Há 30 anos era brutalmente assassinado o padre Ezequiel Ramin. Ele viveu de forma concreta sua fé e opção pelos pobres. Padre Ezequiel foi vítima de uma emboscada no dia 24 de julho de 1985, quando em companhia do presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cacoal, Rondônia, ia conversar com colonos ameaçados de despejo. No caminho de volta, foi assassinado. Ezequiel era missionário comboniano, nascido em Pádua, na Itália, em 1953, chegou ao Brasil em 1º de setembro de 1983 e passou a residir em Cacoal (RO), diocese de Ji-Paraná
Defesa dos indígenas, dos posseiros e dos sem terra:
Ezequiel colocou-se ao lado da causa dos índios, dos posseiros, trabalhadores rurais sem terra. Abraçou a opção pelos pobres de forma profunda nas questões sociais e ambientais, na luta pela terra e dignidade da vida. Uma vez disse: disse: “O meu trabalho aqui é de anúncio e denúncia. Não poderia ser diferente considerando a situação do povo. Precisamos apoiar bastante os movimentos populares e as associações sindicais. A fé precisa caminhar junto com a vida...”
Estimado pelos pobres, despertou a ira dos fazendeiros e poderosos da região.
Rondônia: situação explosiva. (texto cfr. Missionários Combonianos)
Naquela época, a situação era explosiva na Rondônia. Fronteira de um novo grande projeto de colonização, acolhia pessoas aos milhares. Vinham de todo o Brasil. Chegavam carregando tudo, principalmente sonhos e esperança. O governo abria estradas, distribuía terra, incentivava o desmatamento e a produção, prometia financiamentos, dizia que aquele era o futuro e as pessoas respondiam enchendo caminhões e ônibus com poucas coisas e levando junto toda a família. Para muitos era a chance de construir algo para si e os filhos. O que era apenas mato fechado virava cidade do dia para a noite. A BR 364, ainda não asfaltada, era o corredor de entrada: 1.500 quilômetros de chão que, em épocas de chuvas, viravam passarela vermelha de buracos e atoleiros.
Quando chegou, padre Ezequiel encontrou em Rondônia um mundo em plena agitação. Uma espécie de febre colonizadora que contagiava a todos. Havia muito movimento para construir, mas também gente morrendo: de malária, de tuberculose e, sobretudo, pela falta das estruturas públicas, que sempre chegavam tarde demais. Em 1984, mais de 200 mil pessoas tinham entrado no Estado. 'O migrante chega e não encontra orientação, fica amontoado em estações rodoviárias ou em galpões de igrejas', contava o bispo de Ji-Paraná, dom Antônio Possamai, que também incentivava seus padres a oferecer ao povo o máximo de orientação e ajuda.
Era o outro lado da moeda: a terra das oportunidades era, para muitos, apenas mais um salto no vazio ou até mesmo o fim de linha. O maior de todos os problemas era o da terra. Grandes ambições e fortes interesses estavam em jogo e vinham junto com os colonos. Se os pequenos buscavam um lote para começar a plantar, havia também grupos poderosos que disputavam cada palmo de chão para garantir um lugar nas cidades que surgiam ou no Estado que se organizava. Os resultados não podiam ser outros: conflitos permanentes. Fazendeiros contra posseiros, grileiros contra pequenos agricultores, fazendeiros e madeireiras contra índios. Muitas vezes, políticos e autoridades contra o povo. Vilões eram sempre considerados os que buscavam caminhos de entendimento e de paz, especialmente os grupos organizados de pastoral da terra, taxados de não estar a serviço do evangelho, mas de interesses internacionais. A estes, porém, não passavam desapercebidas, como ao resto da sociedade, as 16 mil famílias em fila de espera que na época estavam nas listas do Incra e pelo menos as 50 mil famílias de sem-terra. Segundo o bispo de Ji-Paraná, a conseqüência de tudo aquilo era que os conflitos aumentavam cada dia em quase todos os municípios. 'O povo está cansado de esperar e, diante da ameaça da fome, começa a se organizar e a ocupar terras que ninguém cultiva', admitia com simplicidade e objetividade. Foi o que ocorreu na fazenda Catuva, uma terra grilada a cerca de 100 quilômetros de Cacoal, a cidade onde Ezequiel morava e trabalhava, que algumas famílias insistiam em querer cultivar. Diante das pressões e ameaças de fazendeiros e jagunços, ele tomou posição.
No dia 24 de julho de 1985, saiu de casa bem cedo, em companhia do presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cacoal, para trocar idéias com os colonos ameaçados de despejo. Queria que não partissem para o conflito. Achava que era necessário ter paciência e apostar no lento mas seguro caminho da negociação. Voltando para casa, o carro em que viajava foi crivado de balas. Tinha apenas 33 anos.
Pouco tempo antes, ao comentar a situação em que se encontrava, tinha desabafado em uma celebração: 'Eu sei muito bem que esta escolha vai me custar muito caro e, desde agora, aceito voluntariamente todas as conseqüências que dela vierem, quem sabe a prisão, a tortura e também a vida'. Não fugiu nem se amedrontou. Foi fiel até o fim. Como Jesus. Era exatamente isso que Comboni sempre pedia aos seus filhos e colaboradores:
'O verdadeiro apóstolo jamais recua diante dos obstáculos mais terríveis, contradições violentas, e caminha com pés firmes diante das inúmeras tribulações'.
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