sexta-feira, 1 de maio de 2015

EXPO215: a ambiguidade de uma feira do agronegócio

É O PLANETA QUE NOS NUTRE

por Frei Rodrigo de Castro Amédée Péret, ofm
Rivista Milena Edizione

A EXPO2015 inicia-se no 1º de Maio de 2015, em Milão. Apresenta-se como uma “Exposição Universal” e como “o maior evento jamais realizado sobre alimentação e nutrição (1). Em um espaço de mais de um milhão de metros quadrados, com 140 países, onde é esperado passarem mais de 20 milhões de pessoas. O que chama a atenção e desafia a consciência, e creio que possa servir como uma chave de leitura para este evento é o seu slogan: "Alimentar o Planeta, Energia para a Vida".

"Alimentar o Planeta, Energia para a Vida" é um slogan que captura a atual lógica do mercado tecnológico associado ao poder da indústria de alimentos. As incursões cada vez mais intensas das inovações tecnológicas no setor agroalimentar, tais como o consumo de biotecnologia expande o domínio das grandes corporações multinacionais no setor de vegetais, produtos químicos, animais, e bioinformática.

É importante notar que não somos nós que nutrimos o planeta, como nos quer fazer crer o slogan de EXPO215, mas é o planeta que nos nutre. Apesar da deterioração a que está submetido o planeta, nenhuma tecnologia pode prescindir dos elementos da natureza. Seja ela nano-, bio-, info- e cogno-, as tecnociências com qualquer que seja a retórica à elas associadas, tal como a de "alimentar o mundo", a intervenção, o controle, a engenharia, a sintetização, o construir ou o crear, se voltarmos à origem, em algum momento, no entanto, a natureza revela-se como fonte.

Recordando São Francisco de Assis, no Cântico das Criaturas, nós dizemos: "Irmã e Mãe Terra que nos sustenta e governa". A Terra é irmã e mãe, e não um objeto. A Terra é irmã, porque como nós, ela é a natureza. É Mãe, porque nos dá vida, nos sustenta. A terra é uma comunidade viva. Na perspectiva da fé, São Francisco diz que o ser humano é uma criatura entre as criaturas, é uma parte da criação, e dela depende. Ele vive em uma fraternidade cósmica e universal. Neste sentido, o conceito moderno de bem-estar está longe desta concepção de São Francisco. A Terra como irmã e mãe, que sustenta e governa, nos abre a possibilidade de dialogar com muitas outras visões de mundo, “cosmovisões”, como o "Bien Vivir" próprio do pensamento indígena andino. Terra como irmã e mãe, que nos sustenta e governa. nos ajuda na construção de novas idéias, juntamente com muitos outros conceitos e realidades como os direitos da natureza, justiça ambiental, o bem comum da humanidade e da própria natureza.

De acordo com a Global Footprint Network, a nossa pegada ecológica, que é o indicador utilizado para avaliar a pressão sobre o ambiente, nos mostra que o modelo hegemônico de desenvolvimento, nos colocou à cima dos próprios  meios de recuperação, em termos de meio ambiente . A demanda anual de recursos utilizados está acima do que a Terra é capaz de se regenerar a cada ano. Nós usamos, hoje, o equivalente a 1,3 planetas por ano.

"Alimentar o Planeta, Energia para a Vida": se trata de dar outro sentido à realidade. Isto não é senão o resultado da exacerbação do dualismo ocidental, marcado pela separação entre sujeito e objeto, entre os seres humanos e a natureza. O planeta é visto como elemento externo, como sem vida e passivo. Em uma feira do agronegócio este slogan é o resultado da incorporação da natureza (objeto) no circuito da produção / consumo / mercado para a expansão do capital, eliminando a generosidade natural do planeta. Querem nos fazer acreditar que a dinâmica dos ciclos naturais não é importante, e que a tecnologia resolve tudo.

A este respeito, a feira EXPO2015 apresenta a subordinação da ciência e da tecnologia à lógica de mercado, e sua transformação em bens, em mercadoria.

Aqui, é importante considerar também que a tecnologia não é uma entidade autônoma. O controle e a transformação de natureza não são separados do controle dos seres humanos. A tecnologia se desenvolve em um processo dialético de poder, o que limita a sua autonomia. Se olharmos, por exemplo, para a eficiência, que geralmente é apresentada como um fator determinante para o desenvolvimento tecnológico se pode ver que essa é definida por interesses sociais e econômicos. O que nos leva a entender que "objetos técnicos também são objetos sociais" e o desenvolvimento tecnológico se dá em "um cenário de luta social". (Feenberg, 2002) (2).

"Alimentar o Planeta, Energia para a Vida" é propor o planeta como carente e pobre. É inverter a questão, não colocar em discussão o que tira a vitalidade do planeta, é não superar o paradigma da era moderna: produção / consumo; desenvolvimento / crescimento; propriedade / lucro / acumulação.

Assim, na tentativa de manter a expansão do capital é proposta a venda de novas tecnologias, muitas delas de alto risco, tais quais a transgênica, a biologia sintética, a genômica, a nanotecnologia, geoengenharia, como a chave para a resolução de problemas como as mudanças climáticas, a fome, a falta de energia e a perda de biodiversidade, para mencionar algumas.

A lógica da EXPO2015 é considerar a irreversibilidade do modelo e buscar como se adaptar a ele. Assim, para explicar melhor, se pode fazer referimento à lógica da "agricultura climaticamente inteligente". Essa na realidade visa incorporar a agricultura no mercado de carbono, na venda do carbono sequestrado (armazenado) em solos agrícolas. Isto não é senão propor uma agricultura adaptada às mudanças climáticas e a criação de um novo mercado. Aqui, como contraponto, vale a pena recordar o slogan da Cúpula dos Povos Frente às Mudanças Climáticas, realizada em Lima, no Peru, por ocasião da 20ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP20), em 2014, que dizia: "Vamos mudar o sistema, não o clima. "

As empresas que produzem o maior impacto sobre o planeta e violam os direitos humanos, como o direito à alimentação, patrocinam a EXPO2015.

Resta salientar que a agricultura não é um pacote tecnológico, mas é sobretudo uma base da vida e de convivência com os ciclos da natureza. Não é possível um desenvolvimento econômico e social que se assente sobre a base de uma exploração predatória do meio ambiente e dos seres. A justiça ambiental e os direitos da natureza nos desafiam a uma vida melhor.

Temos, portanto, um desafio, o da luta pela vida. A luta contra a privatização e mercantilização da natureza, da terra, da água, das sementes, da cultura e do conhecimento. Os chamados "bens comuns", da  humanidade e da natureza. O desafio de repensar a nossa relação com o planeta. Um planeta vivo, a vida comunitária, onde tudo e todos estão interligados e interdependentes. 
(2) Feenberg, Andrew. Transforming technology. A critical theory revisited. Oxford, Oxford University Press, 2002.

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