É O
PLANETA QUE NOS NUTRE
A EXPO2015 inicia-se no 1º de
Maio de 2015, em Milão. Apresenta-se como uma “Exposição Universal” e como “o
maior evento jamais realizado sobre alimentação e nutrição (1). Em um espaço de
mais de um milhão de metros quadrados, com 140 países, onde é esperado passarem
mais de 20 milhões de pessoas. O que chama a atenção e desafia a consciência, e
creio que possa servir como uma chave de leitura para este evento é o seu
slogan: "Alimentar o Planeta,
Energia para a Vida".
"Alimentar o Planeta, Energia para a Vida" é um slogan que captura a
atual lógica do mercado tecnológico associado ao poder da indústria de
alimentos. As incursões cada vez mais intensas das inovações tecnológicas no
setor agroalimentar, tais como o consumo de biotecnologia expande o domínio das
grandes corporações multinacionais no setor de vegetais, produtos químicos,
animais, e bioinformática.
É importante notar que não somos
nós que nutrimos o planeta, como nos quer fazer crer o slogan de EXPO215, mas é o planeta que nos nutre.
Apesar da deterioração a que está submetido o planeta, nenhuma tecnologia pode
prescindir dos elementos da natureza. Seja ela nano-, bio-, info- e cogno-, as
tecnociências com qualquer que seja a retórica à elas associadas, tal como a de
"alimentar o mundo", a intervenção, o controle, a engenharia, a
sintetização, o construir ou o crear, se voltarmos à origem, em algum momento,
no entanto, a natureza revela-se como fonte.
Recordando São
Francisco de Assis, no Cântico das Criaturas, nós dizemos: "Irmã e Mãe Terra que nos
sustenta e governa". A
Terra é irmã e mãe, e não um objeto. A Terra é irmã, porque como nós, ela é a
natureza. É Mãe, porque nos dá vida, nos sustenta. A terra é uma comunidade
viva. Na perspectiva da fé, São Francisco diz que o ser humano é uma criatura
entre as criaturas, é uma parte da criação, e dela depende. Ele vive em uma
fraternidade cósmica e universal. Neste sentido, o conceito moderno de
bem-estar está longe desta concepção de São Francisco. A Terra como irmã e mãe,
que sustenta e governa, nos abre a possibilidade de dialogar com muitas outras
visões de mundo, “cosmovisões”, como o "Bien
Vivir" próprio do
pensamento indígena andino. Terra como irmã e mãe, que nos sustenta e governa.
nos ajuda na construção de novas idéias, juntamente com muitos outros conceitos
e realidades como os direitos da natureza, justiça ambiental, o bem comum da
humanidade e da própria natureza.
De acordo com a Global Footprint Network,
a nossa pegada ecológica, que é o indicador utilizado para avaliar a pressão
sobre o ambiente, nos mostra que o modelo hegemônico de desenvolvimento, nos
colocou à cima dos próprios meios de recuperação, em termos de meio
ambiente . A demanda anual de recursos utilizados está acima do que a Terra é
capaz de se regenerar a cada ano. Nós usamos, hoje, o equivalente a 1,3
planetas por ano.
"Alimentar o
Planeta, Energia para a Vida": se trata de dar outro sentido à realidade.
Isto não é senão o resultado da exacerbação do dualismo ocidental, marcado pela
separação entre sujeito e objeto, entre os seres humanos e a natureza. O
planeta é visto como elemento externo, como sem vida e passivo. Em uma feira do
agronegócio este slogan é o resultado da incorporação da natureza (objeto) no
circuito da produção / consumo / mercado para a expansão do capital, eliminando
a generosidade natural do planeta. Querem nos fazer acreditar que a dinâmica
dos ciclos naturais não é importante, e que a tecnologia resolve tudo.
A este respeito, a feira
EXPO2015 apresenta a subordinação da ciência e da tecnologia à lógica de
mercado, e sua transformação em bens, em mercadoria.
Aqui, é importante
considerar também que a tecnologia não é uma entidade autônoma. O controle e a
transformação de natureza não são separados do controle dos seres humanos. A
tecnologia se desenvolve em um processo dialético de poder, o que limita a sua
autonomia. Se olharmos, por exemplo, para a eficiência, que geralmente é
apresentada como um fator determinante para o desenvolvimento tecnológico se
pode ver que essa é definida por interesses sociais e econômicos. O que nos
leva a entender que "objetos técnicos também são objetos sociais" e o
desenvolvimento tecnológico se dá em "um cenário de luta social". (Feenberg,
2002) (2).
"Alimentar o
Planeta, Energia para a Vida" é propor o planeta como carente e pobre. É
inverter a questão, não colocar em discussão o que tira a vitalidade do
planeta, é não superar o paradigma da era moderna: produção / consumo;
desenvolvimento / crescimento; propriedade / lucro / acumulação.
Assim, na tentativa
de manter a expansão do capital é proposta a venda de novas tecnologias, muitas
delas de alto risco, tais quais a transgênica, a biologia sintética, a
genômica, a nanotecnologia, geoengenharia, como a chave para a resolução de
problemas como as mudanças climáticas, a fome, a falta de energia e a perda de
biodiversidade, para mencionar algumas.
A lógica da EXPO2015
é considerar a irreversibilidade do modelo e buscar como se adaptar a ele.
Assim, para explicar melhor, se pode fazer referimento à lógica da
"agricultura climaticamente inteligente". Essa na realidade visa
incorporar a agricultura no mercado de carbono, na venda do carbono sequestrado
(armazenado) em solos agrícolas. Isto não é senão propor uma agricultura
adaptada às mudanças climáticas e a criação de um novo mercado. Aqui, como
contraponto, vale a pena recordar o slogan da Cúpula
dos Povos Frente às Mudanças Climáticas, realizada
em Lima, no Peru, por ocasião da 20ª
Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP20), em 2014, que dizia:
"Vamos mudar o sistema, não o clima. "
As empresas que produzem o maior
impacto sobre o planeta e violam os direitos humanos, como o direito à
alimentação, patrocinam a EXPO2015.
Resta salientar que a agricultura
não é um pacote tecnológico, mas é sobretudo uma base da vida e de convivência
com os ciclos da natureza. Não é possível um desenvolvimento econômico e social
que se assente sobre a base de uma exploração predatória do meio ambiente e dos
seres. A justiça ambiental e os direitos da natureza nos desafiam a uma vida
melhor.
Temos,
portanto, um desafio, o da luta pela vida. A luta contra a privatização e
mercantilização da natureza, da terra, da água, das sementes, da cultura e do conhecimento.
Os chamados "bens comuns", da humanidade e da natureza. O
desafio de repensar a nossa relação com o planeta. Um planeta vivo, a vida
comunitária, onde tudo e todos estão interligados e interdependentes.
(2) Feenberg, Andrew.
Transforming technology. A critical theory revisited. Oxford,
Oxford University Press, 2002.
Nenhum comentário:
Postar um comentário