sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Requerimento ao MPF e ALMG para revogação de decreto do Governo de Minas por violar Convenção 169 da OIT




Destinatários:
Ministério Público Federal;
Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais.

Neste: Denuncia de prováveis violações de direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais.


A Comissão Episcopal para a Ecologia Integral e Mineração do Regional Leste-2 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB Leste 2), cuja atribuição e finalidade é promover a defesa dos direitos humanos, sociais e ambientais, vem expressar sua veemente preocupação com a edição do decreto estadual nº 48.893, de 11/09/2024 e, ao mesmo tempo, denunciar prováveis violações aos direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais à Consulta Livre, Prévia, Informada e de Boa Fé, ao direito à sua autoidentificação e aos seus direitos territoriais.

Nesse sentido, vem requerer aos órgãos de fiscalização atenção para fazer cessar a VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS PERPETRADOS PELO ESTADO DE MINAS GERAIS PARA SATISFAZER INTERESSES EMPRESARIAIS CONTRA OS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS, TENDO COMO PROVA CABAL E ROBUSTA DAS ALEGADAS VIOLAÇÕES A EXPEDIÇÃO E PROMULGAÇÃO DO DECRETO ESTADUAL Nº 48.893, de 11/09/2024

DOS FATOS:
DA VIOLAÇÃO AO DIREITO A CONSULTA LIVRE, PRÉVIA E INFORMADA.
A pretexto de regulamentar, sobre a Consulta Livre, Prévia e Informada, de que trata o art. 6º da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho, sobre Povos Indígenas e Tribais, o Estado de Minas Gerais, cujo representante e autoridade máxima é o Governador Romeu Zema, publicou, no dia 11 de setembro de 2024, referido decreto, sem, pasmem, a realização de consulta livre prévia e informada, em confronto ao que estabelece o art. 6º da CONVENÇÃO 169 DA OIT que dispõe:
ARTIGO 6º 1. Na aplicação das disposições da presente Convenção, os governos deverão: a) consultar os povos interessados, por meio de procedimentos adequados e, em particular, de suas instituições representativas, sempre que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente; b) criar meios pelos quais esses povos possam participar livremente, ou pelo menos na mesma medida assegurada aos demais cidadãos, em todos os níveis decisórios de instituições eletivas ou órgãos administrativos responsáveis por políticas e programas que lhes afetem; c) estabelecer meios adequados para o pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas próprias desses povos e, quando necessário, disponibilizar os recursos necessários para esse fim. 2. As consultas realizadas em conformidade com o previsto na presente Convenção deverão ser conduzidas de boa-fé e de uma maneira adequada às circunstâncias, no sentido de que um acordo ou consentimento em torno das medidas propostas possa ser alcançado.

 A mera publicação do decreto estadual em debate, por si só já afronta e ao mesmo tempo viola o disposto do art. 6º da Conv. 169 da OIT, que preceitua que toda e qualquer medida legislativa ou administrativa suscetível de afetar os interesses dos povos e comunidades tradicionais devem passar pela consulta livre prévia e informada. Malgrado, o regramento estabelecido na Convenção o Estado de Minas Gerais publicou o malfadado decreto SEM FAZER OU REALIZAR QUALQUER TIPO DE CONSULTA AOS POVOS INTERESSADOS.


DA VIOLAÇÃO AO DIREITO DOS PCT’s SE AUTORRECONHECEREM COMO POSTULADO DO
DIREITO A AUTOINDENTIFICAÇÃO.

A aberração legiferante do Governador Romeu Zema não para por aí, pois, teima em ferir mortalmente os direitos dos PCT’s no que tange também ao direito denominado de autorreconhecimento, auto-atribuição, autodefinição, dentre outras denominações. A redação desse texto legislativo, desse malsinado decreto priva as comunidades de exercerem seu direito à autodefinição.

O decreto estadual em testilha dispõe, em afronta às Leis que regulam sobre tal matéria, que somente se reconhecerá como Povos e Comunidades tradicionais sob o crivo dos seguintes órgãos estatais elencados no art. 2º, I, alíneas a – c. veja:

Art. 2º – O licenciamento ambiental, realizado no âmbito do Estado, que, na data de sua formalização, afete povos indígenas, comunidades quilombolas ou povos e comunidades tradicionais, ensejará a realização de CLPI, quando, cumulativamente:
I – tratar-se de:
a) povos indígenas reconhecidos pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas;
b) comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares;
c) povos e comunidades tradicionais certificados pela Comissão Estadual para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais.
II – estiverem localizados em área na qual haverá o desenvolvimento das atividades passíveis de licenciamento ambiental do empreendimento ou em faixas de restrição estabelecidas no Anexo I da Portaria Interministerial nº 60, de 24 de março de 2015, do Ministério do Meio Ambiente, da Justiça, da Cultura e da Saúde, quando se tratar de projetos de significativo impacto ambiental, assim considerados pelo órgão ambiental competente, com fundamento em Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental – EIA-Rima.

O decreto do Govenador Romeu Zema, ao tentar limitar o direito dos PCT’s no que tange apenas reconhece-los através do crivo dos órgãos de estado, fere de morte o direito a liberdade de autoidentificação que é   fundamental na regra estabelecida pela Conv, 169, cuja essência desse Direito, os Povos e Comunidades Tradicionais, se reconhecem e por via de consequência autodeterminam-se, tendo por sua vez o direito também, de autogerir-se, atribuindo-se identidade de forma autônoma, sem a necessidade de autorização ou qualquer tipo de intervenção estatal.

A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), preceitua no que tange aos direitos à autoidentificação, como um critério crucial para a definição dos PCT’s.

As regras da Convenção 169 da OIT foram incorporadas em vários diplomas normativos no Brasil, a exemplo do art. 3ª do Decreto n.º 6040/2007, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, regula a o conceito de autorreconhecimento dos PCT’s

Art. 3º Para os fins deste Decreto e do seu Anexo compreende-se por:
I - Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e ‘que se reconhecem como tais’, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição.

DA VIOLAÇÃO AOS DIREITOS TERRITORIAIS DOS PCT’S.

Ainda no art. 2º, II do malsinado decreto do Governador Romeu Zema do E.MG., por via oblíqua e subliminar tenta permitir projetos de interesses econômicos em terras tradicionalmente ocupadas. Diz o texto do decreto que as terras onde se localizam os PCT’s reconhecidos somente por órgãos de governo, poderão as empresas ao realizar o licenciamento promover a CLPI. Com isso, novamente o decreto estadual permite a realização de empreendimentos de alto ou significativo impacto ambiental, sem, contudo, estabelecer taxativamente as condições da exploração naquelas terras tradicionalmente ocupadas. Com relação aos direitos territoriais a Conv. 169 da OIT, como instrumento legal protetivo dos interesses do PCT’s, dispõe que os estados nacionais signatários desta Convenção deverão a qualquer custo proteger as terras tradicionalmente ocupadas da ganância e cobiça de empreendimentos e empresários sem escrúpulos.

A CONV. 169 da OIT, adota critérios sobre a anulabilidade de contratos, registros de compra e venda de terras, permutas, comodatos e qualquer espécie de pacto para aquisição de terras em territórios tradicionais. Toda a compra e venda de terras em territórios de povos e comunidades tradicionais deverá ser anulada por expressa determinação do ARTIGO 17 DA CONVENÇÃO 169 DA OIT, que no parágrafo 3 diz:

"Deverão ser tomadas medidas para impedir que pessoas alheias a esses povos tirem proveito de seus costumes ou do desconhecimento das leis por parte de seus membros para assumir a propriedade, posse ou uso de terras que lhes pertençam".

Desse modo, o uso, gozo e fruição e a disposição das terras tradicionalmente ocupadas encontram restrições conforme disposição legal contida na Conv. 169, acima citada, por isso o decreto estadual em comento NÃO PODE regulamentar acima do que dispõe o tratado que tem status de norma SUPRALEGAL.

Perante o exposto, vem requerer a devida apuração das violações de direitos acima tratadas, e ao final, em se comprovando o conflito entre a norma editada pelo Estado de Minas Gerais, por seu representante, o Governador Romeu Zema, que sejam, no âmbito das competências de cada instituição fiscalizadora, tomadas as devidas medidas para fazer cessar as violações em questão, com a cassação, anulação e ou sustação dos efeitos jurídicos do mencionado decreto estadual.

Pede deferimento.
Belo Horizonte, 18 de setembro de 2024





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