Foi oficialmente lançada nesta
quinta-feira, 18, a nova encíclica do Papa Francisco, “Laudato Si, sobre o
cuidado da casa comum”. O título, que significa “Louvado Seja”, remete ao
‘Cântico das Criaturas’ de São Francisco de Assis, religioso que inspirou o
Pontífice na escolha do seu nome.
Na encíclica o Papa se refere aos danos a "nossa casa comum", como sendo imputáveis à ganância humana, ao cinismo dos mercados, às multinacionais, às políticas míopes
e corruptas, mas também ao comportamento irresponsável fruto de uma cultura do descartável e do individualismo. Nós crescemos acreditando autorizados a saquear o planeta. O Papa nos chama à educar para uma aliança entre a humanidade e o meio ambiente, estimulando ao que pode ser chamado de "conversão ecológica". "Não haverá uma
nova relação com a natureza, sem um ser humano
novo. Não há ecologia sem uma adequada
antropologia." (118)
Em 192
páginas, o texto reflete sobre a crise ambiental como uma crise antropológica e,
que está ligada ao modelo de desenvolvimento. O Papa se refere à necessidade de
eliminar as causas estruturais de uma economia que não respeitam o ser humano e
o meio ambiente. Francisco faz um apelo aos governos e instituições, propondo
novos modos de vida.
São 246 parágrafos divididos em seis capítulos, que adicionam uma nova contribuição para a doutrina social da Igreja colocando a humanidade diante de suas responsabilidades. Alguns eixos perpassam todo texto da encíclica "Por exemplo: a relação íntima entre os
pobres e a fragilidade do planeta, a convicção de
que tudo está estreitamente interligado no mundo,
a crítica do novo paradigma e das formas de
poder que derivam da tecnologia, o convite a
procurar outras maneiras de entender a economia
e o progresso, o valor próprio de cada criatura,
o sentido humano da ecologia, a necessidade
de debates sinceros e honestos, a grave responsabilidade
da política internacional e local, a cultura
do descarte e a proposta dum novo estilo de vida.
Estes temas nunca se dão por encerrados nem se
abandonam, mas são constantemente retomados
e enriquecidos" (16).
Mesmo reconhecendo com gratidão a contribuição da
tecnologia na melhoria das condições de vida (102-103), o texto tece
uma dura crítica à tecnologia à serviço do poder economico. Considera louvável
o esforço de cientistas e técnicos "que procuram dar solução aos
problemas criados pelo ser humano. Mas, contemplando o mundo, damo-nos
conta de que este nível de intervenção humana, muitas vezes ao serviço da
finança e do consumismo, faz com que esta terra onde vivemos se torne realmente
menos rica e bela, cada vez mais limitada e cinzenta, enquanto ao mesmo tempo o
desenvolvimento da tecnologia e das ofertas de consumo continua a avançar sem
limites" (34). Critica o poder que a tecnologia dá "àqueles que detêm o conhecimento e sobretudo o poder
económico para o desfrutar, um domínio impressionante sobre o conjunto do
género humano e do mundo inteiro" (104). Se refere ao fato de que as lógicas de domínio
tecnocrático destroem a natureza e exploram as pessoas e as populações mais
vulneráveis. "O paradigma tecnocrático tende a exercer o seu
domínio também sobre a economia e a política" (109), e não permitem
reconhecer que "o mercado, por si mesmo, não garante o
desenvolvimento humano integral nem a inclusão social" (109).
A enciclica fala de uma "ecologia integral", que "integre
o lugar específico que o ser humano ocupa neste
mundo e as suas relações com a realidade que o
rodeia" (15). Uma vez que "tudo está interligado" (138), se trata de ecologia ambiental, econômica e social: "Isto impede-nos de considerar a natureza
como algo separado de nós ou como uma mera
moldura da nossa vida" (119). Indica a necessidade de buscar soluções integrais. E agrega ainda à noção de "ecologia integral" a "ecologia cultural" e a "ecologia da vida cotidiana", que envolve cada pessoa nos seus hábitos e modos de viver.
A enciclica também sugere várias ações para novas políticas internacionais, nacionais e locais. Evoca a transparência nos processos de negociação e decisão. E em relação à questão climática, denuncia que: "As negociações internacionais não podem avançar significativamente
por causa das posições dos países que
privilegiam os seus interesses nacionais sobre o
bem comum global" (169).
Prega a necessidade de se criar um consenso global: "Para enfrentar
os problemas de fundo, que não se podem resolver
com acções de países isolados, torna-se indispensável
um consenso mundial que leve, por
exemplo, a programar uma agricultura sustentável e diversificada, desenvolver formas de energia
renováveis e pouco poluidoras, fomentar uma
maior eficiência energética, promover uma gestão
mais adequada dos recursos florestais e marinhos,
garantir a todos o acesso à água potável" (164).
Faz um apelo aos que governam para que se afastem de uma lógica "eficientista e imediatista atual da economia e da
política" (181). Atesta a necessidade do diálogo nos processos decisórios: "É sempre necessário alcançar consenso entre os vários actores sociais, que
podem trazer diferentes perspectivas, soluções e
alternativas. Mas, no debate, devem ter um lugar
privilegiado os moradores locais, aqueles mesmos
que se interrogam sobre o que desejam para si e
para os seus filhos e podem ter em consideração
as finalidades que transcendem o interesse económico
imediato. É preciso abandonar a ideia de
«intervenções» sobre o meio ambiente, para dar
lugar a políticas pensadas e debatidas por todas
as partes interessadas" (183).
O texto fala de "política e economia dialogando para a plenitude da vida": "A política não deve submeter-se à economia,
e esta não deve submeter-se aos ditames e
ao paradigma eficientista da tecnocracia. Pensando
no bem comum, hoje precisamos imperiosamente
que a política e a economia, em diálogo,
se coloquem decididamente ao serviço da vida,
especialmente da vida humana. A salvação dos
bancos a todo o custo, fazendo pagar o preço à
população, sem a firme decisão de rever e reformar
o sistema inteiro, reafirma um domínio absoluto
da finança que não tem futuro e só poderá
gerar novas crises depois duma longa, custosa e
aparente cura." (189) E, reforça a doutrina social da Igreja ao repetir que "a protecção ambiental não pode ser assegurada
somente com base no cálculo financeiro
de custos e benefícios. O ambiente é um dos
bens que os mecanismos de mercado não estão
aptos a defender ou a promover adequadamente" (190).
Papa Francisco ressalta a importância do louvor, da
dimensão contemplativa, essencial para uma "educação e
espiritualidade ecológicas", uma "conversão ecologica". "Uma consciência amorosa de não
estar separado das outras criaturas, mas de formar com os outros seres do
universo uma estupenda comunhão universal. O
crente contempla o mundo, não como alguém que está fora dele, mas dentro,
reconhecendo os laços com que o Pai nos uniu a todos os seres. Além disso a
conversão ecológica, fazendo crescer as peculiares capacidades que Deus deu a
cada crente, leva-o a desenvolver a sua criatividade e entusiasmo" (220).
Importam, também, o cuidado, o bem comum a prática da
justiça, e "mudanças nos estilos de
vida" (203-208), que , "poderia
chegar a exercer uma pressão salutar sobre quantos detêm o poder político,
económico e social" (206).
São inúmeras as referências à São Francisco de Assis. Ele é "o exemplo por excelência do cuidado pelo
que é frágil e por uma ecologia integral, vivida com alegria" (10). "Nele se nota até que ponto são inseparáveis
a preocupação pela natureza, a justiça para
com os pobres, o empenhamento na sociedade e
a paz interior" (10). São recordados também São Bento, Santa Teresa de Lisieux e o Beato Charles
de Foucauld.
Chama atenção no texto as inúmeras referências e notas que o Papa Francisco faz de texto de diferentes Conferencias Episcopais de todo o mundo. Num claro sentido de colegialidade e de expressão de um magistério participativo.
A encíclica revela-se como extremamente profética, com uma linguagem simples que dialoga não só com os católicos mas com diferentes igrejas, religiões e culturas.
Cabe ainda ressaltar que o Papa Francisco faz uma justo reconhecimento aos que lutam pelas questões ambientais: "O movimento ecológico mundial já percorreu um longo e rico caminho, tendo gerado numerosas agregações de cidadãos que ajudaram na consciencialização. Infelizmente, muitos esforços na busca de soluções concretas para a crise ambiental acabam, com frequência, frustrados não só pela recusa dos poderosos, mas também pelo desinteresse dos outros. As atitudes que dificultam os caminhos de solução, mesmo entre os crentes, vão da negação do problema à indiferença, à resignação acomodada ou à confiança cega nas soluções técnicas. Precisamos de nova solidariedade universal. Como disseram os bispos da África do Sul, «são necessários os talentos e o envolvimento de todos para reparar o dano causado pelos humanos sobre a criação de Deus».Todos podemos colaborar, como instrumentos de Deus, no cuidado da criação, cada um a partir da sua cultura, experiência, iniciativas e capacidades" (14).
Frei Rodrigo de Castro Amédée Péret, ofm