quinta-feira, 21 de outubro de 2021

Comissão de Ecologia Integral e Mineração da CNBB: pela responsabilização do crime da Vale em Brumadinho

Brasília, 21 de outubro de 2021.

“Buscai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça” (Mt 6, 33)

A Comissão de Ecologia Integral e Mineração da CNBB, por meio da Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário (RENSER), da Arquidiocese de Belo Horizonte, levanta sua voz neste momento, mais uma vez, para exigir justiça e responsabilização pelo crime do rompimento da barragem em Brumadinho, fazendo valer a verdade. 

19 de outubro de 2021. No dia em que se completaram 998 dias de uma das maiores tragédias ambientais e humanitárias da nossa história, a sensação de impunidade e de perpetuação das injustiças se reforçou em Brumadinho: a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou a ação penal que tramitava perante a Justiça estadual mineira da comarca de Brumadinho. 

A denúncia, oferecida pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais e recebida pelo juízo da 2ª Vara Cível, Criminal e da Execução Penal da Comarca de Brumadinho/MG no início do ano de 2020, envolvia acusações contra 18 réus pelo cometimento não só de crimes ambientais, mas também pelo crime de homicídio doloso qualificado por 270 vezes. Todavia, mesmo após um ano e oito meses de tramitação na Justiça estadual mineira, a ação penal terá que ser reiniciada. 

De acordo com a decisão proferida pelo STJ, haveria interesse da União Federal no processo criminal, na medida em que os fatos descritos na denúncia estariam ligados, entre outros aspectos, às atribuições da Agência Nacional de Mineração (ANM) e aos danos causados aos sítios arqueológicos existentes na região. Embora haja a possibilidade de se recorrer da decisão, o fato é que, segundo entendimento da Sexta Turma do STJ, a competência para processar e julgar os crimes relacionados ao rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão seria da Justiça Federal, o que afastaria a competência da Justiça estadual mineira para processar e julgar o caso.

Em linhas gerais, isso significa que uma nova decisão sobre a denúncia deverá ser proferida pelo juiz federal. A ação penal, portanto, teria que começar novamente. Do zero. Não necessariamente pelos mesmos crimes. Não necessariamente com os mesmos réus. Diversos atos processuais serão perdidos. O acompanhamento e a visibilidade do processo criminal certamente serão comprometidos, dificultando o acesso das pessoas que deveriam ser as protagonistas dessa luta por justiça: os(as) moradores(as) de Brumadinho.

O 2º maior desastre industrial do século e o maior acidente de trabalho da história do Brasil aconteceu em terras mineiras. Em Brumadinho, está a história daqueles(as) que clamam por justiça e por reparação integral. É neste território, ainda tão ameaçado por uma série de violações de direitos, que se encontra a resistência de um povo que grita pelos seus colegas de trabalho, pelos seus pais, por suas mães, por seus irmãos e irmãs, pelos seus filhos e filhas, pelos seus familiares, pelos seus amigos e por aqueles que sequer tiveram o direito de nascer. Onde estará a justiça?

Mas, como nos ensina Paulo Freire, “é preciso ter esperança, mas ter esperança do verbo esperançar; porque tem gente que tem esperança do verbo esperar. Esperançar é se levantar”. ESPERANÇAR é reunir forças para subverter a sistemática predatória das empresas mineradoras, que escolhem colocar o lucro acima das vidas. ESPERANÇAR é abraçar a luta, para que tragédias como essa não se repitam mais.

Brumadinho: 25 é todo dia.

Dom Sebastião Duarte

Presidente da Comissão Especial para a Ecologia Integral e Mineração da CNBB


Dom Vicente de Paula Ferreira

Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte,

Referencial da Região Episcopal Nossa Senhora do Rosário


terça-feira, 19 de outubro de 2021

Padres comunistas (por Frei Sérgio Antônio Görgen)

 

Continuarei frade engajado nas lutas sociais em defesa dos desprotegidos, excluídos e explorados e anti-capitalista. Para evitar ser crucificado com esta acusação no tribunal das novas mídias pensei numa fortificada linha de defesa: vou me ancorar na Bíblia

Frei Sérgio Antônio Görgen ofm (*)

Nos idos dos anos 80 do século passado fui muitas vezes achacado com esta consigna “padre comunista”.

Mais recentemente fui batizado de “frei melancia”. Diz que é “ecologista”, mas é mesmo “comunista”: verde por fora, vermelho por dentro. 

Nos mesmos idos de 80 recebi duas cartas ameaçadoras do CCC – Comando de Caça aos Comunistas. Ameaçavam me esfolar e até eliminar caso não me convertesse ao que achavam ser o “verdadeiro” cristianismo. Nunca me tiraram um único minuto de sono. 

Não pensei que este besteirol um dia voltasse. Pois não é que voltou! Qualquer frase solta que fale em libertação, defesa de direitos, anti-fascismo, sociedade solidária, já vem a pecha: padre comunista.

Embora vivendo a vocação de simples frade, consagrado e não ordenado, pelo fato de estar há muitos anos com “sem terra”, camponeses, pequenos agricultores, indígenas, quilombolas, pescadores, defendendo suas causas e lutando por distribuição de terras e rendas, estou no rol dos ditos cujos e, inclusive, me promovem a “padre”.

Nem hoje me tiram o sono. Sei a fé que abracei.

Mas me imaginei num tribunal inquisidor formado por católicos tradicionais, rançosos e raivosos, enfeitiçados pelo bolsonarismo, convencidos até à medula da autenticidade pura e única de sua religião medieval pintada de nova com o uso das modernas redes sociais. 

Para evitar ser crucificado com esta acusação no tribunal das novas mídias pensei numa fortificada linha de defesa: vou me ancorar na Bíblia. 

Aí comecei a perceber que minha defesa tem vários furos e fiquei com medo de ser, mesmo com tão poderosa defesa, condenado. 

Então resolvi tomar uma providencial providência: vou rasgar da Bíblia os textos que podem me condenar. 

Comecei rasgando os 4 primeiros capítulos dos Atos dos Apóstolos. Aquelas partes que dizem que “os cristãos tinham tudo em comum e não havia necessitados entre eles” e “vendiam os seus bens e colocavam o valor aos pés dos apóstolos” para repartir com os necessitados, poderiam me condenar. E ainda o apóstolo Pedro dizendo que “Deus não faz distinção de pessoas” … Nossa! Comunismo puro. 

Depois arranquei a Carta de Tiago inteira. Aquela mania de São Tiago em dizer que “a fé sem obras é morta” e que “ricos, vossa riqueza apodreceu” e “os gritos dos ceifadores de quem vocês tiraram o salário chegaram aos ouvidos de Deus”. Preocupante. Inútil para minha defesa. 

Depois comecei a dar uma repassada nos Evangelhos. Fiquei preocupadíssimo com o Cântico de Maria, no Evangelho de Lucas. Nossa Senhora rezando que Deus “vai derrubar os poderosos de seus tronos e exaltar os humildes, saciar os famintos e despedir os ricos de mãos vazias”. PelamordeDeus. Rasguei na hora. Além de me condenar, poderia atrapalhar muitos inescrupulosos que usam as devoções marianas do povo simples para ajuntar dinheiro e falar mal do Papa Francisco e da Igreja comprometida com os pobres, em nome de Nossa Senhora. 

Rasguei também a parábola do rico comilão e do pobre Lázaro. Rasguei e queimei, para não deixar vestígios, a passagem dos trabalhadores desempregados na praça que receberam o mesmo valor dos contratados mais cedo, pois podem interpretar “de cada um conforme sua capacidade e a cada um conforme sua necessidade”; também aquelas em que Jesus distribui pães e peixes às multidões famintas; eliminei todas onde Ele convida doentes, coxos, mendigos, pobres, abandonados para o banquete do Reino para o qual os “bem de vida”, convidados, recusaram; destruí várias em que Jesus diz “vai, vende o que tens, dá aos pobres e depois vem e segue-me”; aquelas do camelo passando pelo buraco da agulha antes de ricaços aceitarem o Reino de Deus… Credo. Comunismo puro na mente desta gente cega de ódio.

Arranquei também o Pai Nosso. Vai que atentem que o Mestre ensinou a orar pela vinda do Reino e pelo cumprimento de Sua vontade “assim na terra como no céu”. Esta coisa do Reino na terra, aqui neste mundo, não, não, não. “O meu Reino não é deste mundo”. Esta é a interpretação correta. Reino também neste mundo, é Teologia da Libertação. E TdL é comunismo. E depois aquela parte de pedir “o pão nosso de cada dia”, nem pensar. Comida para todos é coisa de comunista. Para evitar problemas, rasguei. 

A expulsão dos vendilhões do templo, eliminei nos quatro Evangelhos. Credo. Uma da poucas vezes que o Mestre enraiveceu foi quando viu comércio com a fé do povo. Risco grande de Ele também ser classificado como comunista. Proibir arrancar dinheiro do povo em troca de bençãos, curas, preces e graças, comunismo puro.

Aquela parábola do Samaritano fazendo o que sacerdotes e pastores deviam fazer e não fizeram, acolhendo e cuidando do pobre jogado à beira da estrada, fiquei mesmo em dúvida. Porque caridade assistencial, pode. O que não pode é perguntar: quem o assaltou? quem o roubou? Talvez por isto os servos do templo preferiram passar ao largo. Aproximar-se dos pobres pode levar a compromissos mais profundos. Droga. Já estou com argumentação comunista para a mente poluída dos que me acusam. Sem riscos. O Evangelho de Lucas não terá mais esta parábola quando o apresentar em minha defesa.  

Rasguei também as Bem Aventuranças e as mal aventuranças de Lucas. “Bem aventurados vós os pobres”, “Malditos vocês ricos”, doideira, luta de classes, marxismo, vade retro, satanás. “Bem aventurados os que tem fome e sede de justiça”, de Mateus, excluí também.  Olhei melhor e excluí também, em Mateus, a bem aventurança da paz, pois agora são tempos de armas e cruzadas contra os inimigos e hereges. Falar de paz contraria o novo “messias” da metralhadora no lugar do feijão. 

Bah. E aquele texto em que Jesus afirma “vós TODOS” sois irmãos”. Vai que neste TODOS imaginem que estejam “sem terra”, negros, índios, LGBTQI+, “sem teto”, migrantes, moradores de rua, “todos estes que não prestam”… Meus IRMÃOS, estes? Nem a peso de ouro. Comunismo. Página rasgada. 

E aquela cena de lavar os pés dos discípulos e dizer: “os grandes da terra dominam com tirania, entre vocês não seja assim”. Quebra de hierarquia social. Sem dúvida, comunismo. Decidi não correr risco e página no fogo.  

Tomei algumas precauções a mais: eliminei a passagem de João em que uma mulher surpreendida em adultério ia ser apedrejada e Jesus não deixou. Vão pensar que defendo pessoas de “má vida”. Além do mais, poderia perguntar: por que o homem adúltero estava livre das pedradas? Esta mania de fazer perguntas que levem a pensar é coisa de Paulo Freire, um comunista-mor.

Eliminei também aquela em que Marta pediu que Maria voltasse para a cozinha e Jesus garantiu o direito de as mulheres participarem do mesmo círculo que os homens em pé de igualdade. As mulheres podem querer exigir demais baseadas nisto. Risco eliminado. Feminismo é fruto do comunismo, e ponto final.

Aí passei a me preocupar com o Antigo Testamento. Rasguei o profeta Isaias inteiro. Muito perigoso. Depois Amós. Eliminei Oseias. Retirei Miqueias. Muito contra a exploração e a favor dos injustiçados. E ainda Esdras e Neemias assembleistas e distributivistas demais. Não me ajudarão na defesa. 

Minha Bíblia estava ficando pequena, mas, paciência, eu precisava salvar meu couro da sanha anticomunista. 

Aí passei a me preocupar com o Êxodo. Organizar escravos, enfrentar governantes tiranos, acampar em deserto e conquistar terra prometida, e Deus apoiando, credoemcruz, isto é MST na veia, comunismo da gema. Eliminei o livro inteiro. 

Mas aí lembrei também de Levítico e Deuteronômio. Aquelas leis para garantir justiça, estabelecer ano sabático para devolver terras, e ainda dizer “que entre vós não existam pobres”… Perigoso demais. Dois livros a menos.

Aí cansei. A Bíblia já estava miudinha. Preservei os textos de Salomão cobrando impostos pesados ao povo, vivendo no luxo, com 700 esposas oficiais e mais 300 concubinas. Este sim, garanto que não tem nada de comunista. Façamos templos e altares a Salomão.

Até pensei em argumentar que os primeiros defensores modernos de uma sociedade de iguais, embora utópica, foram dois pensadores cristãos: Morus e Campanela.

Também pensei em fazer distinção entre socialismo e comunismo, para que, pelo menos, se saiba do que se está falando quando se multiplicam falas superficiais por aí afora sobre o tema. E que o socialismo, como movimento histórico, despido de ateísmo e totalitarismo, recebeu abertura para engajamento cristão na encíclica Octogésima Adveniens do Papa São Paulo VI. 

Mas acho que diante de tanta pequenez intelectual e tanto fanatismo cego, de pouco adiantará. 

Talvez nem minha diminuta Bíblia rasgada e purificada me sirva de defesa.

Mesmo assim continuarei frade engajado nas lutas sociais em defesa dos desprotegidos, excluídos e explorados, anti-capitalista, socialista e seguidor de Jesus de Nazaré, o Cristo Crucificado e Ressuscitado.

Melhor ser acusado de comunista do que ser, de fato, alienado, omisso, em má consciência com a fé que professo. 

Me chamem do que quiserem e me ataquem como quiserem. 

Mas, por preferência, gostei mais de ser chamado de “frei melancia”: aquele suco vermelho é muito doce.  

(*) Frei Franciscano, militante do MPA, autor de “Em Prece com os Evangelhos”

Fonte: Instituto Cultural Padre Josimo

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Nota de Solidariedade e Repúdio

 


NOTA DE SOLIDARIEDADE E REPÚDIO

O Serviço Interfranciscano de Justiça, Paz e Ecologia repudia veementemente às ofensas e injúrias proferidas pelo deputado em plena Tribuna da Assembleia Legislativa de São Paulo e vem expressar seu apoio e comunhão com os bispos que lutam pela justiça. São inaceitáveis as ofensas odiosas e abomináveis do deputado estadual de São Paulo, Frederico d’Ávila, contra Dom Orlando Brandes, contra Movimentos dos Sem Terra, contra a Conferência dos Bispos do Brasil e contra o Papa Francisco! São todos os que incansavelmente têm lutado pela dignidade de todas as pessoas, por uma sociedade mais justa e fraterna e que, por isso, são atacados pelo indecoroso parlamentar.

Em um país marcado pela desigualdade social e em que a miséria cada vez mais se agrava, no momento de enorme crescimento da fome e do desemprego, de destruição ambiental descontrolada e ainda de muita insegurança e incertezas em meio à pandemia que fragilizou a nossa sociedade, reforçamos com Dom Orlando Brandes, arcebispo de Aparecida, que a “pátria amada não pode ser armada”. Onde houver discursos e práticas de ódio, levemos o amor, a fraternidade e a paz! Onde circula diariamente uma imensidão de fake news, inclusive por parte de governantes, que levemos a verdade, o compromisso com a democracia e com todos os direitos fundamentais.

Reafirmamos, pois, a nossa total comunhão e respeito ao Papa Francisco, e o agradecemos pelo seu empenho pela justiça e a paz do Evangelho nos dias de hoje. Queremos reforçar também nosso apoio e compromisso com todas as organizações que lutam pela justiça pela paz e pelo cuidado da criação em nosso país, como os movimentos pela terra e reforma agrária, muito criticados por realmente questionarem uma estrutura de país fortemente injusta, que marginaliza cada vez mais milhares de pessoas no desemprego e na exclusão, enquanto poucos se enriquecem às custas disso.

Por fim, em comunhão com a CNBB e com as diversas manifestações de repúdio ao discurso de ódio do parlamentar, que evidencia um movimento de mentiras e violências em nosso país, cobramos igualmente providencias legais e eficazes diante de tal ultrajante desrespeito.


São Paulo, 18 de outubro de 2021


Secretaria Executiva do SINFRAJUPE