Assembleia dos sem teto, região do Gloria, ocupação Elisson Prieto - MTST Uberlândia - MG |
Míope é como podemos qualificar certas investidas do Ministério Público Federal - MPF, na questão do assentamento Elisson Prieto, na região do Glória, em Uberlândia, Minas Gerais. A miopia, por definição, é um distúrbio visual que acarreta uma focalização da imagem antes desta chegar à retina. A pessoa vê objetos próximos com clareza, mas objetos mais distantes são borrados.
Quando nos conflitos por moradia, a propriedade assume uma supremacia na visão do poder judiciário, outros direitos ficam desfocados. O patrimônio se torna um valor em si mesmo w acima do valor vida. A consequência é uma formalidade jurídica que desqualifica as pessoas e comunidades que, na realidade, são vítimas do passivo de desigualdade social existente nas cidades brasileiras.
Nessa visão a formalidade jurídica privilegia a legislação processual civil em prejuízo de normativas constitucionais e da legislação do direito à moradia e à cidade, que ficam prejudicadas. Não se busca uma solução para o que originou o conflito. Impõem-se como saída uma ordem de retirada das famílias e demolição de casas cujo cumprimento demanda uso da força e da violência. A dignidade da pessoa humana deixa de ser um valor vinculante da ordem jurídica e a garantia da vida, e de vida com dignidade, saem do foco, não interessa mais. Assim os interesses patrimoniais passam a prevalecer sobre direito à moradia. Sem moradia não se pode assegurar uma existência digna.
A área do campus Glória, localizada às margens da BR-050, está ocupada há quatro anos e meio por 2.350 famílias de sem-teto e deve passar por um processo de regularização fundiária e consolidação da urbanização, já iniciada pelos sem terra. Arruamento, lotes e área reservada para equipamentos públicos, foram implantadas pelas famílias, de forma comunitária e de mutirão, sempre atenta à legislação municipal. Uma grande diversidade de casas em alvenaria, frutos das economias desses sem teto, fazem da área, mais do que um acampamento, mas um verdadeiro bairro.
Um longo processo de negociação, onde as parte envolvidas, desde a proprietária (UFU), Ministério das Cidades, Secretaria do Patrimônio da União, Governo Federal, Prefeitura e as famílias dos sem teto, vem se desenrolando ao longo desses anos, com a vontade expressa das partes, de uma solução pacífica e de regularização fundiária. Essa vontade ficou clara em duas decisões do Conselho Universitário - CONSUN, favoráveis a uma solução que contemple a moradia das famílias no local.
O próprio Ministério Público Federal, em abril de 2013, em reunião na sede da Procuradoria Geral da República, com a presença do Procurador Federal dos Direitos do Cidadão, Aurélio Rios e do Procurador da República no Município de Uberlândia, bem como do Prefeito de Uberlândia, do Reitor da UFU, de representantes da Secretaria Nacional de Habitação do Ministério das Cidades, do Ministério da Justiça, do Ministério da Educação, da Caixa Econômica Federal, de parlamentares da Câmara dos Deputados e da Câmara dos Vereadores de Uberlândia, e integrantes dos sem-teto, resultou na assinatura de acordo para solucionar a situação das famílias, com moradias populares na área.
Portanto, não houve negligencia por parte da reitoria atual e anterior da UFU. E sim um processo de negociação e de busca de solução considerando as famílias, que contou com a participação até mesmo do MPF.
No último dia 25 de maio, o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão publicou no Diário Oficial da União autorização de doação da Fazenda Capim Branco, de propriedade da União, para a UFU. A universidade terá um prazo de cinco anos para fazer uma regularização fundiária da ocupação no campus Glória.
Uma perícia realizada pela Companhia de Habitação do Estado de Minas Gerais (Cohab-MG) e homologada pela Secretaria do Patrimônio da União avaliou a Fazenda Capim Branco em R$ 44 milhões. A área do Gloria onde estão vivendo as famílias de sem teto está avaliada em R$55 milhões. Com a regularização fundiária urbana do local, as famílias irão pagar pelos lotes, o que permitirá cobrir a diferença do valor de uma área para outra, não deixando prejuízos e perdas para a UFU. As famílias irão pagar também, ao longo do tempo, nos esperados carnês, os lotes e a infraestrutura, dentro de parâmetros legais referentes a loteamentos para população de baixa renda.
Fica então uma pergunta: A que fim interessa manter o conflito e tencionar um processo que está em fase de solução pacífica? Se as partes envolvidas querem uma solução que contemple as famílias e garanta tanto a dignidade delas, bem como garanta à UFU seus direitos, porque a insistência em travar esse processo?
Em abril de 2014, o Juiz da 2ª Vara Federal de Uberlândia (MG), expediu sentença de mandado de reintegração de posse e demolição, contra todas famílias de sem teto, que lá estão morando. Os despejos de famílias que lutam pela moradia somente adiam o problema, não resolvem e impõem às famílias, mais uma humilhação, além daquela de não verem seu direito à moradia e à cidade realizados.
Acreditamos que um papel fundamental do Judiciário é o da harmonização social. O Conselho Nacional de Justiça – CNJ na Resolução n. 125 instituiu a Política Publica de Tratamento Adequado de Conflitos, trata-se de resolução com o fim de criar e organizar estruturas destinadas à promover a consecução das soluções alternativas de conflitos fundiários urbanos, com métodos consensuais de solução de conflito.
Creio que na realidade, a atitude dos reitores, ora injustamente acusados, e do CONSUN, se trata da maior e mais profunda aula de cidadania, direito, humanidade e dignidade humana, já ministrada pela UFU. Um verdadeiro exemplo de universalidade. Uma Universidade que dialoga na prática, junto com a sociedade, com os que lutam por moradia e vive e confirma os direitos humanos como universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. A valorização e promoção da dignidade da vida e da cidadania estão na base de qualquer processo educativo. A defesa da vida é o maior patrimônio que se pode ter.
Cabe aqui uma reflexão do Papa Francisco, na Encíclica Laudato Si, sobre a questão da cidade: «Como são belas as cidades que superam a desconfiança doentia e integram os que são diferentes, fazendo desta integração um novo fator de progresso! Como são encantadoras as cidades que, já no seu projeto arquitetônico, estão cheias de espaços que unem, relacionam, favorecem o reconhecimento do outro!»
Frei Rodrigo de Castro Amédée Péret, ofm
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