O histórico Encontro Mundial dos Movimentos Sociais (EMMS) com o Papa Francisco debateu três temas principais – pão, terra e lar – e produziu uma Declaração Final, uma espécie de "Carta dos Excluídos ao Excluídos”, que servirá de base de trabalho para os movimentos sociais em seus respectivos países. O Encontro ocorreu entre os dias 27 de 29 de outubro, no Vaticano
Declaração Final do Encontro Mundial dos Movimentos Populares
Como parte da conclusão do EMMP, queremos fazer chegar à opinião pública um breve resumo do que aconteceu durante estes três históricos dias.
1. Convocado pelo PCJP, a PAS e diversos movimentos populares do mundo sob a inspiração do Papa Francisco, uma delegação de mais de 100 dirigentes sociais de todos os continentes se reuniu em Roma para debater três eixos: terra, trabalho, moradia; os grandes problemas e desafios que enfrenta a família humana (especialmente exclusão, desigualdade, violência e crise ambiental) a partir da perspectiva dos pobres e suas organizações.
2. As jornadas se desenvolveram procurando praticar a Cultura do Encontro e integrando companheiros, companheiras, irmãos e irmãs, de distintos continentes, gerações, ofícios, religiões, ideias e experiências. Além dos setores representativos dos três eixos principais do encontro, participaram um número considerável de bispos e agentes pastorais, intelectuais e acadêmicos, que contribuíram significativamente ao encontro, sempre respeitando o protagonismo dos setores e movimentos populares. O Encontro não esteve isento de tensões que pudéssemos assumir coletivamente como irmãos.
3. Em primeiro lugar, sempre desde a perspectiva dos pobres e dos povos pobres (neste caso os camponeses, trabalhadores sem direitos e habitantes de bairros populares), foi analisado as causas estruturais da desigualdade e da exclusão, desde suas raízes sistêmicas global até suas expressões locais. Compartilharam os números horríveis da desigualdade e a concentração da riqueza nas mãos de um punhado de milionários. Os painelistas e palestrantes concordaram que se deve buscar na natureza desigual e predatória do sistema capitalista que coloca o lucro acima do ser humano a raiz dos males sociais e ambientais. O enorme poder das empresas transnacionais que pretendem devorar e privatizar tudo –mercadorias, serviços, pensamento- são o primeiro violino desta sinfonia de destruição.
4. Durante o trabalho nas oficinas conclui-se que o aceso pleno, estável, seguro e integral à terra, o trabalho e a moradia constituem direitos humanos inalienáveis, inerente às pessoas e sua dignidade, que devem ser garantidas e respeitadas. A moradia e o bairro como um espaço inviolável por Estados e corporações, a terra como um bem comum que deve ser compartido entre todos os que nela trabalham evitando sua acumulação, e o trabalho digno como eixo estruturador de um projeto de vida foram algumas das reivindicações compartilhadas.
5. Também abordamos o problema da violência e da guerra, uma guerra total, ou como disse Francisco, uma terceira guerra mundial parcelada. Sem perder de vista o caráter global destes problemas, tratou-se com particular intensidade a situação do Oriente Médio, principalmente a agressão contra o povo palestino e curdo. A violência que desencadeiam as máfias do narcoterrorismo, o tráfico de armas e o tráfico de pessoas também foram objeto de profundo debate. Os despejos forçados pela violência, o agronegócio, a mineração poluente e todas as formas de extrativismo, e a repressão sobre camponeses, povos originários e afrodecendentes estiveram presentes em todos os debates. Também o grave problema dos golpes de estado como em Honduras e Paraguai e o intervencionismo de grandes potências sobre os países mais pobres.
6. A questão ambiental esteve presente num rico intercâmbio entre a perspectiva acadêmica e a popular. Pudemos conhecer os dados mais recentes sobre contaminação e a mudança climática, as previsões sobre futuros desastres naturais e as provas científicas de que o consumismo insaciável e a prática de um industrialismo irresponsável que promove o poder econômico explicam a catástrofe ecológica em cena. Devemos combater a cultura do descarte, e ainda que suas causas sejam estruturais, também devemos promover uma mudança desde abaixo, nos hábitos e condutas de nossos povos, priorizando os intercâmbios ao interior da economia popular e a recuperação do que este sistema renega.
7. Novamente, pudemos concluir que a guerra e a violência, a exacerbação dos conflitos étnicos e a utilização da religião para a legitimação da violência, assim como o desmatamento, a mudança climática e a perda da biodiversidade, tem seu principal motor a busca incessante do lucro e a pretensão criminosa de subordinar os povos mais pobres para saquear suas riquezas naturais e humanas. Consideramos que a ação e as palavras dos movimentos populares e a Igreja são imprescindíveis para frear este verdadeiro genocídio e terricídio.
8. Particular atenção merece à situação das mulheres golpeadas por este sistema. Reconhecemos nessa realidade a urgente necessidade de um compromisso profundo e sério com essa causa justa e histórica de todas nossas companheiras, motor de lutas, processos e propostas de vida, emancipatórias e inspiradoras. Também exigimos a finalização da estigmatização, descarte e abandono das crianças e jovens, especialmente os pobres, afrodecendentes e migrantes. Se as crianças não têm infância, se os jovens não têm projeto, a Terra não tem futuro.
9. Longe de ficarmos na autocompaixão e nos lamentos por todas estas realidades destruidoras, os movimentos populares, em particular os reunidos neste Encontro, reivindicamos que os excluídos, os oprimidos, os pobres não resignados, organizados, podemos e devemos enfrentar com todas nossas forças a caótica situação a que este sistema nos levou. Neste sentido, foram compartilhadas inúmeras experiências de trabalho, organização e luta que tem permitido a criação de milhões de fontes de trabalho digno no setor popular da economia, a recuperação de milhões de hectares de terra para a agricultura camponesa e a construção, integração, melhoramento ou defesa de milhões de moradias e comunidades urbanas no mundo. A participação protagonizada pelos setores populares em democracias seqüestradas ou diretamente plutocracias é indispensável para as transformações que necessitamos.
10. Tendo em conta o especial contexto deste encontro e a inestimável contribuição da Igreja Católica que, encabeçada pelo Papa Francisco, permitiu sua realização, nos detivemos para analisar o marco de nossas realidades o imprescindível aporte da doutrina social da igreja e o pensamento de seu pastor para a luta por justiça social. Nosso material principal de trabalho foi a Evengelii Gaudium que levou em conta a necessidade de recuperar pautas éticas de conduta na dimensão individual, grupal e social da vida humana. É razoável destacar a participação e intervenção de numerosos sacerdotes e bispos católicos ao longo de todo Encontro, encarnação viva de todos aqueles agentes pastorais laicos e consagrados, comprometidos com as lutas populares que, consideramos, devem ser reforçados no seu importante labor.
11. Todos e todas, muitos de nós católicos, pudemos assistir a celebração de uma missa na Catedral de São Pedro, celebrada por um de nossos anfitriões, o Cardeal Peter Turkson, onde foram apresentadas como oferendas três símbolos de nossos anseios, carências e lutas: um carro de papelão, frutos da terra camponesa e uma maquete de uma casa típica dos bairros pobres. Pudemos contar com a presença de um importante número de bispos de todos os continentes.
12. Neste ambiente de debate apaixonado e fraternidade intercultural, tivemos a inesquecível oportunidade de assistir a um momento histórico: a participação do Papa Francisco no nosso Encontro que sintetizou em seu discurso grande parte de nossa realidade, nossas denuncias e nossas propostas. A claridade e contundência de suas palavras não admitiram duas interpretações e reafirmam que a preocupação pelos pobres está no centro do Evangelio. Em coerência com suas palavras, a atitude fraterna, paciente e cálida de Francisco com todos e cada um de nós, em especial com os perseguidos, também expressa sua solidariedade com nossa luta, tantas vezes desvalorizada e prejudicada, inclusive perseguida, reprimida ou criminalizada.
13. Outro dos momentos importantes foi a participação do irmão Evo Morales, presidente da Assembleia Mundial dos Povos Indígenas, que participou em caráter de dirigente popular e nos ofereceu uma exposição centrada na crítica ao sistema capitalista e em tudo o que os excluídos podem fazer em relação à terra, trabalho, moradia, paz e ambiente quando nos organizamos e temos acesso a posições de poder, de um poder entendido como serviço e não como privilegio. Seu abraço com Francisco nos emocionou e ficará para sempre em nossa memória.
14. Entre os encaminhamentos imediatos do encontro, levamos duas coisas: a “Carta dos excluídos aos excluídos” para trabalhar com as bases dos setores e movimentos populares, a qual nos comprometemos a distribuir massivamente junto ao Discurso do Papa Francisco, e as memórias; e a proposta de criar um Espaço de Interlocução permanente entre os movimentos populares e a Igreja.
15. Junto a este breve comunicado, pedimos especialmente a todos os trabalhadores e trabalhadoras da imprensa que nos ajudem a difundir a versão completa do discurso do Papa Francisco que, repetimos, sintetiza grande parte de nossa experiência, pensamentos e anseios. Repitamos junto: Terra, Teto e Trabalho são direitos sagrados! Nenhum trabalhador sem direitos! Nenhuma família sem moradia! Nenhum camponês sem terra! Nenhum povo sem território! Viva os pobres que se organizam e lutam por uma alternativa humana à globalização excludente! Longa vida ao Papa Francisco e sua Igreja pobre para os pobres!
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