Uma decisão de 27 de janeiro de 2017 da Justiça Federal, em Uberlândia, reafirma o caráter míope e injusto, com que a mesma trata a questão da ocupação, por famílias de sem teto, de área pertencente à Universidade Federal de Uberlândia (UFU). A determinação é: “Tendo em vista o depósito dos valores necessários para a desocupação, intime-se a Universidade Federal de Uberlândia para, no prazo de 10 (dez) dias, apresentar de forma detalhada o plano estratégico para a desocupação da área, requerendo o que entender de direito para o prosseguimento do feito.”
Essa decisão desconsidera a vontade das partes, expressa em documentos e decisões do Conselho Universitário, decreto da Presidência da República e portaria Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. A UFU, a Secretaria de Patrimônio da União, o Governo Federal (anterior e atual), o Ministério das Cidades, o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, e as famílias de Sem Teto, buscam uma solução pacífica para uma regularização fundiária que contemple quem ali está.
Insiste, ainda nessa decisão, manter o foco no despejo forçado empurrando milhares de famílias para a rua, no momento em que o entendimento, até mesmo do atual governo federal, é o de agilizar a regularização fundiária urbana em todo o país.
Não leva em conta a Medida Provisória 759 de 22 de janeiro de 2016 dispõe sobre a regularização fundiária urbana e rural. Essa MP tem como objetivo facilitar o acesso da população de baixa renda à moradia
No que diz respeito a áreas públicas, a MP 759 instituiu mecanismos para aprimorar a eficiência dos procedimentos de regularização fundiária urbana em áreas da União, suas autarquias e fundações; O sentido é de garantir a pessoas físicas de baixa renda o acesso a propriedade diretamente junto ao Registro de Imóveis com participação e cooperação da Secretaria do Patrimônio da União do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão. Por se tratar de uma medida provisória, as regras do texto já estão em vigor, e tramitam pela Câmara e pelo Senado para virar lei.
Mas o que se quer com a decisão de 27 de janeiro de 2017 é fazer vigorar uma miopia. Me explico, repetindo aqui, parte do que já escrevi, quando de uma decisão anterior no mesmo caso.
"A miopia, por definição, é um distúrbio visual que acarreta uma focalização da imagem antes desta chegar à retina. A pessoa vê objetos próximos com clareza, mas objetos mais distantes são borrados.
Quando nos conflitos por moradia, a propriedade assume uma supremacia na visão do poder judiciário, outros direitos ficam desfocados. O patrimônio se torna um valor em si mesmo e acima do valor “vida”. A consequência é uma formalidade jurídica que desqualifica as pessoas e comunidades que, na realidade, são vítimas do passivo de desigualdade social existente nas cidades brasileiras.
Nessa visão a formalidade jurídica privilegia a legislação processual civil em prejuízo de normativas constitucionais e da legislação do direito à moradia e à cidade, que ficam prejudicadas. Não se busca uma solução para o que originou o conflito. Impõem-se como saída uma ordem de retirada das famílias e demolição de casas cujo cumprimento demanda uso da força e da violência. A dignidade da pessoa humana deixa de ser um valor vinculante da ordem jurídica e a garantia da vida, e de vida com dignidade, sai do foco, não interessa mais. Assim os interesses patrimoniais passam a prevalecer sobre direito à moradia. Sem moradia não se pode assegurar uma existência digna."
Essa decisão, além de exigir, da UFU, um depósito de R$ 7.402.340, que não está claro sob que base foi calculado este valor, para realizar o despejo das famílias, força-se o desvio de recurso do MEC destinado à educação e até mesmo à saúde, basta ver a situação precária do Hospital de Clinicas. Como se não bastasse, agora, decidem por intimar uma instituição de ensino, pesquisa e extensão a detalhar um plano estratégico para despejar 2.350 famílias.
Cabe aqui reafirmar o que o Papa Francisco nos ensina: “A Bíblia lembra-nos que Deus escuta o clamor do seu povo e também eu quero voltar a unir a minha voz à vossa: terra, teto e trabalho para todos os nossos irmãos e irmãs. Digo e repito: são direitos sagrados. Vale a pena, vale a pena lutar por eles.”
Frei Rodrigo de Castro Amédée Péret, ofm
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