Antônio Canuto*
No dia 7 de maio, a 52ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) aprovou o documento “A Igreja e a Questão Agrária no Início do Século XXI”. Documento que é uma leitura atualizada da igreja sobre a realidade agrária brasileira, pouco mais de 30 anos depois em que 18ª Assembleia Geral, em 1980, se pronunciou sobre a “Igreja e Problemas da Terra”. Este documento, aprovado por uma ampla maioria, beirando a unanimidade (só 12 votos contrários), foi fruto de um longo processo de amadurecimento nos últimos cinco anos.
Em 2009 foi formado um grupo com a tarefa de produzir um instrumento de trabalho sobre a Igreja, diante da realidade do campo no Brasil neste começo de século. O grupo elaborou um documento de estudos que foi aprovado e publicado em 2010. Com base neste trabalho foi elaborada uma proposta de documento a ser assumida pela Assembleia Geral, como a palavra oficial da Igreja sobre a realidade agrária brasileira nos dias de hoje. Uma primeira versão foi levada à apreciação da 51ª Assembleia, em 2013, que analisou o conteúdo e a forma do mesmo levantando críticas e sugestões que foram acolhidas e incorporadas à versão, agora aprovada.
No dia em que o documento era apresentado à Assembleia, 2 de maio, falecia Dom Tomás Balduino, um dos baluartes na defesa dos direitos dos povos indígenas e das comunidades camponesas. O documento fez um reconhecimento público de sua atuação: “Nossos compromissos são de vida e vida em abundância para os mais pobres: os pobres da terra, das águas e da floresta, que entre tantos outros contaram com o corajoso testemunho de Dom Tomás Balduino falecido no dia em que este documento foi apresentado à 52ª Assembleia” (parágrafo 208).
Os clamores dos povos da terra, das águas e da floresta
O documento parte de ouvir os clamores dos povos indígenas, das comunidades quilombolas, dos sem-terra e assentados, dos ribeirinhos e pescadores, dos pequenos produtores familiares, dos assalariados e trabalhadores em situação análoga à escravidão, submetidos a muitas formas de desrespeito, agressão e violência em relação à posse e ao uso da terra e às relações de trabalho daí derivadas. Ouve também o clamor das cidades onde a população expulsa do campo, ocupa as periferias, zonas baixas ou encostas de morros, frequentemente afetadas por catástrofes ambientais. Ouve, por fim, o clamor da própria Terra (planeta), que sofre a continua depredação da sua rica biodiversidade, o envenenamento dos seus solos e corpos d’água sob a lógica do desenvolvimento econômico.
“Como pastores, abrimos os ouvidos e o coração para ouvir e acolher os clamores daqueles que sofrem as duras consequências de situações injustas e opressoras”, diz o documento (parágrafo 20).
Por que a Igreja se importa com os clamores do povo?
A segunda parte do texto apresenta o que motiva os bispos a ouvir os clamores do povo. Sua motivação se assenta na Palavra de Deus e nos ensinamentos da tradição cristã. Pois a Bíblia mostra que Deus é comprometido com os pobres e oprimidos, que vê o sofrimento do povo, ouve seus gritos, conhece suas angústias e por isso desce para libertá-lo (Ex 3); que Deus ao criar o mundo deu ao homem a tarefa de “cultivar e guardar” o jardim em que foi colocado (Cf. Gn 2,15) e que fala em herança para indicar o direito inalienável que todos têm de viver e de gozar dos frutos da terra e de seu trabalho. Da tradição cristã, o documento extrai, sobretudo, a exigência da destinação universal dos bens e do cumprimento da função social da propriedade.
Ouvir o clamor dos pobres: um imperativo ético
Os clamores do povo e a Palavra de Deus e da Igreja suscitam compromissos pastorais: compromissos em relação à própria igreja, aos povos da terra, das águas, da floresta, e cobranças aos poderes constituídos: “temos a obrigação pastoral de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para acolher o clamor que sobe das comunidades dos campos, das florestas e das águas” (parágrafo 138). São compromissos que partem de um posicionamento claro diante do latifúndio, do trabalho escravo, da natureza, da água, da produção de energia.
O documento reafirma a distinção entre terra de trabalho e terra de negócio, presente no documento de 1980. “Reafirmamos ser a terra considerada dom e dádiva para a humanidade inteira ‘terra de trabalho’, lugar de viver, e não mercadoria, ‘terra de negócio’” (parágrafo 208).
E é contundente na sua conclusão: “Ouvir e atender os clamores dos pobres é imperativo ético para todos os responsáveis pelo bem público e para todas as pessoas de boa vontade” (parágrafo 210), “a opressão dos pobres é pecado que brada ao céu”. Por isso assumem como compromisso: “denunciar toda violência que nega às famílias e às comunidades pobres o direito e o acesso aos bens necessários para uma vida digna” (parágrafo 207).
Aponta, também, quem são os responsáveis pela violência: “No cumprimento de nossa missão, denunciamos a idolatria da propriedade, da riqueza e do poder, que é a causa da violência que acompanha a luta pela terra”. E denuncia como pecado a sacralização da propriedade da terra: São “criminosos – pecadores, todos os que querem sacralizar a propriedade da terra neste País de extensão continental! Sacramentar a usurpação, dignificar a grilagem é crime, é pecado” (palavras essasemprestadas do documento assinado por 11 entidades ecumênicas após a aprovação do relatório de Abelardo Lupion, ao final da CPMI da Terra, em 2005). (parágrafo 206)
Um documento que merece toda a atenção. Para ler o documento na integra click aqui: A Igreja e a Questão Agrária no Início do Século XXI
*Setor de Comunicação da Secretaria Nacional da CPT.
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