Como franciscanos, baseamo-nos no Ensino Social Católico, particularmente na encíclica Laudato Si’ do Papa Francisco, para abordar a crise climática. Emitida antes do Acordo de Paris de 2015, Laudato Si’ enfatiza nosso dever moral de cuidar da nossa casa comum e defende a Ecologia Integral, destacando a interconexão entre questões ambientais, econômicas e sociais, e chamando para ações concretas em sustentabilidade ambiental e justiça social.
Portanto, "Laudato Si'" também nos orienta a abordar as Perdas e Danos Não-Econômicos (NELD -sigla em Inglês) causados pelas mudanças climáticas, enfatizando o valor intrínseco de toda a criação e a profunda conexão entre o bem-estar humano e ambiental.
As NELD causadas pela crise climática impactam profundamente os vínculos sagrados que compartilhamos com o mundo natural e nosso dever ético de protegê-lo. Cada espécie possui valor intrínseco e desempenha um papel vital na teia da vida. À medida que a biodiversidade diminui, a riqueza da criação se reduz, desequilibrando o ecossistema e afetando comunidades indígenas cujas identidades estão estreitamente ligadas ao seu entorno. A mudança climática perturba o patrimônio cultural, o conhecimento tradicional e as práticas espirituais, deixando muitas comunidades desconectadas de seus territórios sagrados.
Os impactos psicológicos são profundos; à medida que os espaços naturais familiares se degradam, as pessoas experimentam ansiedade e tristeza, ressaltando nossa interconexão com o planeta. Para aqueles que enfrentam deslocamento, como as comunidades insulares ameaçadas pela elevação do nível do mar, as perdas são mais tangíveis e imediatas, rompendo laços com terras ancestrais e desafiando o direito a um lar estável. As mudanças climáticas também ameaçam locais sagrados, centrais para muitas crenças, apagando conexões com locais de importância espiritual.
Esses impactos apontam para um desafio ético mais amplo. As tradições religiosas nos convocam a cuidar da criação e a defender a justiça para as futuras gerações. A exploração ambiental de hoje compromete sua capacidade de viver em harmonia com a natureza, tornando a mudança climática uma questão moral profunda. Reconhecer essas perdas não-econômicas nos instiga a responder com compaixão e respeito pelo valor intrínseco da vida, pela sacralidade da natureza e por nossa responsabilidade compartilhada com as futuras gerações.
A cada ano, defensores de direitos humanos (direitos fundiários) e ambientais são assassinados por ousarem resistir à exploração ambiental ao redor do mundo. A Global Witness documentou que 196 defensores foram assassinados em 2023 por exercerem seu direito de proteger suas terras e o meio ambiente. O número real é provavelmente maior. Isso eleva o total de assassinatos para mais de 2.000 em todo o mundo desde que a Global Witness começou a relatar esses dados em 2012. Hoje, a Global Witness estima um total de 2.106 assassinatos.
Além desses impactos imediatos, as mudanças climáticas levantam questões mais profundas sobre nossas responsabilidades éticas e morais como guardiões do planeta. Muitas tradições religiosas e culturais convocam a humanidade a cuidar da criação, instando-nos a proteger a Terra para as futuras gerações. A exploração e destruição dos ecossistemas por ganhos econômicos de curto prazo não é apenas uma questão ambiental, mas uma falha moral, que compromete a saúde do planeta para aqueles que virão depois de nós. Essa injustiça intergeracional compromete a capacidade das futuras gerações de atenderem suas necessidades, praticarem suas tradições e viverem em harmonia com a natureza.
A encíclica clama por um diálogo inclusivo, especialmente envolvendo comunidades indígenas e vulneráveis, guardiãs de conhecimentos ecológicos e culturais essenciais. Essa abordagem inclusiva promove respostas holísticas e culturalmente sensíveis que apoiam a resiliência e identidade das comunidades. Laudato Si’ defende uma estrutura ética compassiva nas negociações climáticas, enfatizando solidariedade e justiça. Valorizar as dimensões espirituais e culturais inspira estratégias que abordam todo o escopo de perdas e danos.
Na COP29, espera-se que as discussões sobre uma nova meta de financiamento climático abordem como o Fundo de Perdas e Danos pode apoiar aqueles impactados pelas mudanças climáticas, definindo e abordando as NELD de maneira eficaz. Os países mais responsáveis pelas emissões devem assumir uma maior responsabilidade para ajudar os mais afetados.
Nossa defesa se alinha com outras organizações baseadas na fé, sensibilizando sobre as NELD na ONU. Com laços estreitos com comunidades afetadas, grupos baseados na fé desempenham um papel único ao destacar como o financiamento insuficiente afeta vidas. Através de esforços em coalizão, contribuímos para uma compreensão mais profunda das perdas não-econômicas induzidas pelo clima.
Para concluir meu discurso, gostaria de destacar uma questão relacionada e de igual importância ao nosso tema. Como franciscanos, acompanhando os processos da COP e a realidade das comunidades em situação de vulnerabilidade que atendemos, alertamos contra as “falsas soluções” promovidas como ação climática, mas que, em última análise, agravam a crise. Essas soluções mascaram a imposição de grandes sacrifícios e impactos em regiões do mundo que menos contribuíram para a mudança climática, mas que detêm bens comuns vitais, que são explorados nessas chamadas “soluções verdes”. Sem mudanças estruturais, a tecnologia sozinha não pode resolver a crise climática e levará a ainda maiores perdas e danos.
Nos opomos à ideologia da "economia verde" por transformar a natureza e a biodiversidade em mercadorias através de sistemas como o comércio de carbono, que monetizam a conservação ambiental. No Sul Global, os esquemas de comércio de emissões de gases de efeito estufa, vinculados aos Mecanismos de Desenvolvimento Limpo da ONU, focam em florestas e mercados de carbono, criando novos tipos de propriedade ao transformar o CO₂ sequestrado em ativos financeiros negociáveis.
A economia verde atribui valor econômico a processos naturais, como a fotossíntese, como “serviços ecossistêmicos”, vendo-os como estoques de capital avaliados pela renda futura que geram. A avaliação econômica frequentemente depende dos preços de mercado, enfatizando a acumulação de capital em detrimento de considerações sociais ou ecológicas. Através de iniciativas como mercados de carbono e REDD, grandes áreas florestais são vinculadas a créditos de carbono, transformando a preservação ambiental em ativos financeiros. Esse processo introduz camadas complexas de propriedade sobre a posse tradicional da terra, desafiando visões culturais que valorizam a natureza de forma intrínseca. Iniciativas semelhantes, como a “agricultura inteligente para o clima”, vinculam o armazenamento de carbono no solo aos mercados de compensação de carbono, sobrecarregando agricultores pobres em países em desenvolvimento.
A ideologia da “economia verde” propõe também à chamada “transição energética” ou melhor, à falsa narrativa de “energia limpa”, pois tecnologias como painéis solares e turbinas eólicas exigem mineração intensiva, que prejudica comunidades locais e ecossistemas, principalmente no Sul Global. Essas tecnologias demandam extração e processamento intensivos e extensivos de minerais. A mineração leva, em todos os lugares do mundo, a consequências sociais e ambientais adversas, desde violência e práticas insustentáveis até violações de direitos humanos e degradação ambiental. Essa transição energética alimenta conflitos territoriais e exacerba padrões históricos de desigualdade, à medida que minerais críticos são extraídos principalmente do Sul Global para beneficiar o Norte Global. Uma transição que perpetua padrões de exploração colonial, beneficiando o Norte Global enquanto sobrecarrega regiões vulneráveis. A demanda por minerais vitais para energia limpa está aumentando, com muitos depósitos localizados em terras indígenas, escalando conflitos e degradação ambiental.
Uma resposta real exige uma transformação estrutural, não apenas uma transição, mas uma transformação em direção a estilos de vida que garantam justiça ambiental e climática para as futuras gerações. Comunidades baseadas na fé, inspiradas pelo chamado do Papa Francisco para uma “sobriedade feliz” em Laudato Si’, devem assumir uma posição profética contra as falsas soluções e defender uma verdadeira mudança sistêmica para superar o modelo insustentável que nos levou a essa crise.
Em vez de ver o planeta como um recurso, devemos considerá-lo uma fonte de vida.