Relatório da Comissão Nacional da Verdade divulgado semana passada detalha os 24 locais do estado usados como cenário de graves violações de direitos humanos durante o regime militar.
A divulgação do relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV) permite traçar um mapa dos locais onde ocorreram tortura e morte em Minas Gerais durante a ditadura militar (1964-1985). O documento aponta que 25 pessoas foram assassinadas ou desapareceram no estado e lista 24 locais, entre dependências do Exército, Polícia Militar e Polícia Civil, que foram centros da barbárie. O relatório reporta também 24 acusados de graves violações de direitos humanos em Minas e detalha as razões da inclusão. As 4,4 mil páginas entregues à presidente Dilma Rousseff na semana passada apontam, no total, 377 responsáveis por crimes contra a humanidade em todo o país, incluindo desde os cinco presidentes durante a ditadura – Castello Branco, Arthur da Costa e Silva, Emílio Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Figueiredo – até os autores das atrocidades.
As torturas e mortes ocorreram em 11 locais na capital mineira, sendo que os principais foram o 12º Regimento de Infantaria (12º RI), no Barro Preto, e o antigo Departamento de Ordem Política e Social (Dops), na Avenida Afonso Pena, no Bairro Funcionários, onde hoje funciona o Departamento de Investigação Antidrogas. Há também palcos de tortura e morte em diversas regiões de Minas Gerais: Além Paraíba, Cataguases, Divinópolis, Uberlândia, Resplendor e outros seis em Juiz de Fora (veja mapa). Na cidade na Zona da Mata, aliás, estava a Penitenciária de Linhares, onde a presidente Dilma, o governador eleito, Fernando Pimentel (PT), e o prefeito Marcio Lacerda (PSB) ficaram presos por combaterem a ditadura militar.
No 12º Regimento de Infantaria (12º RI), atualmente chamado de 12º Batalhão de Infantaria (12º BI), funcionava o Centro de Preparação de Oficiais da Reserva (CPOR), a 4ª Infantaria Divisionária (ID-4) e o Destacamento de Operações de Informações (DOI). “Conjuntamente com o Dops e a Delegacia de Furtos e Roubos de Belo Horizonte, o 12º RI foi apontado por presos políticos como um dos principais centros de graves violações de direitos humanos da capital mineira”, atesta o relatório da CNV.
O Dops tem origem em 1927 e era uma entidade civil, com policiais provenientes da Academia de Polícia Civil. A partir de 1950, passou a fazer intercâmbios com os serviços de inteligência norte-americanos. “Durante a ditadura militar de 1964, o órgão retomou um regime de estreita colaboração com a Polícia Militar, com denúncias de tortura recorrentes entre 1969 e 1970. A autonomia do Dops de Minas Gerais só se restringiria a partir do início da década de 1970, com a implantação do Codi mineiro”, explica o relatório.
‘PAU DE ARARA’ O documento da CNV traz o relato de Afonso Celso Lana Leite: “Tanto o declarante quanto os seus companheiros foram postados numa parede nos fundos de uma casa em Minas e ameaçados de serem fuzilados. Que isso não aconteceu em razão da intervenção de um delegado que estava na diligência policial. Que na mesma casa foram espancados, depois conduzidos ao Dops, onde foram sujeitos a espancamentos, e que, mais tarde, na Delegacia de Furtos e Roubos, sofreram várias torturas, bem como lhes foi aplicado o chamado “pau de arara”, choque elétrico, palmatória, hidráulico (afogamento)”.
A casa citada no depoimento de Lana Leite ficava no Bairro São Geraldo, na Região Leste da capital mineira. Na manhã de 14 janeiro de 1969, sete integrantes do Comando de Libertação Nacional (Colina) se escondiam na casa, após terem roubado (ou expropriado, no jargão dos militantes) um banco em Sabará, na Grande BH. O local foi descoberto pela polícia, que invadiu a casa atirando. Os militantes reagiram e, na troca de tiros, dois policiais morreram e outro ficou ferido. Um dos militantes, Maurício Paiva, também ficou ferido. O episódio marcou o início do fim do Colina, grupo que tinha em seus quadros Dilma Rousseff.
MILITARES Na lista de torturadores e assassinos, tratados pela CNV como “responsáveis pelas graves violações de direitos humanos”, estão 24 nomes que atuaram em Minas Gerais. Desses, 18 são policiais militares, que, segundo o relatório, participaram do episódio conhecido como Massacre de Ipatinga. Em 7 de outubro de 1963, cerca de 3 mil trabalhadores da Usiminas, que reivindicavam melhores condições de trabalho, foram metralhados por policiais militares. Até hoje, o número exato de mortos não foi esclarecido. Segundo a PM, foram oito mortos. A CNV, no entanto, aponta outras três mortes e investiga mais de 20 desaparecidos.
Estão ainda na lista de violadores de direitos humanos um general de brigada, um coronel e um capitão do Exército, um delegado e dois investigadores da Polícia Civil, o que mostra que a crueldade era exercida independentemente da patente ou corporação. “A repressão política nunca foi exercida por uma só organização. Houve a combinação de instituições distintas, com preponderância das Forças Armadas, além de papéis importantes desempenhados pelas polícias Civil e Militar”, destaca o relatório final da comissão.
CIVIS O documento também indica a participação de civis, que, segundo a CNV, financiaram ou apoiaram as ações repressivas. A articulação civil era feita com o Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (Ipes), fundado em 1961, e que resultou, ainda conforme o texto, de uma interação entre empresários, políticos conservadores e membros da hierarquia das Forças Armadas.
“Em suas primeiras ações, o Ipes organizou uma campanha de desestabilização do governo (do então presidente João Goulart), a partir da produção de uma campanha publicitária que buscava apresentar o cenário político brasileiro como catastrófico, com o próprio presidente da República sendo constantemente acusado de estar interessado em ‘implantar uma ditadura’”, explica o relatório. Foram criadas regionais do Ipes, que a CNV chama de “o ovo da serpente” do golpe de 1964. Uma das filiais ficava em Belo Horizonte e, entre os financiadores, se destacavam industriais, banqueiros e ruralistas.
O Dops tem origem em 1927 e era uma entidade civil, com policiais provenientes da Academia de Polícia Civil. A partir de 1950, passou a fazer intercâmbios com os serviços de inteligência norte-americanos. “Durante a ditadura militar de 1964, o órgão retomou um regime de estreita colaboração com a Polícia Militar, com denúncias de tortura recorrentes entre 1969 e 1970. A autonomia do Dops de Minas Gerais só se restringiria a partir do início da década de 1970, com a implantação do Codi mineiro”, explica o relatório.
‘PAU DE ARARA’ O documento da CNV traz o relato de Afonso Celso Lana Leite: “Tanto o declarante quanto os seus companheiros foram postados numa parede nos fundos de uma casa em Minas e ameaçados de serem fuzilados. Que isso não aconteceu em razão da intervenção de um delegado que estava na diligência policial. Que na mesma casa foram espancados, depois conduzidos ao Dops, onde foram sujeitos a espancamentos, e que, mais tarde, na Delegacia de Furtos e Roubos, sofreram várias torturas, bem como lhes foi aplicado o chamado “pau de arara”, choque elétrico, palmatória, hidráulico (afogamento)”.
A casa citada no depoimento de Lana Leite ficava no Bairro São Geraldo, na Região Leste da capital mineira. Na manhã de 14 janeiro de 1969, sete integrantes do Comando de Libertação Nacional (Colina) se escondiam na casa, após terem roubado (ou expropriado, no jargão dos militantes) um banco em Sabará, na Grande BH. O local foi descoberto pela polícia, que invadiu a casa atirando. Os militantes reagiram e, na troca de tiros, dois policiais morreram e outro ficou ferido. Um dos militantes, Maurício Paiva, também ficou ferido. O episódio marcou o início do fim do Colina, grupo que tinha em seus quadros Dilma Rousseff.
MILITARES Na lista de torturadores e assassinos, tratados pela CNV como “responsáveis pelas graves violações de direitos humanos”, estão 24 nomes que atuaram em Minas Gerais. Desses, 18 são policiais militares, que, segundo o relatório, participaram do episódio conhecido como Massacre de Ipatinga. Em 7 de outubro de 1963, cerca de 3 mil trabalhadores da Usiminas, que reivindicavam melhores condições de trabalho, foram metralhados por policiais militares. Até hoje, o número exato de mortos não foi esclarecido. Segundo a PM, foram oito mortos. A CNV, no entanto, aponta outras três mortes e investiga mais de 20 desaparecidos.
Estão ainda na lista de violadores de direitos humanos um general de brigada, um coronel e um capitão do Exército, um delegado e dois investigadores da Polícia Civil, o que mostra que a crueldade era exercida independentemente da patente ou corporação. “A repressão política nunca foi exercida por uma só organização. Houve a combinação de instituições distintas, com preponderância das Forças Armadas, além de papéis importantes desempenhados pelas polícias Civil e Militar”, destaca o relatório final da comissão.
CIVIS O documento também indica a participação de civis, que, segundo a CNV, financiaram ou apoiaram as ações repressivas. A articulação civil era feita com o Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (Ipes), fundado em 1961, e que resultou, ainda conforme o texto, de uma interação entre empresários, políticos conservadores e membros da hierarquia das Forças Armadas.
“Em suas primeiras ações, o Ipes organizou uma campanha de desestabilização do governo (do então presidente João Goulart), a partir da produção de uma campanha publicitária que buscava apresentar o cenário político brasileiro como catastrófico, com o próprio presidente da República sendo constantemente acusado de estar interessado em ‘implantar uma ditadura’”, explica o relatório. Foram criadas regionais do Ipes, que a CNV chama de “o ovo da serpente” do golpe de 1964. Uma das filiais ficava em Belo Horizonte e, entre os financiadores, se destacavam industriais, banqueiros e ruralistas.
RELATOS DA CRUELDADE
“Fui espancado numa sala e depois num pátio relativamente grande para onde fui levado de madrugada. Trouxeram a minha companheira, a Loreta, que estava presa no presídio feminino. Eles queriam que ela falasse, pois não acreditavam que ela e outras presas pertenciam a uma organização apenas de mulheres. No pátio, fui espancado algemado e o tenente Pádua pulou em cima do meu peito. Lembro até hoje, ele usava uma botina preta com marrom. Ele me quebrou quatro costelas. Loreta, sentada numa cadeira, era obrigada a assistir o que acontecia e ela me identificou quando ligou o farol do jipe em cima de mim. Ela disse que era advogada. Responderam: ‘Estamos na ditadura, isso não tem valor nenhum’.”
Antonio Melgaço Valadares
sobre as torturas que sofreu no 12º RI
“Uma das coisas que me aconteceram naquela época é que meu dente começou a cair e só foi derrubado posteriormente pela Oban (Operação Bandeirantes). Minha arcada girou para outro lado, me causando problemas até hoje, problemas no osso do suporte do dente. Me deram um soco e o dente deslocou-se e apodreceu. Tomava de vez em quando Novalgina em gotas para passar a dor. Só mais tarde, quando voltei para São Paulo, o Albernaz (capitão Alberto Albernaz) completou o serviço com um soco, arrancando o dente”.
Presidente Dilma Rousseff
sobre tortura sofrida no período em que esteve presa em Minas Gerais e em São Paulo
“Fui levada para um posto policial. (…) Uma estrada, mato e um posto policial que era bem isolado. E foi lá que eles me torturaram das sete da noite até as cinco da manhã. E lá foi pau de arara, espancamento, choque elétrico, ‘latinha’, ‘telefone’. Tudo que eles conseguiram inventar. Enquanto eu estava no pau de arara, eles botavam os eletrodos da maquineta nos dedos dos pés, nos dedos das mãos, na minha vagina, enquanto eu estava lá de cabeça para baixo. Quando chegou de madrugada que eu vi que estava amanhecendo, pensei: ‘Bem, agora eu tenho que dar alguma coisa para eles para ver se fecha o inquérito, admitir alguma coisa’. E eu disse: ‘Eu vou prestar depoimento’.”
“Fui espancado numa sala e depois num pátio relativamente grande para onde fui levado de madrugada. Trouxeram a minha companheira, a Loreta, que estava presa no presídio feminino. Eles queriam que ela falasse, pois não acreditavam que ela e outras presas pertenciam a uma organização apenas de mulheres. No pátio, fui espancado algemado e o tenente Pádua pulou em cima do meu peito. Lembro até hoje, ele usava uma botina preta com marrom. Ele me quebrou quatro costelas. Loreta, sentada numa cadeira, era obrigada a assistir o que acontecia e ela me identificou quando ligou o farol do jipe em cima de mim. Ela disse que era advogada. Responderam: ‘Estamos na ditadura, isso não tem valor nenhum’.”
Antonio Melgaço Valadares
sobre as torturas que sofreu no 12º RI
“Uma das coisas que me aconteceram naquela época é que meu dente começou a cair e só foi derrubado posteriormente pela Oban (Operação Bandeirantes). Minha arcada girou para outro lado, me causando problemas até hoje, problemas no osso do suporte do dente. Me deram um soco e o dente deslocou-se e apodreceu. Tomava de vez em quando Novalgina em gotas para passar a dor. Só mais tarde, quando voltei para São Paulo, o Albernaz (capitão Alberto Albernaz) completou o serviço com um soco, arrancando o dente”.
Presidente Dilma Rousseff
sobre tortura sofrida no período em que esteve presa em Minas Gerais e em São Paulo
“Fui levada para um posto policial. (…) Uma estrada, mato e um posto policial que era bem isolado. E foi lá que eles me torturaram das sete da noite até as cinco da manhã. E lá foi pau de arara, espancamento, choque elétrico, ‘latinha’, ‘telefone’. Tudo que eles conseguiram inventar. Enquanto eu estava no pau de arara, eles botavam os eletrodos da maquineta nos dedos dos pés, nos dedos das mãos, na minha vagina, enquanto eu estava lá de cabeça para baixo. Quando chegou de madrugada que eu vi que estava amanhecendo, pensei: ‘Bem, agora eu tenho que dar alguma coisa para eles para ver se fecha o inquérito, admitir alguma coisa’. E eu disse: ‘Eu vou prestar depoimento’.”
FONTE: O ESTADO DE MINAS
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