos nas ruas do campus Santa Mônica. Ao final, parte dos presentes organizou um protesto nas imediações da prefeitura e da Câmara Municipal.
A reunião repercutiu várias denúncias de violações de direitos humanos apresentadas em debate público sobre o tema realizado na ALMG no último dia 4 de outubro. Em linhas gerais, a principal reclamação é a falta de políticas habitacionais nos últimos anos em Uberlândia, que resultaram num déficit de 13 mil famílias vivendo em 22 acampamentos pela cidade, alguns deles ameaçados por processos de reintegração de posse.
Logo na abertura das discussões, o deputado Durval Ângelo lembrou que a Comissão de Direitos Humanos tem poderes limitados, mas pode ser uma importante aliada na luta pelos direitos dos sem-teto. “Não temos o poder de distribuir terra e construir casas, mas temos o poder moral de dar voz aos pobres e oprimidos. Nossa presença aqui é para dizer aos poderes constituídos que não está certo criminalizar quem luta pela moradia, desde que essa luta seja pacífica e desarmada”, afirmou o parlamentar.
“Portanto, todos os movimentos sociais têm legitimidade em uma sociedade democrática, no chamado estado democrático de direito. Afinal, sociedade democrática é aquela em que as pessoas podem lutar por seus direitos. Sempre é bom lembrar que o voto é só um degrau da cidadania”, completou o deputado Durval Ângelo, bastante aplaudido pelos presentes.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos denunciou ainda a abertura sistemática de inquéritos pelas polícias Civil e Federal contra as lideranças dos sem-teto em Uberlândia. Nesses casos, segundo ele, a comissão vai se posicionar enfaticamente ao lado dos movimentos sociais. Da mesma forma, todos os relatos feitos pelos participantes da audiência pública serão encaminhados ao conhecimento do Ministério das Cidades, Ministério Público e Defensoria Pública Estadual, entre outros órgãos.
Ocupações - Curiosamente, durante a reunião, foi divulgada a informação de que policiais estariam cercando uma das ocupações de sem-casa em Uberlândia, a da região conhecida como Granja Planalto. A notícia, que deixou o clima tenso entre os presentes, não se confirmou. “Se alguma liderança for presa ou mesmo chamado para depor, basta dizer que vocês estão colocando em prática a Constituição. Vocês tem que ser tratados como cidadãos, não como bandidos. Ou será que alguém que se submete a ficar anos morando embaixo de um viaduto, debaixo de uma lona, é por que não precisa de moradia?”, ironizou o deputado Durval Ângelo.
Na avaliação do parlamentar, a luta pela moradia tem ganhado mais espaço na agenda da Comissão de Direitos Humanos nos últimos dois anos. De acordo com ele, as políticas habitacionais implementadas pelo Governo Federal têm conseguido dar conta da demanda reprimida nas pequenas e médias cidades, mas nos grandes centros, como Uberlândia, isso não tem sido possível.
“A culpa é da especulação imobiliária. Nessas cidades o metro quadrado de terra urbana virou ouro. O povo precisa ter consciência da sua força. É como aquele ditado: se o boi soubesse a força que tem, ninguém mais comeria bife”, lembrou o deputado Durval Ângelo.
Repressão policial é alvo de críticas de movimentos sociais
“As forças policiais de Uberlândia se acham no direito de impedir que as politicas públicas funcionem, intervindo de forma discricionária na luta pelos direitos inalienáveis das pessoas, como é o caso da moradia”. A afirmação, em tom de desabafo, foi feita durante a audiência pública pelo coordenador da Comissão Pastoral da Terra de Uberlândia, Frei Rodrigo de Castro Amédée Péret.
“A ocupação é um direito legítimo das pessoas. Há enormes vazios humanos na região, frutos de grilagens, resultado de uma série de falcatruas ao longo da historia”, completou Frei Rodrigo, que pediu a intervenção da Comissão de Direitos Humanos para acionar o Comitê de Conflitos do Ministério das Cidades. Da mesma forma, segundo ele, o envolvimento da Assembleia de Minas na questão é fundamental, sobretudo na intermediação de uma solução junto aos governos Estadual e Federal.
O advogado da Comissão Pastoral da Terra de Uberlândia, Igino Marcos da Mata de Oliveira, denunciou a cumplicidade da mídia na criminalização dos movimentos sociais na região. “Tenho orgulho de defender os pobres, de confrontar quem quer manipular a opinião publica. O que eles fingem não ver é que, em Uberlândia, temos ocupações em cemitério clandestino e em imóvel com quatro matrículas. Enquanto isso, o Poder Judiciário não tem sensibilidade para garantir a presença do povo nessas áreas”, apontou.
Na mesma linha, o vereador Marcos Batista Gomes, o “Marquinho do Megabox”, relator da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Uberlândia, denunciou que tem os documentos da compra da área onde mora, mas não consegue registrar, o que ilustra o caos na situação fundiária na cidade. O parlamentar também se disse discriminado por defender os sem-casa.
“Moro em um assentamento, já passei fome e nunca mandei ninguém invadir terreno, como andam dizendo por aí. Mas já chegou a hora das autoridades decidirem se estão do lado dos ricos ou dos pobres”, reclamou.
O coordenador do Movimento Sem-Teto do Brasil (MSTB), Wellington Marcelino Romana, mais conhecido como “Marrom”, elogiou a mediação da Comissão de Direitos Humanos para evitar a criminalização dos movimentos sociais. “Não somos bandidos, mas a cada dia aumenta o déficit habitacional em Uberlândia e a situação pode sair do controle. Já são pelo menos 45 mil pessoas cadastradas na fila de espera do programa Minha Casa, Minha Vida. Durante anos não tivemos uma política habitacional e agora esse número ficou muito grande”, criticou “Marrom”, que exigiu a suspensão imediata de todas as reintegrações de posse na cidade.
Já o coordenador do Movimento de Libertação dos Sem-Terra, Erivan Magalhães Moraes, defendeu a criação de uma política pública que garanta a transferência direta de recursos para que o cidadão possa comprar um terreno e construir sua casa. “Precisamos de uma lei para isso. Pode ser de um cômodo só, mas será com dignidade”, definiu.
Por fim, o coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto e Sem Terra de Uberlândia, Francisco Rodrigues da Silva, pediu ao presidente da Comissão de Direitos Humanos que os gritos de ordem presenciados durante os debates ecoem na Assembleia de Minas. “Que o senhor leve esse grito para a Assembleia porque não podemos mais ficar calados. Estamos lutando por nossos direitos, mas no nosso país, infelizmente, isso ainda é crime”, criticou.
Prefeitura - Selis Brandão, assessor da Secretaria Municipal de Habitação de Uberlândia, disse que a prefeitura tem consciência do déficit habitacional, cuja superação foi classificada por ele como um “desafio”. “As políticas do Governo Federal na área não têm dado conta de uma situação que veio se agravando ao longo de décadas. Precisamos de ajuda na busca de soluções pacíficas e democráticas”, afirmou.
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