sábado, 29 de julho de 2017

Nota de repúdio ao programa de revitalização da Indústria Mineral

O lançamento do Programa de Revitalização da Indústria Mineral através de Medidas Provisórias é a marca antidemocrática das ações do Governo Temer. Mudar o Código da Mineração no momento de turbulência política pela qual passa o país, tratando a mineração apenas sob a ótica fiscal e administrativa, deixa claro que esta manobra faz parte do pacote de ações de desmonte da democracia e que é uma clara tentativa de buscar convencer parlamentares da bancada mineradora a votar contra o prosseguimento da denúncia da Procuradoria Geral da República (PGR) por corrupção passiva.
Tratar a mineração como se fosse apenas um setor comercial capaz de aumentar a participação no PIB, que segundo anúncio subiria de 4 para 6%, aumenta ainda mais a fragilidade de fiscalização do Estado e coloca ainda mais em risco as populações ao redor das minas, as comunidades no entorno de sua logística e o meio ambiente.
A expansão da mineração no Brasil nos últimos 15 anos tem trazido impactos significativos para as comunidades e o meio ambiente. De várias partes de nosso território ressoam denúncias de injustiças socioambientais provocadas pela mineração e sua cadeia produtiva, de transformação, escoamento e exportação. Ao mesmo tempo, os bens minerais brasileiros se esvaem por nossos portos, em uma verdadeira sangria, rumo ao exterior, reforçando o papel primário-exportador de nossa economia.
A política de expansão da extração mineral, da qual a reformulação do novo Código Mineral é um dos elementos centrais, ganhou força desde 2013, com o envio ao Congresso Nacional do Projeto de Lei 5807/2013. As organizações membros do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração travaram uma luta pela garantia de direitos das populações atingidas, dos trabalhadores e contra os impactos ambientais provocados pelo modelo mineral brasileiro e impediram a votação texto do Novo Código em dezembro de 2015. Fez parte da ação do Comitê a denúncia à imprensa que o texto do Código havia sido escrito por advogados do escritório Pinheiro Neto, que representa diversas mineradoras como a Vale S.A e a BHP Billiton e que privilegiava exclusivamente o mercado.
No anúncio do presidente realizado no dia 25 de julho do presente ano foram esquecidas as populações ao redor das minas, as impactadas pela logística de transporte, as comunidades, os povos tradicionais impactados e o meio ambiente. Que sequer foram citadas nos textos das MPs. Infelizmente, essas enormes cifras e cifrões escondem o rastro de destruição que a expansão da mineração vem deixando nos territórios. Essa política gerou desastres como o ocorrido em novembro de 2015 no distrito de Bento Rodrigues, Mariana (MG), onde 20 pessoas perderam suas vidas e mais de 600 suas casas. Até hoje os atingidos por este desastre, que incluem mais de 20 mil pessoas na Bacia do Doce, não foram indenizados pelas empresas e o Governo Federal não tomou nenhuma providência pela garantia dos seus direitos no anúncio do novo Programa. Pelo contrário. O texto na MP deixa claro que os danos ambientais e sociais provocados pela mineração, assim como o fechamento das minas é de responsabilidade exclusiva das empresas mineradoras. Mas como criar mecanismos para que a fiscalização a essas empresas seja feita de forma efetiva?
Ao transformar o DNPM em Agência Reguladora, a Agência Nacional da Mineração, sem um longo processo de concursos públicos para a ingressão de funcionários qualificados, o governo deixa claro que pouco investimento será destinado à fiscalização. O DNPM é hoje um órgão sucateado. No Estado de Minas Gerais são apenas 4 fiscais para cuidar da fiscalização de mais de 700 barragens. Criar a Agência sem a garantia de um aumento significativo do corpo de servidores que farão a fiscalização dos empreendimentos não garante um maior controle sobre do Estado sobre o setor da mineração.
Se a questão é fiscal e é necessário aumentar a arrecadação, porque o Governo não revê as leis que isentam a exportação de minérios do pagamento de ICMS, Lei Kandir, ou a Lei de isenção de Imposto de Renda para as empresas que atuam na Amazônia, entre elas todas as grandes mineradoras?
As MPs 789, 790 e 791 anunciadas de forma antidemocrática pelo governo aprofundam uma lógica de expansão mineral segundo a qual os ganhos ficam concentrados nas mãos das empresas e os danos são distribuídos aos que vivem nos territórios decorrentes dos impactos ambientais significativos e irreversíveis sobre as águas, o ar, o solo, os ecossistemas, patrimônios arqueológicos, paleontológicos, culturais e simbólicos
O aumento da Cfem por meio de mudanças na fórmula de cálculo (que passa a ser sobre o faturamento bruto e não mais o líquido) e as novas alíquotas não alterará substancialmente a condição do país de paraíso fiscal para as grandes mineradoras, todas transnacionais. Além disso, não resolverá o grave problema fiscal que hoje enfrentam os estados e a União e não reverterá o crônico desmonte do Estado e das políticas públicas. E a destinação dos recursos da Cfem não é clara em investimentos que realmente sejam de grande valia à população dos municípios dependentes da mineração. Principalmente no tocante à área da saúde, pois nestas localidades o aumento de doenças pulmonares, doenças de pele e os mais diversos tipos de cânceres é significativo. É uma irresponsabilidade promover a dependência econômica dos municípios a atividades minerais intensivas em exploração, que são capazes de em pouco tempo esgotar sua produção ao passo em que deixam como heranças irreversíveis para as atuais e futuras gerações a contaminação e depredação dos territórios, inviabilizando, inclusive, outras atividades econômicas que teriam potencial de serem socialmente justas e ambientalmente sustentáveis.
Repudiamos o Programa de Revitalização da Indústria Mineral como um caminho para a saída da crise. Repudiamos o Programa, acima de tudo, porque ele aprofundará os impactos sobre as populações ao redor dos grandes projetos, as comunidades que sofrem o impacto da sua logística, sobre a água, o solo, o ar e todo meio ambiente, além de ampliar os riscos de desastres. São necessárias mudanças na mineração brasileira, mas para isso é necessária uma ampla e democrática discussão sobre o modelo mineral do nosso país, com a ampla participação de todos os atores envolvidos e os impactados pelo setor.
Assinam a nota:
Ação Franciscana de Ecologia e Solidariedade - AFES
Associação de Defesa do Meio Ambiente de Araucária - AMAR
Associação dos Amigos de Paracatu - AMPARA
Associação de Proteção ao Meio Ambiente - APROMAC
Associação dos Povos Indígenas do Brasil - APIB
Associação Comunitária Amigos do Meio Ambiente para a Ecologia e Desenvolvimento e o Turismo Sustentáveis, Garopaba - SC.
Associação Católica Brasil - SIGNIS Brasil
Associação de Defesa e Desenvolvimento Ambiental de Ferros
Associação Pró Pouso Alegre - APPA
Abraço Guarapiranga - SP
Articulação Internacional dos Atingidos e Atingidas pela Vale
Articulação de Comunidades Negras Rurais Quilombolas - Conaq
Bicuda Ecológica - Rio de Janeiro - RJ
Brigadas Populares
Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará-CEDENPA
Centro Paulista de Estudos Geológicos - CEPEGE - USP
Centro de Estudo Integração Formação e Assessoria Rural da Zona da Mata - CEIFAR
Conselho Indigenista Missionário - CIMI
Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração
Comitê Goiano de Direitos Humanos Dom Tomás Balduino
Comissão de Assuntos Minerários - OAB-PA
Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil
Comissão Pró-Índio de São Paulo
Comissão Pastoral da Terra – CPT
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria - CTI
Confluências
Departamento Profissional Extrativo – DEPRONEX-CNTI
Espaço de Formação Assessoria e Documentação - SP
Espeleogrupo Pains -EPA
Fórum da Amazônia Oriental - FAOR
Fórum de Mudanças Climáticas e Justiça Social
FASE
Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Extrativistas de Minas Gerais – Federação dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas de Minas Gerais -URBANOS/MG
FIAN Brasil
Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas Fonasc-CBH
Greenpeace
Grupo Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade - POEMAS
Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais - GESTA-UFMG
Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente da Universidade Federal do Maranhão (GEDMMA-UFMA)
Instituto Panamericano do Ambiente e Sustentabilidade - IPAN
Instituto de Estudos Pró-Cidadania - PRÓ-CITTÀ
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas - Ibase
Instituto de Estudos Socioeconômicos - INESC
Instituto de Pesquisa e Formação Indígenas -Iepé
Justiça nos trilhos
Movimentos dos Trabalhadores sem Terra - MST
Movimento pela Soberania Popular na Mineração - MAM
Mater Nature
Marcha Mundial do Clima
Ministério da Verdade
Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB
Movimento das Mulheres Camponesas - MMC
Movimento Nacional Contra a Corrupção e pela Democracia - MNCCD
Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais - MPP
Movimento Artístico Cultural e Ambiental de Caeté - Macaca
Movimento pelas Serras e Águas de Minas - MovSAM
Movimento pela Preservação da Serra do Gandarela
Missionários combonianos
Movimento Aeroporto em Parelheiros Não!
Projeto Saúde e Alegria
Pastoral da Juventude Rural - PJR
Rede ODS Brasil
Rede de Cooperação Amazônica -RCA
SOS Serra da Piedade
SOS Clima Terra
Serviço Interfranciscano de Justiça, Paz e Ecologia - SINFRAJUPE
Toxisphera Associação de Saúde Ambiental
Via Campesina Brasil
Internacionais:
Associación Católica Latinoamericana y Caribeña de Comunicación - SIGNIS ALC
Amazon Watch
AIDC - South africa
Amadiba Crisis Committee
Agencia Latinoamericana y Caribeña de Comunicación - ALC Notícias
International Rivers
Foundation for Socio, economic rights -Swaziland
Jupic Missioneros Claretianos San José del Sur (Argentina, Chile, Paraguay y Uruguay)
Mining Affected Communities United in Action - South Africa
People’s Dialogue - Southern Africa
Rede Iglesias y Mineria
Rural Women’s Assembly - Southern Africa
Via Campesina Sudamerica
Southern Africa Green revolutionary Council - South Africa
TCOE - South Africa
Women and Land- Zimbabwe
Women and Mining - Southern Africa
Pesquisadores:
Déborah Danowski (PUC-Rio/CNPq)
Eduardo Viveiros de Castro (Museu Nacional, UFRJ/CNPq)
Helena Meidani
Horácio Antunes de Sant'Ana Júnior - Professor de Sociologia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA)
João Batista da Silva- Geógrafo
Lêda Casadei Iorio
Marijane Vieira Lisboa, Prof.Dra.Sociologia, Faculdade de Ciências Sociais, PUC-SP
Pertti Simula
Silvana Maria Gritti- Professora Associada- Unipampa- Jaguarão
Sandra Luciana Dalmagro - Professora da UFSC e Doutora em Educação
Virgínia Fontes - historiadora - UFF e Fiocruz

sexta-feira, 21 de julho de 2017

Denunciada na ONU a questão das ameaças sofridas por atingidos da Anglo American em Conceição do Mato Dentro (MG)

Neste dia 21 de julho, uma denuncia foi submetida ao Relator Especial sobre a Situação dos Defensores dos Direitos Humanos da ONU, solicitando sua intervenção urgente para proteger a vida e a integridade física de cinco defensores de direitos humanos que estão sofrendo ameaças ao se oporem junto com as comunidades, à expansão da mineração da Anglo American (projeto Minas-Rio), em Conceição do Mato Dentro, em Minas Gerias.

Os defensores de direitos humanos ameaçados são moradores da região e vivem  o mesmo drama dos outros atingidos pela operações da mineradora Anglo American. Apesar de já estarem incluídos, desde o mês de maio de 2017, no Programa de Defensores de Direitos Humanos do Estado de Minas Gerais, as ameaças continuam.

A denúncia foi elaborada pelo escritório de Franciscan International, em Genebra, que  é uma organização não governamental com status consultivo geral da ONU e pelo Serviço Interfranciscano de Justiça, Paz e Ecologia da Conferencia, da Família Franciscana do Brasil.

A situação na região de Conceição do Mato Dentro

A denuncia aponta que o desenvolvimento da terceira fase do projeto de mineração "Minas-Rio" está no centro da controvérsia que levou às ameaças dos moradores defensores dos direitos humanos. Além de um histórico de conflitos entre residentes e a Anglo American, desde 2006, quando a empresa começou a aquisição de terras para o desenvolvimento do projeto, a ameaças atuais iniciaram, em 11 de abril de 2017, após o adiamento por ordem judicial, de uma audiência pública para discutir a expansão do projeto Minas-Rio. Para obter o licenciamento para a expansão, é obrigatório que a Anglo American realize audiência com a população. O juiz suspendeu aquela audiência pública com base em deficiências na convocação da audiência e na falta de disponibilidade dos estudos de impacto ambiental. As cinco pessoas que assinaram a ação popular solicitando o cancelamento da referida audiência, em nome das comunidades atingidas, após o cancelamento da mesma, passaram a serem ameaçados e até mesmo alguns casos de agressão.

O texto da denuncia, baseado em documentos, afirma que:

“É claro que os assédios e ameaças aos defensores estão relacionados às suas atividades como opositores ao projeto mineiro Minas-Rio e, em particular, ao pedido de suspensão da audiência pública relacionada ao novo desenvolvimento do projeto. De fato, como mencionado, a tensão na comunidade aumentou depois que uma decisão judicial suspendeu a audiência.”

Uma audiência pública ocorreu finalmente em 20 de julho de 2017, em um clima de tensão. Em particular, os problemas relacionados à avaliação de impacto ambiental e ao não cumprimento de condicionantes impostas para realizar o projeto levaram o Ministério Público Federal, em 12 de julho 2017, recomendar a suspensão do processo de licenciamento.

O que se segue agora à esta denuncia


Segundo os procedimentos Após o recebimento o Relator Especial sobre a Situação dos Defensores dos Direitos Humanos faz um estudo da denúncia, solicitação mais informação, caso necessário, e então fará contato com o governo brasileiro. Esse contato será dirigido à missão diplomática do Brasil nas Nações Unidas em Genebra.

A denúncia solicita a intervenção urgente do o Relator Especial sobre a Situação dos Defensores dos Direitos Humanos da ONU, para proteger a vida e a integridade física de cinco defensores de direitos humanos que estão sofrendo ameaças no conflito com a mineradora Anglo American.

quinta-feira, 20 de julho de 2017

Luta por democracia e axé: Justiça impõe regras para cultos de Candomblé em MG

Representantes e praticantes das religiões de matriz africana realizaram um protesto, na última terça-feira (18), contra a intolerância religiosa. Vestidos de branco, eles se posicionaram em frente ao Ministério Público e pediram por respeito às tradições da cultura afro-brasileira.
O caso que culminou na manifestação diz respeito a uma imposição da Justiça de Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, que estipula dia, horário e como devem ser realizados os cultos em um terreiro de Candomblé da cidade.
De acordo com as novas regras, a casa poderia executar as atividades somente nas quartas-feiras e em um único sábado do mês, utilizando apenas um atabaque. Caso as normas não sejam cumpridas, o terreiro está sujeito a multa diária de R$ 100. O documento proíbe, inclusive, a prática de cultos silenciosos fora das datas.
O que reivindicamos é simplesmente a igualdade de tratamento. A promotoria pública foi preconceituosa, discriminatória. Pensa que é Deus e fala como, quando e a hora que podemos rezar. Estamos lutando por um direito nosso“, afirma a diretora do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira (Cenarab), Makota Celinha.
Contra a medida, uma reunião foi realizada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), com a presença do Procurador Geral de Justiça de Minas, Antônio Sérgio Tonet, do secretário de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania (Sedpac), Nilmário Miranda, e representantes das religiões de origem africana.
No encontro, Tonet e Nilmário se comprometeram a negociar a suspensão da medida. Além disso, será organizada uma audiência pública com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG) e o Ministério Público para tratar do assunto. O Cenarab também ajuizou uma ação no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) para barrar a imposição.

quarta-feira, 19 de julho de 2017

MPF/MG recomenda suspensão do processo de licenciamento de mina em Conceição de Mato Dentro

A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC/MG), órgão do Ministério Público Federal (MPF), recomendou ao Estado de Minas Gerais a imediata suspensão do processo de licenciamento do projeto de ampliação de exploração e transporte de minério de ferro da empresa Anglo American, em Conceição de Mato Dentro, região central do estado. O licenciamento é referente à instalação de lavra a céu aberto com tratamento a úmido de minério de ferro da Mina do Sapo.

O MPF também recomendou a suspensão da audiência pública marcada para o dia 20 de julho, quando deveriam ser apresentados os estudos e relatórios de impacto ambiental (EIA/Rima) relacionados ao projeto. O motivo do pedido de adiamento é o mesmo que levou o MPF a pedir o adiamento da última audiência pública que seria realizada em 11 de abril: as comunidades e entidades que fazem o acompanhamento técnico do empreendimento reivindicaram prazo maior para analisar a documentação dos impactos, bastante complexa e que soma 3 mil páginas.
Na ocasião, a audiência foi suspensa por ordem da Justiça Estadual, após uma ação popular proposta por cidadãos atingidos pela ampliação do projeto de mineração.

A recomendação foi enviada ao titular da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), Jairo José Isaac, e ao seu adjunto, Germano Luiz Gomes Vieira, além do subsecretário de Regularização Ambiental da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Anderson Silva de Aguilar.

O empreendimento da empresa Anglo American consiste na extração e transporte de minério de ferro, a partir da abertura de uma mina nas serras do Sapo e Ferrugem, construção de planta de beneficiamento nos municípios mineiros de Conceição do Mato Dentro e Alvorada de Minas, na implantação de mineroduto de 525 quilômetros e implementação de porto marítimo em Barra do Açu (RJ). Atualmente, o projeto está na etapa 3, referente à Mina do Sapo, localizada em Conceição do Mato Dentro.

Condicionantes – Para o MPF, ainda há muitas dúvidas acerca do que consta nos Estudos de Impacto Ambiental (EIA) e no Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) e principalmente sobre o efetivo cumprimento das condicionantes das fases anteriores, que ainda não foram sanadas pelas autoridades competentes. A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) ainda não apresentou nenhum elemento que possa comprovar o cumprimento de tais medidas.

Desde outubro de 2016, o MPF pede à Semad informações sobre o licenciamento e o cumprimento das condicionantes, que responde sempre com pedido de mais prazo para apresentar os dados. Na última resposta enviada, foi pedido um prazo até o dia 20 de julho, justamente o dia marcado para a audiência pública. Na resposta, o órgão informou que “a Superintendência Regional de Meio Ambiente, responsável pela análise dos processos de licenciamento do empreendimento, está finalizando a compilação dos dados requisitados pelo Ministério Público Federal”. 
Para o procurador regional dos Direitos do Cidadão em Minas Gerais, Helder Magno da Silva, essa resposta e outros elementos levantados pelo inquérito conduzido pelo MPF indicam que a Semad, através de seus diversos órgãos e agentes, está a possibilitar uma etapa do licenciamento ambiental sem que ela própria tenha compiladas as informações pertinentes ao cumprimento das condicionantes das fases anteriores e mesmo para atender os pedidos de informação do próprio MPF. “Todos têm direito de receber informações dos órgãos públicos de seu interesse, principalmente quando se trata de um empreendimento dessa magnitude e que pode afetar a vida de milhares de pessoas. É necessário que essas informações estejam à disposição de todos, inclusive do próprio MPF, para que seja possível se informar, discutir e tomar as deliberações necessárias antes de uma audiência pública”, defende o procurador.

Crime ambiental - O MPF lembra ainda que, ao não fornecer ou mesmo omitir informações sobre o processo de licenciamento ambiental, os agentes públicos podem ser responsabilizados penalmente. A Lei nº 9.605/98 (Crimes Ambientais) define em seus artigos 66 e 69-A: “fazer o funcionário público afirmação falsa ou enganosa, omitir a verdade, sonegar informações ou dados técnico-científicos em procedimentos de autorização ou de licenciamento ambiental” e “elaborar ou apresentar, no licenciamento, concessão florestal ou qualquer outro procedimento administrativo, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão”. As penas vão de “reclusão, de um a três anos, e multa” e de “reclusão, de três a seis anos, e multa”, respectivamente.

Pra ler a íntegra da recomendação, clique aqui.

FONTE: MPF
Assessoria de Comunicação Social
Ministério Público Federal em Minas Gerais
Tel.: (31) 2123.9008 / 9010
No twitter: mpf_mg

Três acampamentos do MST estão sob ataque

Ataques brutais sucessivos no campo brasileiro neste começo de semana: dois acampamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em Minas e no Pará estão enfrentando, nos últimos dias ataques de pistoleiros com proteção de tropas da Polícia Militar; um acampamento no Espírito Santo sofreu na segunda (17) um despejo violento em ação da Polícia Militar que prometia mais ações para esta terça; uma comunidade pesqueira aguarda a qualquer momento uma violenta reintegração de posse em Minas. As informações são do MST, da Comissão Pastoral da Terra (CPT) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e do Conselho Pastoral dos Pescadores-MG, também da CNBB. A brutalidade no campo brasileiro aumenta a cada dia desde o golpe. Já são 48 os assassinados em ações de pistoleiros, da PM e Polícia Civil em vários Estados, desde o início de 2017.
A reportagem é de Mauro Lopes, publicada no blog Caminho Pra Casa, 18-07-2017.
O primeiro acampamento do MST a sofrer ataque está localizado na Fazenda São José/Liberdade, em Coronel Pacheco (MG), sob ataque desde a última sexta-feira. Depois de invadirem o acampamento os pistoleiros e policiais militares atearam fogo nos arredores do acampamento na segunda, posicionando-se de armas em punho atrás do acampamento, para impedir as famílias de combaterem o fogo. As ações violentas prosseguiram nesta terça (18).
O segundo acampamento é o Hugo Chávez, localizado em Marabá (PA), que está sob ataque de pistoleiros desde o último sábado, sem que a PM interfira para conter a ação ilegal das tropas paramilitares dos fazendeiros. O primeiro ataque ao Acampamento Hugo Chávez, no Pará, começou por volta das 23 horas da noite de sábado. Uma caminhonete com homens armados passou em frente e disparou várias vezes em direção à entrada do acampamento. No domingo (16), o tiroteio recomeçou às 13 horas, quando os pistoleiros atearam fogo ao redor do acampamento e nas roças de feijão e mandioca plantadas pelas famílias. Muitas mulheres, idosos e crianças entraram em desespero na hora do ataque e passaram mal com a fumaça.
A fazenda Santa Tereza, hoje acampamento Hugo Chávez, abriga 300 famílias que produzem alimentos para consumo próprio e comercialização. O local também possui uma escola organizada pelos próprios acampados e atende cerca de 180 educandos, entre crianças, jovens e adultos. As famílias – que ocupam a área desde 8 de junho de 2014.
Na segunda (17), cerca de 200 pessoas foram até o acampamento a fim de prestar solidariedade às famílias o MST. Fazem parte da delegação professores e alunos da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), Comissão Pastoral da Terra (CPT) e vários sindicatos de trabalhadores. Pela manhã fizeram uma visita nas áreas de roça onde os pistoleiros atearam fogo e conversaram com as famílias. Mesmo com a chegada da delegação os pistoleiros ainda transitam nesta terça pela estrada, a fim de intimidar qualquer ação de ajuda às famílias.
O terceiro acampamento a sofrer ações violentas localiza-se em Conceição da Barra, no Espírito Santo. Os acampados, que transformaram um canavial abandonado em 50 hectares de produção saudável de alimentos, viram suas casas e lavouras serem destruídas por tratores e pela tropa de choque.
“O Estado disponibilizou cavalaria, tropa de choque, helicóptero, ambulância, hospital, delegacia, tratores e caminhões para despejar as famílias. Funcionários do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) levaram um rolo de lona para cobrir o que sobrou dos barracos destruídos pelos tratores e pelo fogo”, denunciou Adelson Lima, da direção estadual do MST. As famílias desabrigadas ainda se submeteram a situação desumana à mercê da chuva, que molhou móveis e roupas.
Com a desfiguração do acampamento, as famílias se deslocaram para uma área quilombola próximo à região, onde foram solidariamente acolhidas pela comunidade tradicional enquanto se reorganizam para a luta. Outros despejos estavam previstos para esta terça.

As 45 famílias de baixa renda da Comunidade Tradicional Pesqueira e Vazanteira de Canabrava, situada às margens do Rio São Francisco, no município de Buritizeiro (MG) estão em pânico. Também nesta terça, o comandante da Polícia Militar de Minas Gerais, coronel Hélbert Figueró, subordinado ao govenador Fernando Pimentel (PT), autorizou o cumprimento da ordem de reintegração de posse expedida por um juiz da Vara Agrária, Pedro Fiúza, contra as famílias.
O caso u ainda mais escandaloso, pois a Comunidade sequer reivindica a área da fazenda, um grande latifúndio improdutivo, mas exclusivamente a área de domínio da União onde se localiza. A Mesa Negociadora das Ocupações do Estado, que vinha construindo um acordo para solucionar de forma pacífica e justa o conflito, está sendo desrespeitada pela operação policial. O Judiciário, a PM e o governo de Minas irão colocar em situação de fome famílias que retiram seu sustento do trabalho produtivo na vazante e da pesca.
FONTE: IHU, CAMINHO PRA CASA

domingo, 16 de julho de 2017

Líder quilombola da Bahia é o 47º trabalhador rural assassinado neste ano

Educador popular, defensor da agroecologia, militante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) e morador da Comunidade Quilombola de Jiboia, município de Antônio Gonçalves, na Bahia, José Raimundo Mota de Souza Júnior foi assassinado na tarde desta quinta-feira (13).
Júnior do MPA, como era conhecido, foi morto a tiros enquanto trabalhava no campo com um irmão e um sobrinho, que conseguiram escapar com vida. De acordo com vizinhos, os assassinos o procuraram primeiro em sua casa, e depois seguiram para a roça.
O corpo foi levado ao Instituto Médico Legal (IML) em Juazeiro, para exames de balística, e será velado na tarde de hoje. Para lideranças locais e do MPA, trata-se de repressão à luta e à organização. Há pouco mais de um ano, João Bigode, outra liderança do movimento na região, foi assassinado a balas.
Júnior do MPA é o 47º trabalhador rural assassinado nos primeiros sete meses de 2017. De acordo com a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a tendência é que o ano entre para a história como dos mais violentos para os trabalhadores camponeses.
Conforme estatísticas da Comissão, compiladas desde 1990, o ano mais violento foi 2003, com 73 assassinatos. De 2004 a 2014, o número não havia ultrapassado a marca anual de 39 mortes, mas voltou a aumentar em 2015, quando foram assassinados 50 camponeses. No ano passado, foram 61.
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) Centro Norte, Diocese de Bonfim, no estado da Bahia, divulgou nota de repúdio.
Confira:
“Ouço o sangue do seu irmão, clamando da terra por mim” (Gênesis 4, 10)
No atual contexto de aumento significativo da violência no Campo, é com profundo pesar e indignação que a Comissão Pastoral da Terra Centro Norte, Diocese de Bonfim, na Bahia, vem através desta denunciar o brutal assassinato do jovem militante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), José Raimundo Mota de Souza Junior, 38 anos, casado, filho caçula de uma família de dez irmãos, da comunidade quilombola Jibóia, município de Antonio Gonçalves, Bahia.
De acordo com familiares, ontem (13/07/2017), por volta das 16h, enquanto Junior trabalhava na roça junto com um dos seus irmãos e sobrinhos que se encontravam mais distantes, foram surpreendidos por um carro preto com quatro homens armados que já desceram atirando em Junior. Ao mesmo teve a cabeça esmagada, sendo atingido por mais de dez tiros, enquanto seu irmão foi agredido com socos, sendo obrigado a se deitar no chão, pisoteado na cabeça, sob ameaça de também ser morto caso se movesse. Segundo informações, os assassinos saíram atirando para cima e fugiram com tranquilidade.
Junior compunha a coordenação estadual do Movimento dos Pequenos Agricultores na Bahia, participou do Curso de Formação Liderar e de Juristas Leigos, contribuindo há anos com a luta pela regularização do território quilombola da sua comunidade.
Após o assassinato de “João Bigode”, comunidade quilombola de Santana, também no município de Antônio Gonçalves, no dia 15 de abril do ano passado, Junior ficou um pouco afastado das atividades do movimento, se dedicando mais ao trabalho na roça e a luta da comunidade.
Os familiares estão aguardando a liberação do corpo para definir o horário do sepultamento.
Que Deus conforte os familiares, amigos, companheiros e companheiras de luta.
Por este jovem lutador do povo ceifado cruelmente e por tantos outros(as) mártires da terra, clamamos por justiça e até que isso ocorra, não haverá nenhum momento de silêncio.
Exigimos das autoridades responsáveis medidas urgentes para investigação de mais este crime e punição dos culpados!
Comissão Pastoral da Terra Centro Norte, Diocese de Bonfim-BA.
Senhor do Bonfim-BA, 13 de julho de 2017
FONTE: REDE BRASIL ATUAL

sexta-feira, 14 de julho de 2017

Xadrez do início de uma nova campanha histórica, por Luis Nassif

Peça 1 – o julgamento de Lula
O ponto central da acusação de Sérgio Moro contra Lula é relativamente simples (mencionei acusação de Sérgio Moro devido ao fato de ele ter se comportado como acusador, não como juiz)
Tese 1 - Lula ganhou um apartamento (ou a reforma dele) da OAS.
Tese 2 – Houve uma contrapartida em vantagens para a OAS.
Tese 3 – Como o apartamento não está em nome de Lula, mas da OAS, então se tem um caso de lavagem de apartamento ops, de dinheiro.
Tese 1 - Sobre o presente da OAS a Lula
O mínimo a ser apresentado por Sérgio Moro deveria ser a prova cabal de que o apartamento é, de fato, de Lula. Moro apresentou uma montanha de documentos mostrando aparente interesse do casal Lula pelo apartamento. E ficou nisso.
Há uma versão de Lula, consistente, e que teria que ser derrubada para a condenação.
1. Dona Marise adquiriu uma cota do edifício, através da Bancoop, a cooperativa dos bancários, muito antes da OAS assumir o empreendimento.
2. A Bancoop entrou em crise e o empreendimento foi transferido para a OAS. Dona Marise manteve as cotas.
3. A OAS fez reformas no apartamento e ofereceu a dona Marise.
4. Lula viu o apartamento, não gostou e desistiu. Dona Marise entrou com pedido de devolução do seu dinheiro.
Há várias hipóteses verossímeis para o item 3
Hipótese 1 – interessava à OAS ter um ex-presidente como condômino, porque imediatamente valorizaria as demais unidades à venda.
Hipótese 2 – quis fazer um agrado a Lula, até então o político mais popular do planeta.
Em relação ao item 4, podem-se aventar várias hipóteses:

Hipótese 1 – Lula viu o apartamento, não gostou e desistiu. A mídia jamais divulgou imagens internas do apartamento, porque sua simplicidade comprometeria a gravidade da acusação.
Hipótese 2 – Estava tudo acertado, mas o vazamento do caso para a mídia fez Lula recuar.
É possível que seja verdade? É. É possível que seja falso? Também é. É por isso que o direito civilizado consagra a máxima: in dubio pro reo. Ou seja, a dúvida opera em favor do réu. Se há várias versões, e a acusação não consegue comprovar a sua versão, não há como condenar o réu.
De qualquer modo, ao não se efetivar a venda (ou transferência) não houve crime. Não existe o crime de intenção.
É significativa a maneira, nessa quinta, como se pronunciaram os juristas, mesmo caçados com lupa pela mídia. No máximo ousaram discutir aspectos secundários, como a dosimetria da pena, ou as justificativas de Moro para a não prisão de Lula..
Em relação ao mérito, o pouco que se viu precisou recorrer a malabarismos a altura de Houdini, o mágico:
Leia esse primor, publicado na Folha
Em geral, quem ocupa altos escalões da administração pública ou de empresas toma cuidados redobrados para não deixar digitais.
É muito difícil que um empresário corrupto fale explicitamente ou troque mensagens sobre vantagens ilegais com agentes públicos graduados.
Como disse um ex-dirigente de uma grande companhia pagadora de propinas, isso é considerado até "deselegante" por essas pessoas.
Para quê a OAS daria um apartamento para Lula? Evidentemente, para ser usufruído. Se fosse apenas pelo valor, bastaria depositar o dinheiro em uma offshore. O dinheiro transitaria por várias contas e Lula poderia comprar o apartamento que quisesse, onde quisesse. Quando o chefão saca do seu cartão de crédito, ninguém comete a “delegância” de perguntar sobre a origem da grana.
Mas, segundo a acusação, a OAS pagou em espécie: o triplex. Para usufruir do apartamento, Lula teria que ir até o apartamento, usar o apartamento quando fosse à praia, se expor aos vizinhos e à imprensa. 
A não ser que se imaginasse que o apartamento pudesse ser guardado em um escaninho do escritório da Mossak Fonseca, que a Polícia Federal invadiu atrás de provas contra Lula, encontrou contas da família Marinho e amoitou porque porém, contudo, todavia, há limites para o exercício da coragem.
Todas as provas documentais apresentadas por Moro comprovam que o casal Lula, em algum momento, teve a posse de cotas do edifício, antes da OAS entrar, acompanhou reformas que ocorreram, os executivos da OAS preparavam o apartamento para o casal e... acabam por aí. Não há uma mísera prova de que houve a transferência final do apartamento para Lula.
Tese 2 – a prova do suborno
Sem conseguir provar a primeira tese, o indômito Moro parte para a segunda: a contrapartida. Ou seja, apontar o contrato conquistado pela OAS em troca do tal triplex.
Em uma das gestões da prefeitura de São Paulo, correu o boato de que o prefeito teria sido alvo de uma proposta de suborno de R$ 15 milhões, devidamente recusada. Tudo para que não levasse adiante a proposta de só autorizar a fiscalização de poluição para carros com mais de três anos de vida.
Por aí se percebe a desproporção entre o “preço” da corrupção de um prefeito (em cima de um contrato menor) e as possibilidades ao alcance de um presidente corrupto. Só a proposta da JBS para o representante de Michel Temer acenava com a possibilidade de R$ 500 mil semanais por 20 anos. 54 x 500.000 x 20 = 540.000.000 
Mesmo que Lula fosse “baratinho”, ainda assim o juiz teria que identificar qual contrato foi obtido pela OAS em troca do tal triplex. 
Confira essa segunda pérola, no artigo do especialista à Folha, para demonstrar como Moro é um sujeito ladino, que apanhou Lula em uma pergunta-armadilha:
Moro perguntou se a palavra final sobre a indicação de diretores da Petrobras para aprovação pelo conselho da estatal era da Presidência da República.
Lula respondeu bem ao seu estilo: "Era, porque senão não precisava ter presidente".
Lembra uma cena de um velho programa de humor da finada TV Tupi, com Walter D’Ávila fazendo o seu Explicadinho, que só fazia perguntas óbvias porque queria entender “nos mínimos detalhes”.
Para superar a falta de provas, Moro desenvolve, então, a teoria do fato à pururuca – que reza que, em qualquer hipótese, um chefe de partido contrário ao juiz sempre será responsável por todos os atos praticadas por seus subordinados.
Moro ressuscita um dos clássicos do direito brasileiro, que ele, como assessor colocou na pena da Ministra Rosa Weber, na AP 470: quanto mais alto na hierarquia do crime, mas difícil conseguir a prova dos crimes da pessoa; logo, a ausência de provas sobre fulano é a comprovação de que ele está no ponto mais alto da hierarquia do crime.
Tese 3 – o destino do dinheiro
Moro não conseguiu comprovar que o apartamento foi transferido para Lula.
Em países anglo-saxões, desses que cultivam essa coisa sem-graça, limitativa da criatividade, chamada de lógica, se concluiria que se a prova do crime era a transferência do bem para o réu e se o juiz não conseguiu comprovar a transferência do bem para o réu, logo ele não conseguiu comprovar a culpa do réu. 
O realismo fantástico curitibano produziu um segundo clássico do direito: se não consigo comprovar a propriedade do apartamento, então houve lavagem de apartamento ops, de dinheiro.
É o primeiro caso de lavagem de apartamento da história. 
Sabe-se da existência de dinheiro lavado, ou seja, colocado em nome de um offshore para ocultar o verdadeiro proprietário. Mas lá no paraíso fiscal, há um registro em cartório dizendo que a offshore é do malandro. Depois, o malandro pode internalizar dinheiro em nome da offshore e adquirir bens que, aqui, serão da offshore mas, lá, no final da linha, serão do malandro que é dono da offshore. A família Serra é especialista nisso.
O fantástico juiz Moro conseguiu criar a figura jurídica da lavagem de apartamento sem transferência do bem e sem a existência de uma offshore.
Peça 2 – o papel do TRF4
Há três possibilidades, no julgamento de Lula em segunda instância.
Possibilidade 1 – a confirmação da sentença
O eventual endosso do TRF4 a Moro seria, na prática, convalidar o primeiro caso de condenação sem prova da história do Judiciário. Significaria uma mancha indelével na biografia de cada desembargador.
Possibilidade 2 – redução da sentença mas inabilitação política de Lula
Reduz-se a sentença significativamente, mas mantém-se a condenação. Bastará para Lula não poder se candidatar mais.
Possibilidade 3 – revogação da sentença
Devolverá ao Judiciário o papel de guardião da legalidade. Mas tem mais em jogo, talvez a própria dignidade do Judiciário.
Ontem mesmo a Globo deu início ao seu jogo predileto: praticar uma chantagem inicialmente discreta, expondo cada um dos magistrados que analisarão os recursos da defesa de Moro 
esperando, como efeito, as pressões de colegas e familiares sobre eles.
Os recalcitrantes, mais à frente, receberão tratamentos mais drásticos, como as que expuseram o Ministro Ricardo Lewandowski a escrachos em aeroportos.
Mas, hoje em dia, o clima é outro. Não será fácil para o grupo que colocou Temer no poder deflagrar outra ofensiva de assassinatos de reputação.
Peça 3 – o fim da Lava Jato
O julgamento de Lula em segunda instância ocorrerá em pleno período eleitoral, insuflando os ânimos. Mas sem a Lava Jato, como foi conhecida até agora. O fator Moro turbinado a Globo se encerra ai.
Do lado da nova Procuradora Geral, Raquel Dodge, o movimento lógico será ampliar os quadros da operação. Significará conferir mais profissionalismo às investigações e, ao mesmo tempo, diluir a influência deletéria dos atuais titulares.
Do lado da Polícia Federal, já houve a dissolução do grupo de delegados, com os trabalhos sendo assumidos pela PF como um todo.
Desmontam-se, assim, as condições que permitiram a politização, o protagonismo excessivo e a contaminação da imagem da PF e do MPF.
Peça 4 – o jogo político
Entra-se, a partir de agora, em um embate decisivo para o futuro da democracia em nosso país. Ousaria dizer que há semelhanças emocionantes com o início das diretas. Em ambos os casos, está em jogo o futuro da democracia brasileira.
O primeiro round será o julgamento de Lula pelo TRF4. Nele, a Globo jogará todas suas forças. Como consequência, se exporá mais ainda, como a Força, um poder incompatível com um regime democrático.
Os desembargadores do TRF4 terão, pela frente, o maior desafio da sua vida. Não se trata meramente de absolver ou condenar Lula, mas demonstrar até que ponto pautam sua conduta pelos princípios jurídicos, pelo primado da lei. Até que ponto colocarão o respeito à sua profissão acima do temor natural que a Globo infunde.
Por outro lado, paradoxalmente, quanto maiores os abusos cometidos nesse julgamento, maior já tem sido a reação. Em outros tempos, havia a facilidade do discurso único escondendo argumentos contrários, impedindo o contraponto. Hoje em dia, não. Há uma enorme polarização nas redes sociais, mas também um período de ampla informação. 
A Lava Jato caiu na sua própria armadilha.
Na fase inicial, decidiu escancarar cada passo, em um momento em que tinha o controle absoluto sobre o processo, porque na fase de coleta de provas. Cada passo do inquérito era reaplicado pelos jornais, como se fosse a verdade definitiva.
À medida em que o tempo foi passando, os inquéritos se avolumando, começaram a aparecer as contestações da defesa. E um público mais antenado passou a recolher argumentos de lado a lado, comparando argumentos, entendendo as peculiaridades do processo penal e, finalmente, começando a fazer juízo de valor.
Nos últimos meses, a parcialidade da tropa de Moro foi esmiuçada, diariamente exposta pelo trabalho pertinaz dos advogados de Lula. Eram chuviscos diários de episódios regando os cérebros do público, até que começasse a brotar, mesmo nos mais leigos, o discernimento sobre os pontos centrais da denúncia, a serem analisados.
A opinião pública mais informada aprendeu a diferenciar a delação pura e simples daquela acompanhada de provas; percebeu que, para gozar do dinheiro roubado, bastava os delatores tratarem de implicar Lula; deu-se conta de que nenhuma delação veio acompanhada de provas. 
Com acesso à Lava Jato, jornalões traziam as matérias. E os portais e blogs independentes faziam o filtro, colocando lentes de aumento nos detalhes significativos, que a cobertura da velha mídia deixava escapar.
É impossível fazer jornalismo sem um mínimo de legitimidade. Será impossível, até para a disciplinadíssima tropa de jornalistas do Globo, que aderem instantaneamente, com a fé cega dos crentes, a qualquer mudança de ventos do grupo, abraçar a causa.
O último ato de Moro é o primeiro de uma luta cívica que poderá ser tão memorável quanto as diretas, ambas em defesa da democracia.

FONTE: GGN