terça-feira, 29 de outubro de 2024

ACORDO DO DESASTRE/CRIME AMBIENTAL SAMARCO/VALE/BHP: As violações de direitos persistem

Belo Horizonte, 29 de outubro de 2024.

NOVO ACORDO DO DESASTRE/CRIME AMBIENTAL SAMARCO/VALE/BHP.
As violações de direitos persistem.

“Quem vai me trair é aquele que come no mesmo prato que eu” (Mateus, 26 -23).

Este é o sentimento que percebemos dos atingidos e atingidas sobre a repactuação, pois a exclusão das principais vítimas das mesas de negociações compromete não apenas a transparência do processo, mas também seu principal objetivo: fazer justiça. Nove anos do rompimento da barragem do Fundão, ocorrido em 05 de novembro de 2015, em Mariana/MG, nenhum ator foi julgado e condenado pelo ocorrido que vitimou 20 vidas humanas, a fauna, a flora e prejuízos incalculáveis.

Ao longo do processo de repactuação, constituído desde 2019, os atingidos nunca foram devidamente ouvidos. As negociações envolvendo diversos atores se desenvolveu sem a verdadeira transparência e deixando de lado, como sempre, os devidos direitos dos atingidos. O que vimos nesta nova repactuação foram os governos Federal, de Minas Gerais e do Espírito Santos reivindicando suas partes na repactuação para aplicar em seus programas e obras de infraestrutura como fizeram no acórdão de Brumadinho em Minas Gerais.

O rompimento da barragem em Fundão/Mariana afetou profundamente a população dos municípios ao longo do curso e da foz do Rio Doce. Os impactos foram sentidos nas mais diversas dimensões da vida de milhares de pessoas atingidas: econômicas, habitacional, aumento da violência e da incidência de doenças, da discriminação racial e da evasão escolar. Seus efeitos atingiram severamente os modos de vida de diferentes populações tradicionais que habitam a região, cujo modo de ida depende do uso de recursos naturais.

A Fundação Getúlio Vargas fez um levantamento dos impactos sociais, ambientais e econômicos do rompimento da barragem de Fundão/Mariana. O estudo indica que, em alguns municípios, a contaminação das águas e do solo pode acarretar às pessoas perda de até 24 anos a menos de vida. O Projeto Rio Doce usou como base dados de até 2021 do DataSUS, do Ministério da Saúde, e comparou as taxas de incidência de doenças nos municípios atingidos com as de áreas não afetadas. (cf. Jornal Nacional/G1 de 21/10/2024).

O estudo da FGV mostra que os rejeitos de minérios espalhados pelo rompimento da barragem eram compostos principalmente por ferro, silício e alumínio. Metais pesados que podem causar também danos como alucinações, paralisia e problemas de pele. O diagnóstico da FGV, mostra ainda que, de 2015 a 2018, a perda estimada na economia de Minas Gerais e do Espírito Santo foi na ordem de quase R$ 500 bilhões e interrompeu atividades produtivas em diversos municípios.

O novo acordo para reparação dos danos causados pelo rompimento da Barragem, conduzido pela Advocacia-Geral da União (AGU) e pela Secretaria-Geral da Presidência da República e assinado no 25 de outubro de 2024, no Palácio do Planalto, reafirma a dinâmica da impunidade e gera frustração e abatimento por parte das pessoas atingidas, que se sentem mais uma vez traídas e usadas pelos que negociaram o acordo. 

Percebe-se os mesmos vícios e erros cometidos em 2016 e que começa de forma incerta e com desconfiança por parte das principais vítimas do fatídico desastre-crime.

Unimos as nossas vozes e forças em favor das pessoas atingidas que são as mais frágeis em todo o processo com seu grito de socorro sem alcance junto às Instituições de Justiça e Autoridades Governamentais.

Mais uma vez denunciamos a opção por uma reparação negociada com a lógica da conciliação e concessão de ampla liberdade de manobra e, até mesmo, controle do processo de reparação por parte das empresas autoras do crime.

Perante o absurdo desta repactuação fica a questão: a forma mais adequada para lidar com os grandes crimes e desastres ambientais é a busca do consenso com as empresas autoras e responsáveis por estes crimes?

Na Encíclica Laudato Si, o Papa Francisco ao falar da franqueza das reações às situações que  “provocam os gemidos da irmã terra, que se unem aos gemidos dos abandonados do mundo, com um lamento que reclama de nós outro rumo”, conclui: “Torna-se indispensável criar um sistema normativo que inclua limites invioláveis e assegure a proteção dos ecossistemas, antes que as novas formas de poder derivadas do paradigma tecno-econômico acabem por arrasá-los não só com a política, mas também com a liberdade e a justiça.” (Laudato Si 53)

Dom Francisco Cota de Oliveira
Bispo Diocesano de Sete Lagoas
Referencial da CEREM

Frei Rodrigo de Castro Amédée Péret, OFM
Coordenador CEREM