Leonardo Sakamoto
Um dos efeitos mais nefastos do atual
momento político do país é que uma ruptura institucional capaz de derrubar
alguém da Presidência da República gera incentivos para mais rupturas
institucionais. Isso ajuda a explicar a gigantesca cara de pau do Ministério da
Educação (MEC) em instituir uma reforma do Ensino Médio por meio de uma Medida
Provisória e não por uma longa discussão que deveria congregar Congresso
Nacional e a sociedade.
É um desrespeito e uma violência aos
milhões de profissionais que atuam em educação, aos militantes que participam
dos inúmeros fóruns e instâncias de educação no país, aos alunos que ocupam
escolas em busca de uma voz. Em resumo: a todos que não têm medo do debate – ao
contrário do governo.
Ninguém nega que debater essa etapa de
ensino é urgente. O desempenho é sofrível, o currículo é desinteressante e a
evasão, monstruosa – 1,7 milhão de jovens entre 15 e 17 anos estão fora da
escola. Faz todo o sentido intensificar discussões e buscar costurar acordos e
consensos entre atores para avançar. E isso é algo difícil de fazer no campo da
educação. Há muita gente e muitos interesses envolvidos: de alunos a pais, de
professores a diretores, de administradores públicos a políticos, passando por
gestores públicos e proprietários de instituições privadas.
Mas:
1) É
possível (os quatro anos de conferências e de tramitação no Congresso que
desembocaram no Plano Nacional de Educação são o melhor e mais recente exemplo)
e
2) É
necessário (quando se deseja viver numa democracia, claro).
Não parece ser a opção de um governo
que pretende silenciar o debate vomitando seus “cumpra-se” baixando uma medida.
O recado do novo MEC é claro: deixe o assunto para os “especialistas”. Para
saber se você se encaixa nessa categoria, um teste rápido: seu nome é Mendonça
Filho, Maria Helena Guimarães de Castro ou Rossieli Soares da Silva? Você é
amiguinho deles? Em caso de duplo “não”, sinto muito: você não tem nada a dizer
sobre Educação. A parte que te cabe, portanto, é usufruir das iluminadas
estratégias concebidas pelos educadores de gabinete.
O que se apresentou deixa margem a
muitas dúvidas. Combinaram com os russos como gastar mais no Ensino Médio se a
Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 241 vai limitar o crescimento nos
gastos correntes, ceifando novos investimentos em educação por 20 anos?
Ou como atrair professores para uma
carreira que paga R$ 2.135 por 40 horas – sendo que uma minoria consegue ter a
carga completa?
Quanto ao ensino noturno, fazer o que
com quem precisa estudar e trabalhar?
No campeonato de acochambrações, tem
espaço para tudo. Há coisas explícitas, como a dispensa de formação pedagógica
para pessoas de “notório saber”. Ah, pra que licenciatura, né? Além de
desmoralizar a formação docente, a proposta joga no lixo um punhado de leis cuja
confecção consumiu energia e milhares de horas de discussão de muita gente, da
LDB de 1996 às recém-aprovadas Diretrizes Curriculares Nacionais para a
formação do magistério.
Essa última proposta já ressuscitava
a complementação pedagógica, exigindo ao menos 1.000 horas de licenciatura para
diplomados que quisessem lecionar. Agora, nem isso.
Entre as bizarrices implícitas está a
implantação do tempo integral a fórceps. Temer disse, genericamente, que não
vai reduzir o investimento em educação, o que é uma platitude. Ensino em tempo
integral é algo que, para ser feito direito, exige mais profissionais e muuuito
mais dinheiro. Eles dizem que a introdução será progressiva e que o governo
federal vai dar uma ajuda financeira para que isso seja possível, mas apenas
nos primeiros anos. E depois? Os Estados vendem um rim para pagar a conta?
Ah, tem um outro jeito também:
entuchar mais alunos. Apesar de isso ter dado muito errado no passado, hoje se
defende que mais estudantes por turma não diminui as notas nas avaliações
externas – preocupação única dos tecnocratas. Pergunte aos professores os
efeitos de longo prazo de dar aula para 35, 40, 45 alunos. Vai ser mais fácil
encontrar boa parte deles em consultórios psiquiátricos ou em casa, de
licença-saúde por burnout – ou, em português claro, após fritar.
Mas o que realmente gostei na
solenidade de lançamento foram as interessantíssimas propostas da MP para
algumas questões essenciais:
–
Recuperação do status da carreira docente e melhoria da atratividade via
elevação salarial: cri cri cri cri… [som de grilos no escuro].
–
Capacitação de professores com base nas necessidades reais de sala de aula:
fiiiiuuuuuuu [som de bolas de feno rolando em ruas vazias, como nos filmes
sobre o Velho Oeste].
–
Definição de modelo de ensino que se pretende: ERRO 404 – Página não
encontrada.
–
Finalidade da educação no Ensino Médio: tu tu tu tu [linha ocupada, desculpe
tente mais tarde].
–
Concepção do aluno que se quer formar: O que o lápis escreveu a borracha apagou.
– E do
país que se pretende com os futuros cidadãos: ……… [desculpe, o som não se
propaga no vácuo].
Se numa democracia o jogo é jogado,
num regime de exceção quem manda muda as regras até ganhar a partida. Vale
lembrar que a Medida Provisória é um ato do presidente da República, que passa
a valer imediatamente como lei. O Congresso Nacional só é chamado a aprová-la
ou reprová-la depois. A justificativa é a urgência e a relevância do tema.
Ninguém nega a relevância do tema.
Mas a urgência parece mais uma saída impositiva, que teme o diálogo, do
que democrática, que é nele baseado.
A verdade é que, a cada dia, o Brasil
se transforma mais e mais num país de pequenos e grandes donos da bola.
FONTE: BLOG DO SAKAMOTO
Nenhum comentário:
Postar um comentário