terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Papa contra o liberalismo econômico


Em uma entrevista concedida ao jornal El PaísFrancisco mostrou-se preocupado com a América Latina e as políticas de exclusão ali aplicadas e cauteloso quando foi perguntado sobre o novo presidente norte-americano.

A reportagem é de Washington Uranga, publicada por Página/12, 23-01-2017. A tradução é de André Langer.

Em uma longa entrevista concedida ao jornal espanhol El País, o Papa Francisco mostrou-se cauteloso quando se lhe pediu uma opinião sobre o presidente dos Estados UnidosDonald Trump, assinalando que “é preciso ver o que ele vai fazer” para não cair em uma “grande imprudência”, repassou temas da política internacional, fez considerações de índole conceitual sobre questões como o “populismo” e suas diversas acepções e sobre a Teologia da Libertação, da qual resgatou aspectos positivos.

Sobre o novo presidente dos Estados Unidos, o Papa Jorge Mario Bergoglio disse que não devemos nos “assustar ou alegrar com o que vai acontecer” nem “ser profetas de calamidades ou de bem-estares que não vão acontecer” porque seria “cair em uma grande imprudência”. “Veremos”, afirmou o Papa. “Veremos o que acontece e então avaliamos. Sempre no concreto”, porque o “cristianismo, ou é concreto ou não é cristianismo”. Francisco reafirmou na ocasião que “nós perdemos muito o senso do concreto” e recordou que “outro dia, um pensador me dizia que este mundo está tão desorganizado que falta um ponto fixo. E é justamente o concreto que nos dá pontos fixos. O que você fez, o que disse, como age”. E continuando com sua postura diante da nova realidade política dos Estados Unidos finalizou dizendo que “por isso, eu, diante disso, espero e vejo”. E consultado sobre se o que Trump disse até agora já não é motivo de preocupação, o Papa reafirmou: “Eu espero. Deus me esperou por tanto tempo, com todos os meus pecados...”

Outra pergunta referida às atitudes de xenofobia e ódio em relação aos estrangeiros que existem em diversas partes do mundo e que Trump encarnou durante a sua campanha e ao assumir a presidência, permitiu ao Papa fazer uma consideração sobre “os populismos” e discernir sobre a condição “equívoca” do vocábulo. Para Bergoglio, “na América Latina o populismo tem outro significado”, diferente da ideia de quem propõe que “busquemos um salvador que nos devolva a identidade e defendamo-nos com muros, com arames farpados, com qualquer coisa, dos outros povos que podem nos tirar a identidade”. Segundo Francisco, “isso é muito grave” e por isso deu como exemplo a Alemanha em 1933: “um povo que estava naquela crise, que procurava sua identidade, e então apareceu esse líder carismático (Hitler) que prometeu dar-lhes uma identidade, e deu-lhes uma identidade distorcida e sabemos o que aconteceu”.

Sem fazer nenhuma referência direta a Trump e suas propostas o Papa manteve na entrevista concedida ao El País, que “cada país tem o direito de controlar suas fronteiras, quem entra e quem sai, e os países que estão em perigo – de terrorismo ou coisas desse tipo – têm mais direito de controlar mais, mas nenhum país tem o direito de privar seus cidadãos do diálogo com os vizinhos”.

Para Bergoglio, ao contrário, a ideia de “populismo” é diferente na América Latina e, por esse motivo, “quando ouvia falar em populismo aqui (na Europa) não entendia muito, ficava perdido, até que percebi que eram significados diferentes dependendo dos lugares”. De acordo com Francisco “ali (na América Latina, o populismo) significa o protagonismo dos povos, por exemplo, os movimentos populares. Organizam-se entre si... é outra coisa”, afirmou referindo-se precisamente a expressões políticas às quais ele mesmo, do Pontificado, deu importante apoio, estimulou e promoveu a organização nos últimos anos.

Em sua trajetória como sacerdote e bispo, Bergoglio enquadrou-se na corrente chamada “Teologia do Povo”, um de cujos principais expoentes foi o já falecido teólogo também argentino Lucio Gera. Para Emilce Cuda, coordenadora do Grupo de Trabalho CLACSO “Teologia ética e política”, o Papa Francisco encarna uma proposta dissonante no cenário da política atual partindo da base de que “para a noção de povo argentina, povo é o povo pobre trabalhador, onde o ético opera antes do político, e não é o coercitivo ou doutrinal a priori, mas que é fruto de uma prática cultural que articula a posteriori essas duas dimensões relativas ao sujeito nós-povo: a dimensão vertical com o Outro e a horizontal com o outro”. É, disse a autora, “uma ética histórica onde a noção de sujeito-indivíduo isolado como sujeito moral é deslocada pela noção de nós-povo situado” (Cuda, E., “Teología del pueblo: ¿teología de la liberación o movimiento populista?”, U. N. Arturo Jauretche).

A esta visão outros autores atribuem a proposta encarnada nos documentos de Francisco, especialmente na Evangelii Gaudium (24.11.13) onde defende: “não à economia da exclusão”, “não à nova idolatria do dinheiro”, “não a um dinheiro que governa em vez de servir”, “não à iniquidade que gera violência”.

Para Francisco, “a Teologia da Libertação foi uma coisa positiva na América Latina”, porque “teve aspectos positivos e também teve desvios, sobretudo na parte da análise marxista da realidade”.

De acordo com o Papa, “a América Latina está sofrendo os efeitos de um sistema econômico que tem no seu centro o deus dinheiro, e então [esses países] caem em políticas de fortíssima exclusão. E então se sofre muito. E evidentemente hoje em dia a América Latina está sofrendo um forte embate de liberalismo econômico forte, desse que eu condeno na Evangelii Gaudium quando digo que ‘esta economia mata’. Mata de fome, mata de falta de cultura”. Para assinalar em seguida que “a emigração não é só da África para Lampedusa ou para Lesbos. A emigração é também do Panamá para a fronteira do México com os Estados Unidos. (...) Fabricam-na para cá, para os ricos, e perdem a vida nisso. E há os que se prestam a isso”, destacou.

Referindo-se a outras questões, o Papa reiterou que a China e o Vaticano estão trabalhando de maneira conjunta e mostrou-se disposto a visitar o país asiático “quando me convidarem”. Disse que “eles sabem” (os chineses). E acrescentou que, “além disso, na China as igrejas estão cheias” e que “se pode praticar a religião na China”.

FONTE: IHU

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Rede "Igrejas e Mineração" lança site

Os grandes projetos de mineração são apresentados em nossos países como a solução para os problemas da pobreza e do subdesenvolvimento em nossas comunidades. No entanto, "não é possível encontrar na América Latina uma única comunidade que tenha saído da pobreza ou tenha melhorado significativamente os seus indicadores desenvolvimento depois que a tenha se estabelecido em seus territórios. Muito pelo contrário, com níveis mais elevados de pobreza, poluição ambiental, a destruição de formas de vida da comunidade, há também muitos sinais de degradação social e moral, violência, corrupção das autoridades e de líderes comunitários." Manifesta o pai Dario Bossi, religioso comboniano, fundador e um dos líderes da Rede e Mineração.  

Para se comunicar e tornar visíveis as ações de comunidades afetadas pela mineração, o trabalho de igrejas e agentes pastorais, assim como promover o debate em torno de temas pastorais e de ecoteologia. A rede ecumênica Igrejas e Mineração criou um atraente e educacional site, que  divulgará notícias da atualidade, artigos e reflexões sobre o cuidado e proteção da criação, avanços e progressos das comunidades na busca de alternativas para o sistema que depreda impiedosamente a irmã e mãe Terra.

Inspirado pelos ensinamentos do Papa Francisco, que na sua Encíclica "Laudato Si" convoca toda a humanidade a buscar novas alternativas de produção e novas formas de vida que garantam o cuidado da Casa Comum. A Rede e Igrejas e Mineração, se constitui como um espaço de diálogo de várias comunidades de fé, pastores, bispos, religiosos, religiosas e leigos que exercem as suas atividades pastorais acompanhando as comunidades e as populações afetadas pela mineração.

Convidamos você para visitar o site, pesquisar os vários espaços e partilhar as suas opiniões e sugestões. Não hesite em contactar e escrever para a rede: iglesiasyminería@gmail.com

Rede continental "IGLESIAS Y MINERIA"
Serviço de Coordenação Tel: +57 3176362463 +55 99 91955952 +593 99 9238054
www.facebook.com/IglesiasyMineria Twitter: @iglesiaymineria

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

A escola de samba que desafiou o agronegócio do Brasil

O Carnaval de 2017 ainda nem começou, mas já vestiu a fantasia da polêmica. Enquanto milhares de foliões começam a se cobrir de purpurina para ir atrás dos blocos do pré-Carnaval carioca, os senhores do mundo rural rugem furiosos a milhares de quilômetros daqui. A razão é o enredo da escola de samba Imperatriz Leopoldinense, que, rompendo a norma não escrita de não apresentar temas muitos espinhosos, dedicará seu desfile às tribos do Xingu, em Mato Grosso, um parque indígena do tamanho da Bélgica. Apesar de se tratar de um território indígena protegido desde 1961, o entorno do parque não para de sofrer os impactos do desmatamento ilegal, dos agrotóxicos e da megaobra da usina hidrelétrica de Belo Monte, construída no rio de mesmo nome, no Pará.

A reportagem é de María Martín, publicada por El País, 15-01-2017.

A letra do samba-enredo é uma homenagem à natureza e às tribos, e uma crítica ao homem branco que ameaça sua sobrevivência. “Jardim sagrado, o caraíba [referência ao homem branco] descobriu. / Sangra o coração do meu Brasil,/ o belo monstro [a hidrelétrica] rouba as terras dos seus filhos,/ devora as matas e seca os rios,/ tanta riqueza que a cobiça destruiu!”, diz a canção. Durante o desfile, haverá uma ala fantasiada de borrifadores de pesticida.

Os acordes caíram feito uma bomba para os poderosos representantes do agronegócio, que vestiram a carapuça e se autointitularem os salvadores de um Brasil em crise. Associações de pecuaristas, plantadores de cana e até de engenheiros agrônomos fizeram um estardalhaço em cartas públicas de repúdio. “A abordagem generalista proposta pela Imperatriz Leopoldinense sobre o produtor rural, sem separar o joio do trigo, é incorreta, injusta e inadequada, com a tendência tipicamente alarmista que é característica da linha de pensamento pseudoambientalista”, disseram os engenheiros agrônomos em sua nota. “O produtor rural brasileiro deveria ser reverenciado por estar salvando o país da bancarrota há décadas, ao representar, por sua competência, 22% do PIB e gerar 37% dos empregos do país”, acrescentaram os ofendidos em suas cartas. Outras manifestações do mundo rural foram bem menos comedidas.

Os responsáveis pela escola já nem se dão mais ao trabalho de ler os insultos que recebem desde que o enredo foi divulgado. “A polêmica deixou claro um enorme preconceito e racismo contra os índios e contra a escola”, lamenta o carnavalesco da Imperatriz, Cahê Rodrigues. “Nossa crítica se baseia no uso indevido de pesticidas que poluem rios, matam peixes e causam danos muito sérios na vida do ser humano, assim como outras agressões à natureza que levam os índios ao desespero. A escola nunca pretendeu ofender o agronegócio, foram eles que se sentiram aludidos.”

A polêmica chegou ao Congresso Nacional, onde o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO), da bancada ruralista, propôs a criação de uma comissão temática para discutir o assunto, o que incluiria convocar integrantes da escola e investigar suas fontes de financiamento. Caiado acredita que a escola “denegriu” o setor e difamou quem deveria ser enaltecido. A direção da escola disse ao El país que não há grande mistério em seus patrocinadores, já que o desfile conta apenas com verbas de incentivo da Prefeitura do Rio e da Liga das Escolas de Samba, além dos direitos de imagem pagos pela TV Globo.

O Carnaval 'chapa-branca'

A ousadia da Imperatriz é uma novidade num Carnaval que acabou sendo silenciado por seus patrocinadores, boa parte deles empresas, instituições públicas e Governos sem interesse em polemizar.

Até os anos 90, as escolas mantinham seus desfiles com o financiamento de seus beneméritos, os banqueiros do jogo do bicho, e de comerciantes das respectivas comunidades, mas, à medida que a festa foi crescendo, se tornou mais cara e impossível de ser bancada apenas com os recursos tradicionais. Entraram na passarela então os grandes patrocinadores para arcar com desfiles que, apesar da opacidade das cifras, podem chegar a custar oito milhões de reais por escola.

“As escolas sempre se caracterizaram por seu jogo de cintura e seu papel negociador para sobreviver. Num ano faziam um desfile crítico, mas isso não significava que no ano seguinte não pudessem homenagear quem tinha sido criticado anteriormente”, explica o historiador Luiz Antônio Simas. “Mas foi a partir daquela década que a visão empresarial se tornou muito mais presente”, acrescenta. A partir dos anos 90, deixou de ser obrigatório que os enredos versassem sobre assuntos da cultura nacional, e as escolas então começaram a vender seus desfiles. “Vendiam-nos a cidades com interesse turístico, que viam nos enredos uma excelente forma de se divulgar, mas também a companhias aéreas e até a empresas de laticínios. Transformaram-se em instrumentos de propaganda de massa, chapa branca”, explica Simas, coautor do livro Dicionário da História do Samba.

A tendência não passou despercebida ao público da Sapucaí. Há mais de uma década os amantes da festa mais famosa do Brasil lamentam a ausência de crítica social nos desfiles do Sambódromo. Perdeu-se a personalidade do discurso das escolas e a crítica a políticos e igrejas, bem como a denúncia dos preconceitos, das injustiças e da desigualdade social que marcam o país. “A crise criou agora uma situação em que os patrocínios começaram a cair, e as escolas voltaram a fazer enredos autorais, propostos pelo carnavalesco, e não por uma empresa. O que tampouco impede que no ano que vem a Imperatriz Leopoldinense faça um enredo a favor do agronegócio. Sempre se procurou o equilíbrio”, opina Simas.

Atualmente, o papel de denúncia acabou recaindo nas mãos e ritmos dos blocos de rua, bem menos engessados e mais irreverentes que os desfiles do Sambódromo. “O mundo rural despertou um gigante adormecido”, diz Rodrigues. “Com suas críticas eles revelaram o poder das escolas de aproveitar a festa para levantar bandeiras e tocar em assuntos polêmicos.”

FONTE:EL PAIS, IHU

domingo, 15 de janeiro de 2017

Temer nomeia grileiro para diretoria do INCRA

O novo diretor de obtenção de terras do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e presidente do PMDB de Cuiabá, Clóvis Figueiredo Cardoso, foi apontado pelo Ministério Público como parte de um esquema que fraudava a desapropriação de terras. É justamente a área que estará sob comando dele a partir da posse, na 3ª feira (10.jan). A nomeação é assinada pelo presidente Michel Temer e pelo ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha.

O novo diretor do Incra, que se tornou réu em 2008 por supostas irregularidades cometidas em sua 1ª passagem pelo órgão, diz que a ação prescreveu sem que o mérito do caso fosse julgado pela Justiça de Mato Grosso.

Cardoso é advogado e presidente do PMDB de Cuiabá (MT). Ele assume a Diretoria de Obtenção de Terras e Implantação de Projetos de Assentamento do Incra. A nomeação foi publicada na edição de 2ª feira (9.jan) do Diário Oficial da União.

O escândalo ficou conhecido no Mato Grosso como “a farra com terras da União”. Ao todo, 30 pessoas foram condenadas no caso, mas não Cardoso.

Pelo menos 7 processos de desapropriação de fazendas para a reforma agrária foram investigados à época.

Em 1 dos casos, o esquema consistiu em fraudar os limites da fazenda que seria desapropriada, para abranger também terras devolutas. Ou seja, de propriedade da União.
Em outro caso, terras desapropriadas pelo Incra foram depois vendidas a particulares por valores muito abaixo do que realmente valiam, segundo o Ministério Público.
A nomeação de Cardoso é uma indicação do deputado federal Carlos Bezerra (PMDB-MT), conforme a mídia local.

O Incra é o órgão federal responsável por desapropriar terras e destiná-las ao assentamento de pequenos agricultores, processo conhecido como reforma agrária. Foi criado em 1970 e está presente em todo o país por meio de 30 superintendências regionais. O Incra também responde pela organização e assistência aos assentamentos rurais.

OUTRO LADO
Procurado pela reportagem, o novo diretor do Incra, Cardoso, disse apenas que a ação não teve o mérito julgado e prescreveu.

O Incra disse que a nomeação de Cardoso foi aprovada pela Abin (Agência Brasileira de Inteligência), responsável por conferir os antecedentes de indicados a cargos públicos.
“Não há obstáculos à nomeação de Cardoso para o cargo. O seu nome passou pela análise da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), foi aprovado e encaminhado à Casa Civil”, disse o órgão.

O Incra também informa quais são as atribuições da diretoria que será ocupada por Cardoso:


“O Regimento Interno do Incra, em seu Artigo 79, estabelece que cabe à Diretoria de Obtenção de Terras e Implantação de Projetos de Assentamento (DT) ‘(…) coordenar, regulamentar, orientar e supervisionar as atividades de aquisição, desapropriação e incorporação de terras ao patrimônio do INCRA; as atividades de seleção de famílias, promoção do acesso à terra e criação de projetos de reforma agrária e aproveitamento sustentável do meio ambiente e dos recursos naturais nos projetos de assentamento; assim como propor, supervisionar, controlar e acompanhar a implementação de convênios, contratos e instrumentos congêneres relativos a sua área de competência.”

FONTE: REVISTA FORUM

domingo, 8 de janeiro de 2017

Mineração é a maior responsável por mortes no trabalho no mundo

Lavagem do cobre. Imagem: Fairphone / Flickr / Creative Commons
Da Carta Capital
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) considera o setor de mineração (de ferro, carvão, ouro, diamante etc) como o mais perigoso do mundo para se trabalhar atualmente. Segundo a OIT, a indústria extrativa é que mais oferece risco de acidente e até mesmo de vida, por ser a que menos oferece medidas de segurança aos trabalhadores. Além dos poucos ou inexistentes mecanismos de segurança, trabalhar em uma mina é quase garantia de ter seus direitos desrespeitados também em termos de piso salarial, jornada de trabalho e abusos físicos por parte dos empregadores.

Com isso em mente, o último texto da série “Comércio Internacional e Mão de Obra” analisará as violações aos direitos de trabalhadores no setor de mineração, ligando-as aos abusos sofridos pelos funcionários das sweatshops, tema abordado no segundo texto da série. Será abordada a situação dos trabalhadores em jazidas ao redor do mundo, analisando como muitas delas são ilegais e até mesmo controladas por facções criminosas. Por fim, este texto falará sobre qual a responsabilidade de atores internacionais para reverter o cenário e a importância de legislações trabalhistas rígidas em países em desenvolvimento.

Mortes, abusos e exploração – a vida nas jazidas
Todos os anos  importantes organizações internacionais como a ONU e a OIT, além de ONGs como a Anistia Internacional e Human Rights Watch, divulgam relatórios denunciando a situação precária dos trabalhadores em minas de carvão, minério de ferro, cobre, magnésio, manganês, prata, ouro, diamante, entre outras. Jornais também frequentemente reportam acidentes nos quais mineradores morrem ou passam dias soterrados, como o que ocorreu em uma mina de cobre em Copiapó, no Chile, em 2010.  Ou em minas de carvão na China em 2010, 2013, e 2014. A China é inclusive, a campeã mundial em acidentes em minas de carvão.

As condições nestes ambientes são desumanas. A Human Rights Watch (HRW) publicou em 2013 um relatório de cem páginas sobre o trabalho nas jazidas de ouro da Tanzânia. De acordo com o documento, a situação é calamitosa. Existem milhares de pequenas jazidas no país, em sua maioria ilegais. Sem nenhuma fiscalização, o uso de mão de obra infantil é comum e não há nenhuma proteção aos trabalhadores.
Ainda, as jazidas, em geral isoladas, fazem brotar um comércio ao seu redor, atraindo comerciantes, em sua maioria mulheres. Estas mulheres trazem consigo seus filhos, que acabam virando empregados nas jazidas. Além das péssimas condições de saneamento, elas também estão sujeitas a todo o tipo de violência, especialmente, abusos sexuais.

Nas jazidas os turnos chegam a ser de 24 horas e é comum que algum trabalhador, em geral menor de idade, sofra acidentes sérios ou até mesmo fatais. Um entrevistado de apenas 17 anos disse que sofreu uma queda em um poço fundo junto com outros dois colegas. Ele foi o único que sobreviveu. Há ainda uma enorme frequência de doenças relacionadas ao contato direto dos garimpeiros com mercúrio – um metal altamente tóxico usado para facilitar a “limpeza” do ouro. A exposição ao mercúrio por longos períodos leva a graves problemas respiratórios e, em alguns casos, ao envenenamento.
A situação na Tanzânia está longe de ser um caso isolado. Outro relatório da HRW fala sobre a situação na Eritreia, denunciando mineradoras, como a Canadense Nevsun, de promover inúmeras violações aos direitos dos trabalhadores e inclusive utilizar mão de obra forçada. O quadro se repete nas jazidas em Ghana, cujo ouro é comprado por multinacionais famosas como as suíças Metalor e Produits Artistiques Métaux Précieux. Até mesmo países em estágio mais avançado de desenvolvimento como a Turquia, enfrentam esse problema. Em 2014, um acidente matou mais de 300 pessoas em uma mina de carvão na cidade de Soma, Manisa.

Os problemas relacionados à ausência de leis rígidas e fiscalização nas jazidas não se limitam à exploração e desrespeito aos trabalhadores. A exploração desenfreada de metais também causa um enorme impacto negativo ao meio ambiente e às comunidades em torno das jazidas, como é caso de Moçambique onde está presente a empresa brasileira Vale. A falta de fiscalização também torna estes locais verdadeiros paraísos para diversas atividades ilegais como lavagem de dinheiro, tráfico humano, de drogas e de armas.

De quem é a culpa?
São tantos problemas em tantos lugares que é difícil apontar culpados. Antes de identificar responsáveis, contudo, é importante buscar entender como está estruturada a indústria extrativa e como suas empresas conseguem promover práticas tão desumanas sem sofrer punições.
Primeiramente é necessário compreender a importância da indústria extrativa para o mundo atual. Não se trata apenas de benefícios econômicos a um ou outro país, mas sim de sua importância para a população mundial. O minério de ferro, por exemplo, é a principal matéria prima para produção do aço, que por sua vez é utilizado “na produção de ferramentas, máquinas, veículos de transporte, linhas de transmissão de energia elétrica, como elemento estrutural para a construção de edifícios e casas, além de possuir uma infinidade de outras aplicações”.

O ouro, por sua vez, não é usado apenas para fazer joias. Além de sua importância econômica, esse metal é usado na aviação, na produção de diversos eletrônicos (como computadores), em áreas como medicina e odontologia, entre outras. Apesar de ser extremamente prejudicial ao meio ambiente, o carvão é usado na siderurgia, além de ser uma grande fonte de energia, em especial, em países em desenvolvimento. O gás produzido do carvão também é base para fabricação de combustível, fertilizantes, entre outros.

A ampla gama de produtos beneficiados pela indústria extrativa demonstra sua importância para o funcionamento de nosso cotidiano. Voltamos então à pergunta sobre quem são os “culpados” pelos abusos cometidos pelas empresas do setor. Os “culpados” são todos os interessados em manter reduzido o custo de extração, manuseio, transporte etc.  E quem são os interessados? Os interessados somos todos nós.
Os governos dos países onde as jazidas estão localizadas têm interesse em atrair grandes empresas, compradores e investidores para seus territórios. As multinacionais querem explorar ou comprar produtos primários a preços baixos a fim de aumentar vendas de seus produtos finais. Até mesmo os consumidores possuem interesse, uma vez que querem serviços e produtos baratos.
A “culpa”, dessa forma, não é somente de um governo ou de uma empresa, mas de todo uma cadeia produtiva que requer baixíssimos gastos com mão de obra para se manter lucrativa. Apesar de ser possível manter lucros sem cometer violações aos direitos humanos, existe pouco interesse por parte dos envolvidos para promover mudanças. Também existe pouca pressão da sociedade civil. A indústria extrativa é mais agressiva e letal que a têxtil, contudo, não se vê a mesma mobilização para promover boicotes, como no caso das sweatshops.

O segundo texto desta série, sobre as sweatshops, iniciou a discussão sobre a importância de se pressionar governos por leis rígidas e mecanismos de fiscalização ao seu cumprimento. Tal artigo argumentou que boicotes são medidas pontuais, paliativas e com efeito de curto prazo, umas vez que atingem uma empresa em particular e não as condições de trabalho no país como um todo.
Este argumento é reforçado quando observamos a indústria extrativa. Como explicado no segundo texto, trabalhadores optam por empregos em sweatshops porque a situação de uma forma geral no país é similar. As estórias relatadas nos parágrafos acima comprovam a dificuldade em encontrar um emprego onde haja condições mínimas aos funcionários.

Além de possuírem pouca eficácia no longo prazo, boicotes são difíceis de melhorar
condições de trabalho no setor de mineração. Como fazer o boicote? Deixaremos de usar carros, ônibus, bicicletas e aviões? Jogaremos fora nossos celulares, geladeiras, televisões, computadores e eletrodomésticos? Fabricaremos nossas próprias roupas (porque a exploração de trabalhadores ocorre também na produção do tecido, não somente na confecção da vestimenta em si)?
Vivemos em um mundo que se beneficia da exploração dos trabalhadores em todas as instâncias. Logo, boicotar este ou aquele produto não contribui para melhoria das condições de trabalho. Contudo, o cenário não é apocalíptico e existem muitas formas de manifestar indignação e lutar pelo respeito aos direitos humanos e trabalhistas de quem precisa deste tipo de emprego para sobreviver.
Boicotes devem ser vistos como uma medida complementar, não como a única solução para garantir direitos aos trabalhadores. Sozinhos, eles se tornam ineficazes porque atacam o sintoma e não a causa real do problema da exploração de mão de obra: a ausência de leis. No caso das sweatshops, por exemplo, empresas buscam instalar sua linha de produção em países em desenvolvimento justamente pela flexibilidade nas leis e em sua fiscalização. Logo, são estas leis que poderão fazer a diferença na vida dos trabalhadores.

Lutar por direitos em outros países parece impossível, mas não é. Organismos internacionais, como ONU, OIT, OMC e Banco Mundial possuem poder suficiente para pressionar governos de países em desenvolvimento a implementar estas leis e fiscalizá-las com seriedade. Portanto, ao invés de promover boicotes a esta ou aquela empresa, é mais interessante buscar formas de fazer estas organizações tornarem este tema uma prioridade.

Existem diversos canais (como fóruns internacionais, seminários, petições e até mesmo redes sociais) que podem ser usados para fazer governos e organizações internacionais pressionarem países em desenvolvimento a garantir direitos aos seus trabalhadores. A internet é um excelente instrumento para adquirir e disseminar informações sobre violações aos direitos humanos e também pode ser um mecanismo para promover mudanças.

FONTE: CARTA CAPITAL

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

Vale Fertilizantes vendida para a estadunidense Mosaic


Endividada, a Vale vendeu, no dia 19 de dezembro de 2016, seus ativos de fertilizantes para a multinacional norte americana Mosaic Co, por US $ 2,5 bilhões em dinheiro e ações. A transação é uma combinação de ações e dinheiro. Metade do preço será pago em dinheiro e a outra metade em novas ações, dando à Vale uma participação de 11 por cento na Mosaic e dois assentos em seu conselho.

As empresas esperam que o acordo, que exige a aprovação do CADE, regulador antitruste do Brasil, seja concluído no final de 2017.

A Vale Fertilizantes opera, no Brasil, as minas de rocha fosfática em Catalão, em Goiás; Tapira, Patos de Minas, Patrocínio e Araxá, no estado de Minas Gerais; e Cajati, em São Paulo. Possui nove plantas de processamento para a produção de nutrientes à base de fosfatado e nitrogênio, localizadas em Catalão (GO), Araxá (MG), Patos de Minas (MG), Uberaba (MG), Guará (SP), Cajati (SP) e três plantas em Cubatão (SP). E a mina de potássio de Taquari-Vassouras, em Rosário do Catete (SE).

Segundo o site da Vale: "Uma vez concluída a transação, a Vale venderá para a Mosaic: (a) os ativos de fosfatados localizados no Brasil, exceto os baseados em Cubatão; (b) a sua participação em Bayóvar, no Peru; (c) os ativos de potássio localizados no Brasil, incluindo o projeto de Carnalita; e (d) o projeto de potássio no Canadá (Kronau). A inclusão do projeto de potássio de Rio Colorado no escopo da transação está sujeita à aceitação da Mosaic após o término da due diligence". 

A Mosaic só tinha minas nos Estados Unidos e Canadá, aqui no Brasil, opera o terminal de fertilizantes da Fospar SA, no Porto de Paranaguá. Trata-se do principal porto de exportação de grãos e de descarga de fertilizantes do Brasil, respondendo por quase metade dos 20 milhões de toneladas de produtos que entram no país a cada ano. Esse terminal é especializado no recebimento de fertilizantes a granel, com capacidade de descarga de 2,4 milhões de toneladas ao ano. Em 16 de novembro de 2016, na cidade de Brasília, celebrou um contrato formal para investir US $ 42 milhões na modernização desse terminal, aumentando sua capacidade para 3 milhões de toneladas, em 2019.

Ao fechar a aquisição, a Mosaic se tornará a principal empresa de produção e distribuição de fertilizantes no Brasil, que é um dos mercados agrícolas mais importantes do mundo. A Mosaic passará a deter 12% da produção mundial de fosfato, consolidando sua liderança global. O negócio que está sendo adquirido tem capacidade para produzir 4,8 milhões de toneladas de nutrientes de culturas de fosfato acabados e 500 mil toneladas de potássio. Inclui cinco minas brasileiras de fosfato e quatro unidades de produção de químicos e fertilizantes, além de uma fábrica de potássio no Brasil.

O pano de fundo da venda: crise no setor de commodities e concentração econômica no setor do agronegócio.

Esse acordo acontece em meio à crise no setor da mineração e uma onda de concentração no mercado da indústria de sementes/biotecnologia  e da indústria química agrícola.

A Mosaic procura de ativos em fosfatados ou potássio uma vez que podem ser adquiridos em um momento em que o setor de commodities está mais fraco.

A Vale vende seus ativos de fertilizantes após anos de baixos preços de minério de ferro que jogaram para baixo seu balanço patrimonial, registrando uma perda recorde de US $ 12,1 bilhões em 2015 A Vale utilizará esses recursos da venda para reduzir a dívida líquida, que é de quase US $ 26 bilhões, de acordo com os últimos resultados trimestrais da companhia.


A Mosaic entra na onda global de concentração das indústrias de sementes/biotecnologia e produtos químicos, como a aquisição da Monsanto pela Bayer AG, em um negócio de US $ 12,9 bilhões; a Dow Chemical e a DuPont tem a intenção de se fundirem e a Syngenta concordou em ser adquirida por US $ 26 bilhões pela China National Chemical Corporation, uma estatal que vende produtos químicos agrícolas. No campo dos fertilizantes, dois dos maiores rivais da Mosaic, a canadense Agrium Inc. e a Potash Corp da Saskatchewan Inc., disseram em setembro de 2016 que planejam se juntar em um acordo de US $ 12,9 bilhões.

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Sobre o massacre de Manaus

Reflexão dos Missionários Combonianos em Manaus.
O ano de 2017 se abre à sombra de um novo massacre. Os acontecimentos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus, são mais uma bomba que estoura por acumulo de desumanidade. Estamos cultivando sementes envenenadas de violência.

“Quando a sociedade – local, nacional ou mundial – abandona na periferia uma parte de si mesma, não há programas políticos, nem forças da ordem ou serviços secretos que possam garantir indefinidamente a tranquilidade. Isto não acontece apenas porque a desigualdade social provoca a reação violenta de quantos são excluídos do sistema, mas porque o sistema social e econômico é injusto na sua raiz. Assim como o bem tende a difundir-se, assim também o mal consentido, que é a injustiça, tende a expandir a sua força nociva e a minar, silenciosamente, as bases de qualquer sistema político e social, por mais sólido que pareça. Se cada ação tem consequências, um mal embrenhado nas estruturas duma sociedade sempre contém um potencial de dissolução e de morte” (Papa Francisco, Evangelii Gaudium, 59).

Somos missionários que fazem, no dia a dia, a escolha dessas periferias. Alguns de nós trabalham diretamente ao lado dos encarcerados, de suas famílias e das famílias das suas vítimas.

Outros nos bairros à margem das grandes cidades, também em Manaus, tentam conjugar o Evangelho com a defesa dos direitos humanos e propostas de esperança para pessoas que a sociedade já está encaminhando para o descarte.
Promover a justiça, socorrer a vítima, recuperar o preso é proteger a sociedade.
Defender privilégios, alimentar a sede de vingança e segregar os condenados em contextos alienantes e desumanos é envenenar nosso próprio futuro.

Condenamos a barbárie das facções que encomendaram mais essa chacina. O primeiro apelo à não violência é para cada pessoa privada de liberdade: mesmo se amontoada nessas “fábricas de tortura que criam monstros” (Pe. Valdir Silveira), cada pessoa encarcerada tem ainda o dever de optar pela vida, gritar com dignidade e sem violência por justiça e respeito, preparar na conversão seu futuro.

Repudiamos a hipocrisia do Estado que descarrega suas responsabilidades sobre a guerra entre clãs rivais. O Brasil já foi denunciado à Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) por superlotação e denúncias de maus-tratos nas cadeias.

Há meses estava se vislumbrando a ascensão dessa onda de violência no norte do País , mas o poder público foi totalmente omisso a respeito.

Temos a quarta população carcerária do mundo e, se continuarmos nesses ritmos, em pouco mais de 50 anos um em cada 10 brasileiros estará atrás das grades. O encarceramento em massa não pode ser a solução contra a violência de nossa sociedade!

Apoiamos a Pastoral Carcerária e sua Agenda Nacional pelo Desencarceramento , com metas claras para a redução da população prisional e para fortalecer as práticas comunitárias de resolução pacífica de conflitos.

Apelamos à sociedade inteira, e aos cristãos em particular por sua missão de testemunhas da misericórdia: não vamos cair nós também na banalidade da violência, na espiral da vingança injetada pelo medo. Não sejamos cúmplices de soluções fáceis, que continuarão replicando essas cenas de morte.

“Hoje, ser verdadeiro discípulo de Jesus significa também aderir à sua proposta de não-violência. Esta, como afirmou Bento XVI, «é realista pois considera que no mundo existe demasiada violência, demasiada injustiça e, portanto, não se pode superar esta situação, exceto se lhe contrapuser algo mais de amor, algo mais de bondade. Este “algo mais” vem de Deus». E acrescentava sem hesitação: «a não-violência para os cristãos não é um mero comportamento tático, mas um modo de ser da pessoa, uma atitude de quem está tão convicto do amor de Deus e do seu poder que não tem medo de enfrentar o mal somente com as armas do amor e da verdade. O amor ao inimigo constitui o núcleo da “revolução cristã”»” (papa Francisco).

Cabe a nós uma palavra nova, corajosa, capaz de reconciliar essa sociedade a partir de estruturas mais justas e inclusivas!

Manaus, Desde as nossas periferias, 02 de janeiro de 2017