A Exortação Apostólica Evangelii
Gaudium, do Papa Francisco, sobre a nova evangelização, expressa
já nas primeiras palavras, uma boa-nova de alegria e de fé: “a alegria do
Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com
Jesus”. Se trata de uma exortação de esperança e profetismo.
O Papa Francisco
levanta a voz contra uma economia da exclusão e da desigualdade social”, uma
economia que mata. Faz uma dura crítica ao capitalismo. A seguir, os
parágrafos de 53 a 60, da exortação, que falam por si só, com uma dimensão
profética de extrema lucidez. É uma visão baseada no Evangelho, na alegria que
a boa nova significa. Uma boa notícia para os últimos os mais vulneráveis, para
os que, como diz o Papa Francisco na exortação, sobram, em nossa sociedade desigual
e excludente.
Não a uma economia da exclusão 53. Assim como o mandamento
«não matar» põe um limite claro para assegurar o valor da vida humana, assim
também hoje devemos dizer «não a uma economia da exclusão e da desigualdade
social». Esta economia mata. Não é possível que a morte por enregelamento dum
idoso sem abrigo não seja notícia, enquanto o é a descida de dois pontos na
Bolsa. Isto é exclusão. Não se pode tolerar mais o facto de se lançar comida no
lixo, quando há pessoas que passam fome. Isto é desigualdade social. Hoje, tudo
entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, onde o poderoso engole
o mais fraco. Em consequência desta situação, grandes massas da população
vêem-se excluídas e marginalizadas: sem trabalho, sem perspectivas, num beco
sem saída. O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo que
se pode usar e depois lançar fora. Assim teve início a cultura do
«descartável», que aliás chega a ser promovida. Já não se trata simplesmente do
fenómeno de exploração e opressão, mas duma realidade nova: com a exclusão,
fere-se, na própria raiz, a pertença à sociedade onde se vive, pois quem vive
nas favelas, na periferia ou sem poder já não está nela, mas fora. Os excluídos
não são «explorados», mas resíduos, «sobras».
54. Neste contexto, alguns defendem ainda as
teorias da «recaída favorável» que pressupõem que todo o crescimento económico,
favorecido pelo livre mercado, consegue por si mesmo produzir maior equidade e
inclusão social no mundo. Esta opinião, que nunca foi confirmada pelos factos,
exprime uma confiança vaga e ingénua na bondade daqueles que detêm o poder
económico e nos mecanismos sacralizados do sistema económico reinante.
Entretanto, os excluídos continuam a esperar. Para se poder apoiar um estilo de
vida que exclui os outros ou mesmo entusiasmar-se com este ideal egoísta,
desenvolveu-se uma globalização da indiferença. Quase sem nos dar conta,
tornamo-nos incapazes de nos compadecer ao ouvir os clamores alheios, já não
choramos à vista do drama dos outros, nem nos interessamos por cuidar deles,
como se tudo fosse uma responsabilidade de outrem, que não nos incumbe. A
cultura do bem-estar anestesia-nos, a ponto de perdermos a serenidade se o
mercado oferece algo que ainda não compramos, enquanto todas estas vidas
ceifadas por falta de possibilidades nos parecem um mero espetáculo que não nos
incomoda de forma alguma.
Não à nova idolatria do dinheiro 55. Uma das causas desta situação está na relação estabelecida com o
dinheiro, porque aceitamos pacificamente o seu domínio sobre nós e as nossas
sociedades. A crise financeira que atravessamos faz-nos esquecer que, na sua
origem, há uma crise antropológica profunda: a negação da primazia do ser
humano. Criámos novos ídolos. A adoração do antigo bezerro de ouro (cf. Ex 32, 1-35)
encontrou uma nova e cruel versão no fetichismo do dinheiro e na ditadura duma
economia sem rosto e sem um objectivo verdadeiramente humano. A crise mundial,
que investe as finanças e a economia, põe a descoberto os seus próprios
desequilíbrios e sobretudo a grave carência duma orientação antropológica que
reduz o ser humano apenas a uma das suas necessidades: o consumo.
56. Enquanto os lucros de poucos crescem
exponencialmente, os da maioria situam-se cada vez mais longe do bem-estar
daquela minoria feliz. Tal desequilíbrio provém de ideologias que defendem a
autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira. Por isso, negam o
direito de controle dos Estados, encarregados de velar pela tutela do bem
comum. Instaura-se uma nova tirania invisível, às vezes virtual, que impõe, de
forma unilateral e implacável, as suas leis e as suas regras. Além disso, a
dívida e os respectivos juros afastam os países das possibilidades viáveis da
sua economia, e os cidadãos do seu real poder de compra. A tudo isto vem
juntar-se uma corrupção ramificada e uma evasão fiscal egoísta, que assumiram
dimensões mundiais. A ambição do poder e do ter não conhece limites. Neste
sistema que tende a fagocitar tudo para aumentar os benefícios, qualquer
realidade que seja frágil, como o meio ambiente, fica indefesa face aos
interesses do mercado divinizado, transformados em regra absoluta.
Não a um dinheiro que governa em vez de servir 57. Por detrás desta atitude, escondem-se a
rejeição da ética e a recusa de Deus. Para a ética, olha-se habitualmente com
um certo desprezo sarcástico; é considerada contraproducente, demasiado humana,
porque relativiza o dinheiro e o poder. É sentida como uma ameaça, porque
condena a manipulação e degradação da pessoa. Em última instância, a ética leva
a Deus que espera uma resposta comprometida que está fora das categorias do
mercado. Para estas, se absolutizadas, Deus é incontrolável, não manipulável e
até mesmo perigoso, na medida em que chama o ser humano à sua plena realização
e à independência de qualquer tipo de escravidão. A ética – uma ética não
ideologizada – permite criar um equilíbrio e uma ordem social mais humana.
Neste sentido, animo os peritos financeiros e os governantes dos vários países
a considerarem as palavras dum sábio da antiguidade: «Não fazer os pobres
participar dos seus próprios bens é roubá-los e tirar-lhes a vida. Não são
nossos, mas deles, os bens que aferrolhamos».
58. Uma reforma financeira que tivesse em conta a ética exigiria uma vigorosa mudança de atitudes por parte dos dirigentes políticos, a quem exorto a enfrentar este desafio com determinação e clarividência, sem esquecer naturalmente a especificidade de cada contexto. O dinheiro deve servir, e não governar! O Papa ama a todos, ricos e pobres, mas tem a obrigação, em nome de Cristo, de lembrar que os ricos devem ajudar os pobres, respeitá-los e promovê-los. Exorto-vos a uma solidariedade desinteressada e a um regresso da economia e das finanças a uma ética propícia ao ser humano.
Não à desigualdade social que gera violência 59. Hoje, em muitas partes, reclama-se maior segurança. Mas, enquanto não se eliminar a exclusão e a desigualdade dentro da sociedade e entre os vários povos será impossível desarreigar a violência. Acusam-se da violência os pobres e as populações mais pobres, mas, sem igualdade de oportunidades, as várias formas de agressão e de guerra encontrarão um terreno fértil que, mais cedo ou mais tarde, há-de provocar a explosão. Quando a sociedade – local, nacional ou mundial – abandona na periferia uma parte de si mesma, não há programas políticos, nem forças da ordem ou serviços secretos que possam garantir indefinidamente a tranquilidade. Isto não acontece apenas porque a desigualdade social provoca a reacção violenta de quantos são excluídos do sistema, mas porque o sistema social e económico é injusto na sua raiz. Assim como o bem tende a difundir-se, assim também o mal consentido, que é a injustiça, tende a expandir a sua força nociva e a minar, silenciosamente, as bases de qualquer sistema político e social, por mais sólido que pareça. Se cada acção tem consequências, um mal embrenhado nas estruturas duma sociedade sempre contém um potencial de dissolução e de morte. É o mal cristalizado nas estruturas sociais injustas, a partir do qual não podemos esperar um futuro melhor. Estamos longe do chamado «fim da história», já que as condições dum desenvolvimento sustentável e pacífico ainda não estão adequadamente implantadas e realizadas.
58. Uma reforma financeira que tivesse em conta a ética exigiria uma vigorosa mudança de atitudes por parte dos dirigentes políticos, a quem exorto a enfrentar este desafio com determinação e clarividência, sem esquecer naturalmente a especificidade de cada contexto. O dinheiro deve servir, e não governar! O Papa ama a todos, ricos e pobres, mas tem a obrigação, em nome de Cristo, de lembrar que os ricos devem ajudar os pobres, respeitá-los e promovê-los. Exorto-vos a uma solidariedade desinteressada e a um regresso da economia e das finanças a uma ética propícia ao ser humano.
Não à desigualdade social que gera violência 59. Hoje, em muitas partes, reclama-se maior segurança. Mas, enquanto não se eliminar a exclusão e a desigualdade dentro da sociedade e entre os vários povos será impossível desarreigar a violência. Acusam-se da violência os pobres e as populações mais pobres, mas, sem igualdade de oportunidades, as várias formas de agressão e de guerra encontrarão um terreno fértil que, mais cedo ou mais tarde, há-de provocar a explosão. Quando a sociedade – local, nacional ou mundial – abandona na periferia uma parte de si mesma, não há programas políticos, nem forças da ordem ou serviços secretos que possam garantir indefinidamente a tranquilidade. Isto não acontece apenas porque a desigualdade social provoca a reacção violenta de quantos são excluídos do sistema, mas porque o sistema social e económico é injusto na sua raiz. Assim como o bem tende a difundir-se, assim também o mal consentido, que é a injustiça, tende a expandir a sua força nociva e a minar, silenciosamente, as bases de qualquer sistema político e social, por mais sólido que pareça. Se cada acção tem consequências, um mal embrenhado nas estruturas duma sociedade sempre contém um potencial de dissolução e de morte. É o mal cristalizado nas estruturas sociais injustas, a partir do qual não podemos esperar um futuro melhor. Estamos longe do chamado «fim da história», já que as condições dum desenvolvimento sustentável e pacífico ainda não estão adequadamente implantadas e realizadas.
60. Os mecanismos da economia actual promovem
uma exacerbação do consumo, mas sabe-se que o consumismo desenfreado, aliado à
desigualdade social, é duplamente daninho para o tecido social. Assim, mais
cedo ou mais tarde, a desigualdade social gera uma violência que as corridas
armamentistas não resolvem nem poderão resolver jamais. Servem apenas para
tentar enganar aqueles que reclamam maior segurança, como se hoje não se
soubesse que as armas e a repressão violenta, mais do que dar solução, criam
novos e piores conflitos. Alguns comprazem-se simplesmente em culpar, dos
próprios males, os pobres e os países pobres, com generalizações indevidas, e
pretendem encontrar a solução numa «educação» que os tranquilize e transforme
em seres domesticados e inofensivos. Isto torna-se ainda mais irritante, quando
os excluídos vêem crescer este câncer social que é a corrupção profundamente
radicada em muitos países – nos seus Governos, empresários e instituições –
seja qual for a ideologia política dos governantes.
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