Lavagem do cobre. Imagem: Fairphone / Flickr / Creative Commons |
Da Carta Capital
A Organização
Internacional do Trabalho (OIT) considera o setor de mineração (de
ferro, carvão, ouro, diamante etc) como o mais perigoso do mundo para se
trabalhar atualmente. Segundo a OIT, a indústria extrativa é que mais oferece
risco de acidente e até mesmo de vida, por ser a que menos oferece medidas de
segurança aos trabalhadores. Além dos poucos ou inexistentes mecanismos de
segurança, trabalhar em uma mina é quase garantia de ter seus direitos
desrespeitados também em termos de piso salarial, jornada de trabalho e abusos
físicos por parte dos empregadores.
Com isso em mente, o último texto da série “Comércio
Internacional e Mão de Obra” analisará as violações aos direitos de
trabalhadores no setor de mineração, ligando-as aos abusos sofridos pelos
funcionários das sweatshops, tema abordado no segundo
texto da série. Será abordada a situação dos trabalhadores em
jazidas ao redor do mundo, analisando como muitas delas são ilegais e até mesmo
controladas por facções criminosas. Por fim, este texto falará sobre qual
a responsabilidade de atores internacionais para reverter o cenário e a
importância de legislações trabalhistas rígidas em países em desenvolvimento.
Mortes, abusos e exploração – a
vida nas jazidas
Todos
os anos importantes organizações internacionais como a ONU e a OIT, além
de ONGs como a Anistia Internacional e Human Rights Watch, divulgam relatórios
denunciando a situação precária dos trabalhadores em minas de carvão, minério
de ferro, cobre, magnésio, manganês, prata, ouro, diamante, entre outras.
Jornais também frequentemente reportam acidentes nos quais mineradores morrem
ou passam dias soterrados, como o que ocorreu em uma mina de cobre em Copiapó,
no Chile, em 2010. Ou em minas de carvão na China em 2010, 2013, e 2014. A China é inclusive, a campeã mundial em
acidentes em minas de carvão.
As condições nestes
ambientes são desumanas. A Human Rights Watch (HRW) publicou em 2013 um relatório de
cem páginas sobre o trabalho nas jazidas de ouro da Tanzânia. De acordo com o
documento, a situação é calamitosa. Existem milhares de pequenas jazidas no
país, em sua maioria ilegais. Sem nenhuma fiscalização, o uso de mão de obra
infantil é comum e não há nenhuma proteção aos trabalhadores.
Ainda, as jazidas, em
geral isoladas, fazem brotar um comércio ao seu redor, atraindo comerciantes, em
sua maioria mulheres. Estas mulheres trazem consigo seus filhos, que acabam
virando empregados nas jazidas. Além das péssimas condições de saneamento, elas
também estão sujeitas a todo o tipo de violência, especialmente, abusos
sexuais.
Nas jazidas os turnos chegam a ser de 24 horas e é comum que algum
trabalhador, em geral menor de idade, sofra acidentes sérios ou até mesmo
fatais. Um entrevistado de apenas 17 anos disse que sofreu uma queda em um poço
fundo junto com outros dois colegas. Ele foi o único que sobreviveu. Há ainda
uma enorme frequência de doenças relacionadas ao contato direto dos garimpeiros
com mercúrio – um metal altamente tóxico usado para facilitar a
“limpeza” do ouro. A exposição ao mercúrio por longos períodos leva a graves
problemas respiratórios e, em alguns casos, ao envenenamento.
A
situação na Tanzânia está longe de ser um caso isolado. Outro relatório da HRW
fala sobre a situação na Eritreia, denunciando mineradoras, como a
Canadense Nevsun, de promover inúmeras violações aos direitos dos trabalhadores
e inclusive utilizar mão de obra forçada. O quadro se repete nas jazidas em Ghana, cujo ouro é comprado por multinacionais famosas
como as suíças Metalor e Produits Artistiques Métaux Précieux. Até mesmo países
em estágio mais avançado de desenvolvimento como a Turquia, enfrentam esse problema. Em 2014, um acidente
matou mais de 300 pessoas em uma mina de carvão na cidade de Soma, Manisa.
Os
problemas relacionados à ausência de leis rígidas e fiscalização nas jazidas
não se limitam à exploração e desrespeito aos trabalhadores. A exploração
desenfreada de metais também causa um enorme impacto negativo ao meio ambiente
e às comunidades em torno das jazidas, como é caso de Moçambique onde está
presente a empresa brasileira Vale. A falta de fiscalização também torna estes locais
verdadeiros paraísos para diversas atividades ilegais como lavagem de dinheiro,
tráfico humano, de drogas e de armas.
De quem é a culpa?
São
tantos problemas em tantos lugares que é difícil apontar culpados. Antes de
identificar responsáveis, contudo, é importante buscar entender como está estruturada
a indústria extrativa e como suas empresas conseguem promover práticas tão
desumanas sem sofrer punições.
Primeiramente
é necessário compreender a importância da indústria extrativa para o mundo
atual. Não se trata apenas de benefícios econômicos a um ou outro país, mas sim
de sua importância para a população mundial. O minério de ferro, por exemplo, é a principal matéria
prima para produção do aço, que por sua vez é utilizado “na produção de
ferramentas, máquinas, veículos de transporte, linhas de transmissão de energia
elétrica, como elemento estrutural para a construção de edifícios e casas, além
de possuir uma infinidade de outras aplicações”.
O ouro, por sua vez, não é usado apenas para fazer joias.
Além de sua importância econômica, esse metal é usado na aviação, na
produção de diversos eletrônicos (como computadores), em áreas como medicina e
odontologia, entre outras. Apesar de ser extremamente prejudicial ao meio
ambiente, o carvão é
usado na siderurgia, além de ser uma grande fonte de energia, em especial, em
países em desenvolvimento. O gás produzido do carvão também é base para
fabricação de combustível, fertilizantes, entre outros.
A
ampla gama de produtos beneficiados pela indústria extrativa demonstra sua importância
para o funcionamento de nosso cotidiano. Voltamos então à pergunta sobre quem
são os “culpados” pelos abusos cometidos pelas empresas do setor. Os “culpados”
são todos os interessados em manter reduzido o custo de extração, manuseio,
transporte etc. E quem são os interessados? Os interessados somos todos
nós.
Os
governos dos países onde as jazidas estão localizadas têm interesse em atrair
grandes empresas, compradores e investidores para seus territórios. As
multinacionais querem explorar ou comprar produtos primários a preços baixos a
fim de aumentar vendas de seus produtos finais. Até mesmo os consumidores
possuem interesse, uma vez que querem serviços e produtos baratos.
A
“culpa”, dessa forma, não é somente de um governo ou de uma empresa, mas de
todo uma cadeia produtiva que requer baixíssimos gastos com mão de obra para se
manter lucrativa. Apesar de ser possível manter lucros sem cometer violações
aos direitos humanos, existe pouco interesse por parte dos envolvidos para
promover mudanças. Também existe pouca pressão da sociedade civil. A indústria
extrativa é mais agressiva e letal que a têxtil, contudo, não se vê a mesma
mobilização para promover boicotes, como no caso das sweatshops.
O segundo texto desta
série, sobre as sweatshops,
iniciou a discussão sobre a importância de se pressionar governos por leis
rígidas e mecanismos de fiscalização ao seu cumprimento. Tal artigo
argumentou que boicotes são medidas pontuais, paliativas e com efeito de curto
prazo, umas vez que atingem uma empresa em particular e não as condições de
trabalho no país como um todo.
Este
argumento é reforçado quando observamos a indústria extrativa. Como explicado
no segundo texto, trabalhadores optam por empregos em sweatshops porque a
situação de uma forma geral no país é similar. As estórias relatadas nos
parágrafos acima comprovam a dificuldade em encontrar um emprego onde haja
condições mínimas aos funcionários.
condições de trabalho no setor de mineração. Como fazer o boicote?
Deixaremos de usar carros, ônibus, bicicletas e aviões? Jogaremos fora nossos
celulares, geladeiras, televisões, computadores e eletrodomésticos?
Fabricaremos nossas próprias roupas (porque a exploração de trabalhadores
ocorre também na produção do tecido, não somente na confecção da vestimenta em
si)?
Vivemos em um mundo que se beneficia da exploração dos
trabalhadores em todas as instâncias. Logo, boicotar este ou aquele produto não
contribui para melhoria das condições de trabalho. Contudo, o cenário não é
apocalíptico e existem muitas formas de manifestar indignação e lutar pelo
respeito aos direitos humanos e trabalhistas de quem precisa deste tipo de
emprego para sobreviver.
Boicotes
devem ser vistos como uma medida complementar, não como a única solução para
garantir direitos aos trabalhadores. Sozinhos, eles se tornam ineficazes porque
atacam o sintoma e não a causa real do problema da exploração de mão de obra: a
ausência de leis. No caso das sweatshops,
por exemplo, empresas buscam instalar sua linha de produção em países em
desenvolvimento justamente pela flexibilidade nas leis e em sua fiscalização.
Logo, são estas leis que poderão fazer a diferença na vida dos trabalhadores.
Lutar
por direitos em outros países parece impossível, mas não é. Organismos
internacionais, como ONU, OIT, OMC e Banco Mundial possuem poder suficiente
para pressionar governos de países em desenvolvimento a implementar estas leis
e fiscalizá-las com seriedade. Portanto, ao invés de promover boicotes a esta
ou aquela empresa, é mais interessante buscar formas de fazer estas
organizações tornarem este tema uma prioridade.
Existem
diversos canais (como fóruns internacionais,
seminários, petições e até mesmo redes sociais) que podem ser usados para fazer
governos e organizações internacionais pressionarem países em desenvolvimento a
garantir direitos aos seus trabalhadores. A internet é um excelente instrumento
para adquirir e disseminar informações sobre violações aos direitos humanos e
também pode ser um mecanismo para promover mudanças.
FONTE: CARTA CAPITAL
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