terça-feira, 19 de agosto de 2025

Quando a mineração decide o destino de uma cidade: o caso de Kiruna, Suécia

 

Foto: AFP

Na imagem acima, da AP, pessoas acompanham nesta terça-feira, 19 de novembro, o início da remoção de dois dias da igreja de madeira em Kiruna, na Suécia, motivada pela expansão da mineração.


Em pleno século XXI, no norte da Suécia, a cidade de Kiruna está sendo obrigada a se mudar por causa da expansão da maior mina subterrânea de ferro do mundo. Até a histórica igreja luterana, de Kiruna, construída em madeira, em 1912 e considerada uma das mais belas do país, está sendo transportada inteira para outro local. Esta remoção irá durar dois dias, 19 e 20 de agosto.


O “espetáculo” da mudança esconde uma dura realidade: milhares de moradores estão sendo deslocados e o povo Sami, indígena da região, vê sua vida ameaçada. Suas rotas de criação de renas estão sendo destruídas, colocando em risco uma cultura ancestral.


Enquanto isso, a mineradora estatal LKAB e o governo apresentam o projeto como parte da “transição verde” da Europa. Mas que transição é essa que sacrifica comunidades e povos inteiros?


O caso de Kiruna mostra como as mineradoras ainda decidem o destino dos territórios, colocando lucro acima da vida e da cultura.

Para compreender melhor essa remoção, traduzimos um artigo de Nishtha Badgmia, publicado pelo WION (World is One News) em fevereiro de 2023, que explica por que uma cidade está sendo deslocada na Suécia.

Explicado: Por que esta cidade na Suécia está sendo movida prédio por prédio

No norte da Suécia, a cerca de 200 km acima do Círculo Polar Ártico, uma cidade chamada Kiruna está testemunhando subsidência devido à maior mina de ferro do mundo. Entre vários edifícios, a cidade de 18.000 pessoas também abriga uma igreja de madeira de 600 toneladas, de cor terracota aconchegante e culturalmente significativa, projetada para se assemelhar a uma cabana do povo indígena Sami. O destino dessas estruturas e casas está entrelaçado com a empresa estatal LKAB, que é a maior mina de ferro do mundo e produz 80% do suprimento da União Europeia, segundo um relatório do Guardian.

O que acontecerá com a cidade?

Nos próximos anos, Kiruna está prestes a testemunhar um dos projetos de realocação mais radicais do mundo, já que a mina de ferro local ameaça engolir a cidade, de acordo com o Guardian, depois que rachaduras surgiram em hospitais e prédios escolares. Pelo menos 6.000 pessoas deverão se mudar da cidade que afunda e também enfrentarão um aumento gradual em seus aluguéis, ao longo de oito anos, até um teto de 25% a mais do que o valor antigo.

Igreja de Kiruna

Em 1912, a cidade recebeu o edifício de madeira de 600 toneladas sem símbolo religioso, descrito uma vez pela pastora Lena Tjärnberg como “a sala de estar da comunidade”. Nos próximos três anos, depois de mais de um século, o edifício mais bonito da Suécia será transferido. Segundo o relatório, a igreja de cor terracota, projetada para se assemelhar a uma cabana do povo indígena Sami, será realocada cerca de três quilômetros a leste da cidade antiga, próxima ao cemitério local.

Fundada em 1900, a mina em questão é administrada pela empresa estatal sueca LKAB, que também é a maior mina de ferro do mundo. No entanto, daqui para frente, a empresa espera estar na vanguarda da revolução industrial verde da Europa e impulsionar a autonomia em recursos naturais, segundo o Guardian. Em 2021, a empresa também começou a produzir ferro-esponja livre de combustíveis fósseis, substituindo o carvão por hidrogênio produzido a partir de eletricidade verde.

No mês passado, a empresa também anunciou que estava assentada sobre o maior depósito conhecido de elementos de terras raras na Europa, alguns dos quais são importantes para a produção de baterias de carros elétricos e turbinas eólicas. Subsequentemente, a vice-primeira-ministra da Suécia, também responsável pelo clima e pelos negócios, Ebba Busch, disse: “A Suécia é literalmente uma mina de ouro... A Europa precisa aprender a lição de não ser tão dependente de um único país para o gás, como fomos da Rússia.”

Falando a jornalistas de dentro da mina, Busch, na época, disse que essa descoberta de metais raros também dá à Europa a chance de ser menos dependente da China, que é a fonte de 86% do suprimento global, informou o Guardian.

Como isso afetará a comunidade local?

O tipo de transformação que Kiruna está passando levantou alarmes entre muitos, já que toda a cidade será realocada devido à atividade mineradora na região e ao risco que ela representa para os moradores, incluindo o povo Sami. Séculos antes de a LKAB iniciar suas operações na região, os Sami criavam renas por toda a terra ártica; no entanto, relatórios sugerem que seu modo de vida está sob ameaça.

Além disso, a mineração e as atividades humanas, que levaram consequentemente à fragmentação da terra, tornam a criação de renas cada vez mais difícil, enquanto a crise climática já ameaçava a principal fonte de alimento de inverno das renas, o líquen. O povo Sami também teme que qualquer interrupção dessa “atividade ancestral” comprometa seus direitos à terra, informou o Guardian.

Um porta-voz da LKAB, Anders Lindberg, disse que duas aldeias Sami já mudaram suas rotas de pastoreio desde que a mina foi aberta, enquanto a empresa se tornou melhor em ouvir as questões dos criadores de renas e está trabalhando para minimizar o impacto de seu trabalho. No entanto, segundo o relatório, outra aldeia Sami chamada Gabna pode ter que mudar suas rotas de pastoreio devido à descoberta dos novos elementos de terras raras.

Fonte: WION (World is One News)


segunda-feira, 28 de julho de 2025

O Tempo é Agora: Fé, Resistência e Justiça rumo à COP30

 

Plenária da Pré-COP (Foto Frei Pedro Neto)

A declaração final da Pré-COP Leste reúne o clamor e o compromisso profético de representantes dos Regionais Leste 1, 2  e 3  e do Sul 1 da CNBB diante da urgência climática e da injustiça socioambiental. Realizado em Belo Horizonte, o encontro reforça a centralidade da conversão ecológica, denuncia falsas soluções e convoca a Igreja a assumir uma postura ativa e coerente na defesa da vida e dos territórios. Esta é uma voz coletiva que aponta caminhos de esperança e justiça rumo à COP30 e à Cúpula dos Povos, em Belém do Pará.

DECLARAÇÃO FINAL - PRÉ-COP LESTE

Conversão ecológica, resistência às falsas soluções e compromisso com a justiça socioambiental 

“Bem aventurados os que têm fome e sede de justiça, pois serão saciados”. Mt5.6


Reunidos em Belo Horizonte, Minas Gerais, no Colégio Marista Dom Silvério, entre os dias 25 e 27 de julho de 2025, representantes dos Regionais Leste 1, Leste 2, Leste 3 e Sul 1 da CNBB, abrangendo os estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo e São Paulo, assumimos coletivamente o chamado à conversão ecológica, à resistência às falsas soluções climáticas e à construção de um compromisso profético em preparação à COP 30, que ocorrerá em novembro de 2025, em Belém do Pará.


Diante do colapso climático global, que atinge de forma mais dura os pobres e territórios vulnerabilizados, reconhecemos o fracasso das últimas Conferências do Clima em oferecer soluções concretas. O aquecimento global já ultrapassa 1,5°C, e os acordos internacionais, dominados por interesses econômicos, são insuficientes diante de uma crise sistêmica que ameaça toda a vida. Vivemos um mundo atravessado por múltiplas crises, com guerras e violências, cujo ápice se revela no genocídio em Gaza, expressão extrema de nossa crise civilizatória.


Em nossa região Sudeste do Brasil, o modelo econômico agrava a degradação dos biomas, Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, manguezais e zonas costeiras, através do avanço urbano-industrial, da mineração, do agronegócio, da exploração do gás e do petróleo, do uso indiscriminado do agrotóxico e da especulação imobiliária. A contaminação das águas, a perda da biodiversidade, a expulsão de comunidades e a periferização tornam visível a injustiça ambiental e social.


A partir de duas mesas de painéis, uma sobre a Crise Climática e a Justiça Socioambiental e outra sobre a Ruptura com o Modelo Econômico Predatório e Falsas Soluções, nos organizamos em 5 grupos de trabalho para aprofundar cinco eixos da nossa Pré-COP: 1 - Soberania dos Povos, Direitos Territoriais e Justiça Socioambiental; 2 - Justiça Climática e Reparação Histórica; 3 - Ruptura com o Modelo Econômico Predatório, Não à Economia Verde; 4 - Descarbonização e Falsas Soluções; 5 - Centralidade da Vida, Dignidade Humana e Direitos da Terra.


Os grupos convergiram na compreensão de que a crise climática está profundamente ligada, ao sistema capitalista, à injustiça social, ao racismo ambiental e ao extrativismo predatório. Criticaram a chamada economia verde, a mercantilização da natureza e as falsas soluções tecnológicas. Propuseram, em contrapartida, uma ruptura com o modelo econômico vigente e a construção de uma nova economia baseada na justiça socioambiental, na agroecologia e nos saberes ancestrais. Reivindicaram a soberania alimentar e energética, bem como políticas públicas construídas a partir das comunidades e a responsabilização dos grandes poluidores. Destacaram também a necessidade de coerência institucional, incluindo uma atuação profética da Igreja, que deve assumir papel ativo, educativo e articulador nas lutas por direitos, territórios e dignidade.


Denunciaram as falsas soluções, como os mercados de carbono, os megaprojetos de energia e a expansão da mineração, que aprofundam desigualdades e ameaçam territórios sem enfrentar as causas estruturais da crise. A crise climática é inseparável da injustiça social, do racismo ambiental e do extrativismo. Seus impactos recaem sobre os povos indígenas, quilombolas, comunidades periféricas, camponesas, ribeirinhas e tradicionais. É urgente responsabilizar juridicamente os grandes emissores, corporações e governos, e exigir que os compromissos assumidos nas COPs tenham força legal e sanções reais.

 

Nós bispos, padres, diáconos, religiosos e religiosas, leigas e leigos, presentes nesta Pré-COP, reafirmamos, com esperança, a ecologia integral como eixo da nossa missão evangelizadora, tendo como referências centrais a encíclica Laudato Si’ e a exortação Laudate Deum. Anunciamos a conversão ecológica como caminho de fé e espiritualidade para um mundo novo. Caminho de irmandade universal entre toda criação, como nos convida Francisco de Assis, no Cântico das Criaturas. Propomo-nos a fortalecer as CEBs, as Pastorais Sociais e a Pastoral da Ecologia Integral, com a presença efetiva da Igreja nos territórios e na escuta e convivência ativa junto às populações vulnerabilizadas. A formação de lideranças religiosas e comunitárias deve ser prioridade, que leve ao comprometimento, articulando espiritualidade, saberes tradicionais, ciência e consciência política.

 

A Igreja deve se manter coerente entre seu discurso e sua prática, evitando recursos e alianças com empresas poluidoras e adotando medidas sustentáveis em suas estruturas. Reafirmamos sua missão profética diante do Estado e do mercado, com atuação firme nas políticas públicas, conselhos, conferências e demais espaços de participação popular, inclusive oferecendo suporte jurídico às lideranças. É compromisso urgente enfrentar o racismo ambiental e as desigualdades estruturais que atingem especialmente povos indígenas, quilombolas, comunidades periféricas e ribeirinhas.

 

Destacamos a proposta dos Regionais aqui presentes levarem essas diretrizes para a Assembleia dos Bispos, com o objetivo de tornar a Comissão Especial de Ecologia Integral e Mineração em uma comissão nacional permanente, e que se constitua em todos os regionais da CNBB.

 

Defendemos políticas públicas estruturantes, com participação social, que garantam moradia, água, saneamento e saúde às comunidades em risco socioambiental, assegurando também os direitos da natureza. É essencial atuar nos Planos de Saneamento, Diretores e de Mobilidade Urbana, promovendo justiça espacial e o direito à permanência nos territórios. Rejeitamos propostas como o “PL da devastação”, a lógica da “escala de trabalho 6x1”, e defendemos leis populares, como a “taxação das grandes fortunas”, bem como leis voltadas à justiça climática. Uma ação urgente passa pelo combate ao desmatamento, com foco na preservação dos biomas, e na contenção da urbanização predatória e dos grandes empreendimentos. A preservação das florestas é compromisso espiritual, territorial e ambiental, não financeiro, em diálogo com os povos que nelas vivem.

 

Em contraste ao modelo capitalista que devasta e aprofunda a crise climática, apontamos para a vida que prevalece apesar de tudo o que acontece.

 

Anunciamos os modos de vida e os saberes dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais que representam formas sustentáveis e harmoniosas de habitar a terra, baseadas no cuidado com a natureza, na coletividade e no respeito aos ciclos da vida. Identificamos, ainda, sinais concretos de esperança presentes nos territórios. Alternativas comunitárias e coletivas, baseadas na economia do cuidado, na agroecologia, na agricultura familiar, na economia solidária, no decrescimento. Expressões para nós de uma Economia de Francisco e Clara. Essas comunidades cultivam uma relação de reciprocidade com os territórios, oferecendo caminhos concretos para a justiça socioambiental e a regeneração da vida. Comprometemo-nos com organizações populares e as iniciativas comunitárias autônomas, como cooperativas e redes de solidariedade.

 

No cenário internacional, exigimos compromissos vinculantes nas COPs, o cancelamento das dívidas externas e a responsabilização dos países historicamente poluidores.

 

Confiamos aos nossos Regionais da CNBB, sob as bênçãos de Deus, a continuidade dos trabalhos.


Que a COP 30, em Belém, seja um marco de escuta do grito da Terra e dos Pobres, de denúncia profética das estruturas de morte e de anúncio de novos caminhos para uma sociedade justa e com respeito à natureza. Saudamos, com esperança, a Cúpula dos Povos, onde movimentos e organizações sociais nacionais e internacionais se mobilizam por alternativas reais e por justiça climática. Que as vozes dos territórios sejam ouvidas e respeitadas nas negociações. O tempo é agora. A conversão ecológica é urgente. A justiça climática é inegociável.


             “Trabalhem por uma justiça ecológica, social e ambiental”Papa Leão XIV (Mensagem ao II Encontro Sinodal de Reitores de Universidades para o cuidado da Casa Comum realizado na Puc do Rio de Janeiro - maio de 2025).


Pela intercessão de Nossa Senhora da Abadia das águas sujas e de São Francisco de Assis 

De Belo Horizonte a Belém: seguimos em comunhão, esperança e luta. 

Belo Horizonte, 27-07-2025.



quarta-feira, 4 de junho de 2025

De Roma à periferia de Uberlândia: o gesto profético de Leonardo Boff

Cozinha Comunitária Assentamento Maná, Uberlândia.  Foto: Artur

Cinco dias após receber o Prêmio Laudato Si’ em Roma por seu compromisso com a ecologia integral, o teólogo Leonardo Boff desembarcou no Brasil e seguiu direto para o assentamento Maná, na periferia de Uberlândia (MG). Esse gesto simples, mas profundamente simbólico, diz muito sobre a coerência de uma vida inteira dedicada à fé encarnada, à justiça socioambiental e à opção pelos pobres.

Foto: Artur

Boff foi estar com o povo que luta todos os dias por dignidade, terra, moradia e alimento. Na cozinha comunitária do assentamento Maná, sentou-se para conversar com lideranças de nove cozinhas comunitárias que, em Uberlândia, formam uma rede de solidariedade ativa, resistência urbana e cuidado com a vida. O tom da roda de conversa era de esperança e resistência. Boff e Marcia escutaram, partilharam e reafirmaram a importância de manter acesa a chama da luta.

O assentamento Maná nasceu em 2013, fruto da ocupação de uma área por famílias sem teto. Desde então, as famílias enfrentam o desafio da regularização fundiária, já parcialmente aprovada, mas ainda incompleta. A comunidade resiste, cresce e se fortalece — e as cozinhas comunitárias são parte essencial dessa construção coletiva. 

Mais do que distribuir alimentos, as cozinhas comunitárias de Uberlândia são verdadeiros núcleos de organização comunitária. Ali se prepara comida, sim — mas também se cozinha a solidariedade, se alimenta a esperança e se planta a transformação social. São espaços que unem o campo e a cidade. Com a participação de Cooperativas de Alimentos da Reforma grária conecta assentamentos de reforma agrária, áreas de agricultura familiar com os bairros e ocupações urbanas onde a fome ainda machuca.

As cozinhas comunitárias são geridas por organizações da própria base e contam com o apoio de importantes parcerias, como a Ação Franciscana de Ecologia e Solidariedade (AFES), a Central dos Movimentos Populares (CMP), a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Juntas, essas iniciativas garantem o direito à alimentação saudável, fortalecem a soberania alimentar e promovem formação e empoderamento para populações em situação de vulnerabilidade. Essas cozinhas são verdadeiros territórios de resistência e cuidado, onde a justiça socioambiental se concretiza diariamente. 

Ao visitar esse espaço, Leonardo Boff não apenas prestou solidariedade. Ele reafirmou, com o corpo presente e o coração atento, aquilo que sempre defendeu em sua teologia: a centralidade dos pobres, a sacralidade da Terra, a espiritualidade comprometida com a vida.

Boof recebendo o premio em Roma

A homenagem recebida por Boff em Roma, no dia 30 de maio, foi significativa. O Prêmio Laudato Si’, que foi entregue pela Ordem dos Frades Menores na Pontifícia Universidade Antonianum, reconhece sua contribuição à ecologia integral — um conceito que une cuidado com a Casa Comum e justiça social. 

Na visita ao assentamento Maná esse reconhecimento ganhou carne, chão e povo. Em tempos de crises múltiplas — climática, social, espiritual — o gesto de Boff nos lembra que o compromisso com a ecologia integral não se mede apenas por discursos, mas pela escolha dos lugares e dos rostos com os quais se caminha. Da solenidade na Universidade Pontifícia Antonianum em Roma, à cozinha de uma ocupação em Uberlândia, ele nos mostra o que significa, viver com os pés na terra e o coração no Evangelho.

sexta-feira, 30 de maio de 2025

Leonardo Boff recebe prêmio da Ordem Franciscana por Ecologia Integral

 

Leonardo Boff e Frei Massimo Fussarelli Ministro Geral dos Franciscanos

No dia 30 de maio de 2025, a Pontifícia Universidade Antonianum, em Roma, foi palco de um momento histórico e profundamente simbólico para toda a Família Franciscana: o teólogo brasileiro Leonardo Boff foi homenageado pela Ordem dos Frades Menores (OFM), franciscanos, por sua contribuição excepcional à causa da ecologia integral. Ele recebeu esse premio das mãos do Ministro Geral dos OFM, o Frei Massimo Fussarelli.

Esse reconhecimento, concedido em ocasião solene, destaca-se não apenas pela sua relevância simbólica, mas também pela autoridade espiritual e profética que carrega. Em tempos de múltiplas crises – climática, social, espiritual e civilizatória – a figura de Boff emerge como um dos grandes porta-vozes da esperança ativa, da fé encarnada e da justiça cósmica.

Homenagem na Pontifícia Universidade Antonianum, em Roma,

Um reconhecimento franciscano

A homenagem integra uma celebração ampla e significativa: os 800 anos do Cântico das Criaturas, de São Francisco de Assis, e os 10 anos da Encíclica Laudato Si’, do Papa Francisco. Em honra a esses dois marcos, a Ordem dos Frades Menores decidiu reconhecer, com distinção especial, cinco pessoas e organizações em todo o mundo que se destacam por seu compromisso concreto com a ecologia integral.

Entre os homenageados estão:

  • Sua Santidade Bartolomeu I, Patriarca Ecumênico de Constantinopla, figura de referência no diálogo inter-religioso e na defesa da Criação;

  • A REPAM (Rede Eclesial Pan-Amazônica), símbolo de resistência e esperança nos territórios ameaçados da Amazônia;

  • O Movimento Laudato Si’, expressão global da conversão ecológica e da mobilização profética;

  • E, com profunda reverência, Leonardo Boff, cuja vida e obra têm iluminado o caminho da ecoteologia, da libertação e da espiritualidade franciscana.

Boff: teologia com raízes na terra e olhos no céu

Leonardo Boff, hoje professor emérito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), é autor de inúmeras obras de referência mundial, como "Grito da Terra, Grito dos Pobres" — uma síntese poderosa de ética, ecologia e espiritualidade — e "Jesus Cristo Libertador", marco fundador da teologia da libertação. Com sua linguagem acessível e profunda, Boff denuncia as estruturas de dominação e propõe um novo pacto de convivência entre os seres humanos, a Terra e o Divino.

Inspirado pela mística de Francisco de Assis, Boff resgata a fraternidade universal não como um ideal romântico, mas como um chamado urgente à ação ética, política e espiritual. Sua obra aponta para a necessária superação do paradigma tecnocrático e consumista, propondo em seu lugar uma cultura do cuidado, da simplicidade e da reverência à vida.

A Casa Comum como horizonte franciscano

O prêmio da OFM a Leonardo Boff não é apenas uma homenagem pessoal — é o reconhecimento de uma trajetória que ecoa o espírito de Francisco: a escuta dos pobres, o amor pelas criaturas, a crítica profética ao poder que destrói e o anúncio de um novo modo de habitar o mundo.

Neste tempo sinodal e de grave emergência ecológica, a voz de Boff segue sendo um farol para a Igreja, para os movimentos sociais e para todos que buscam integrar espiritualidade, justiça e compromisso ecológico.

Ao reconhecer Leonardo Boff, a Ordem dos Frades Menores reafirma o chamado de São Francisco: "Louvado sejas, meu Senhor, por todas as tuas criaturas!" — e nos convida, mais uma vez, a sermos guardiões da vida e da Casa Comum.

quarta-feira, 28 de maio de 2025

Família Franciscana denuncia retrocesso ambiental com o PL da Devastação

 


O Serviço Interfranciscano de Justiça, Paz e Ecologia (Sinfrajupe) publica nota de repúdio à aprovação do  PL da Devastação (PL 2.159/2021), pelo Senado Federal, que enfraquece o licenciamento ambiental e abre caminho para a devastação dos biomas e a violação dos direitos dos povos indígenas e tradicionais.

Inspirado por São Francisco de Assis e pela Laudato Si’, o Sinfrajupe denuncia esse retrocesso como uma grave ameaça à vida e à Casa Comum.

Leia a nota na íntegra e una-se à luta por justiça socioambiental.


NOTA DE REPÚDIO

Contra o PL 2.159/2021 — Pela Vida e pela Casa Comum

O Serviço Interfranciscano de Justiça, Paz e Ecologia (Sinfrajupe) une-se a tantas vozes proféticas da sociedade civil, das pastorais sociais, dos povos indígenas e comunidades tradicionais para repudiar com veemência a aprovação do Projeto de Lei 2.159/2021 pelo Senado Federal. Este PL, que retorna agora à Câmara dos Deputados, representa um grave ataque à legislação ambiental brasileira, ao desmontar o processo de licenciamento e abrir caminho para o avanço desenfreado de empreendimentos predatórios.

Inspirados pelo exemplo de São Francisco de Assis, que chamou todas as criaturas de “irmãs” e viveu em profunda comunhão com a natureza, não podemos aceitar que o lucro e os interesses privados se sobreponham à dignidade da vida, à proteção dos biomas e aos direitos dos povos que há séculos cuidam da terra. O PL 2.159/2021 institucionaliza a flexibilização das normas ambientais, isenta grandes empreendimentos de obrigações básicas e ignora os impactos sobre territórios indígenas e quilombolas ainda não regularizados.

Trata-se, na prática, de uma “lei da devastação” que, em vez de proteger a Casa Comum, legaliza sua destruição. Dispensa de licenciamento para atividades agropecuárias, auto licenciamento irresponsável e restrição à participação social são apenas alguns dos retrocessos que escancaram a aposta em uma necropolítica que ameaça o futuro comum.

Não basta celebrar São Francisco ou a Laudato Si’ com palavras: é preciso encarnar sua mensagem com coragem. Conclamamos os fiéis, as comunidades franciscanas, as organizações socioambientais e todos os que defendem a vida a se manifestarem contra este projeto destrutivo.

Ao celebrarmos os 800 anos do Cântico das Criaturas, escrito por São Francisco, e os 10 anos da Encíclica Laudato Si, do Papa Francisco, reafirmamos o nosso compromisso com a justiça socioambiental, com os direitos dos povos e com a integridade da criação: Não há justiça social sem justiça ambiental. Não ao avanço de políticas que mercantilizam os territórios e seus bens.  

Digamos não à destruição legalizada! Sim à vida, sim à paz e sim ao cuidado com a Casa Comum!

Rio de Janeiro, 27 de maio de 2025.

SINFRAJUPE

domingo, 18 de maio de 2025

Leão XIV: unidade, missão e crítica à economia que explora e marginaliza

 

Foto: Vatican News

Papa Leão XIV,  faz um chamado à unidade, missão, amor e critica economia que explora os recursos da terra e marginaliza os mais pobres 


Na sua primeira homilia como Bispo de Roma, no V Domingo da Páscoa, o Papa Leão XIV nos oferece uma profunda meditação sobre o ministério petrino e a missão da Igreja no mundo atual. Diante de uma Praça de São Pedro emocionada pela memória recente da morte do Papa Francisco, ele nos convida a contemplar Cristo como a pedra angular sobre a qual se edifica uma Igreja que caminha unida, servidora e missionária.

Mais do que palavras protocolares, suas palavras são uma profissão de fé no amor de Deus que não falha, mesmo diante das quedas e das sombras do nosso tempo. Leão XIV nos lembra que amar como Jesus amou – com entrega e sem reservas – é a única forma autêntica de exercer autoridade na Igreja, e que o sucessor de Pedro não está acima dos irmãos, mas caminha com eles, como servo da fé e da alegria de todos.

Entre os grandes eixos da homilia, destacam-se:

  • A urgência de construir uma Igreja unida, fermento de comunhão e fraternidade para um mundo ferido por ódios, preconceitos, violência e exclusão.
  • O reconhecimento de que o paradigma econômico atual, ao explorar os recursos da Terra e marginalizar os mais pobres, é contrário ao Evangelho e desafia a missão da Igreja.
  • O apelo para que cada batizado se reconheça como “pedra viva” na edificação de uma comunidade enraizada no amor de Deus.
  • O compromisso ecumênico, inter-religioso e social como dimensão constitutiva da missão e do testemunho cristão hoje.
  • A afirmação de que esta é a hora do amor, e não do fechamento, da superioridade ou da indiferença.

Com palavras simples e inspiradas, o Papa nos convida a acolher a Palavra de Cristo, fonte de consolação e luz, e a nos tornarmos uma Igreja aberta ao mundo, sensível aos sinais dos tempos, próxima dos pobres, e sempre pronta a amar “com algo mais”.

A seguir, leia na íntegra a homilia que marca o início do seu ministério e aponta o horizonte de esperança, unidade e conversão para toda a Igreja:

HOMILIA DO PAPA LEÃO XIV

Praça de São Pedro - V Domingo de Páscoa, 18 de maio de 2025

Queridos irmãos Cardeais,

Irmãos no episcopado e no sacerdócio,
distintas Autoridades e Membros do Corpo Diplomático,
Saudações aos peregrinos que vieram para o Jubileu da Irmandade!
Irmãos e irmãs,

no início do ministério que me foi confiado, saúdo-vos a todos com o coração cheio de gratidão. Escreveu Santo Agostinho: «Fizeste-nos para Vós, [Senhor,] e o nosso coração está inquieto enquanto não repousar em Vós» (Confissões, 1,1.1).

Nos últimos dias, vivemos tempos particularmente intensos. A morte do Papa Francisco encheu os nossos corações de tristeza e, naquelas horas difíceis, sentimo-nos como as multidões que o Evangelho diz serem «como ovelhas sem pastor» (Mt 9, 36). No entanto, precisamente no dia de Páscoa, recebemos a sua última bênção e, à luz da ressurreição, enfrentámos este momento na certeza de que o Senhor nunca abandona o seu povo, mas congrega-o quando se dispersa e guarda-o «como o pastor ao seu rebanho» (Jr 31, 10).

Neste espírito de fé, o Colégio Cardinalício reuniu-se para o Conclave. Chegando com histórias diferentes e a partir de caminhos diversos, colocámos nas mãos de Deus o desejo de eleger o novo sucessor de Pedro, o Bispo de Roma, um pastor capaz de guardar o rico património da fé cristã e, ao mesmo tempo, de olhar para longe, para ir ao encontro das interrogações, das inquietações e dos desafios de hoje. Acompanhados pela vossa oração, sentimos a ação do Espírito Santo, que soube harmonizar os diferentes instrumentos musicais e fez vibrar as cordas do nosso coração numa única melodia.

Fui escolhido sem qualquer mérito e, com temor e tremor, venho até vós como um irmão que deseja fazer-se servo da vossa fé e da vossa alegria, percorrendo convosco o caminho do amor de Deus, que nos quer a todos unidos numa única família.

Amor e unidade: estas são as duas dimensões da missão que Jesus confiou a Pedro.

É o que nos narra o trecho do Evangelho, que nos leva ao lago de Tiberíades, o mesmo onde Jesus iniciou a missão recebida do Pai: “pescar” a humanidade para salvá-la das águas do mal e da morte. Passando pela margem daquele lago, chamou Pedro e os outros primeiros discípulos para serem como Ele, “pescadores de homens”, e agora, após a ressurreição, cabe-lhes precisamente a eles levar em frente esta missão, lançar sempre e novamente a rede imergindo nas águas do mundo a esperança do Evangelho, e navegar no mar da vida para que todos se possam reencontrar no abraço de Deus.

Como pode Pedro levar adiante essa tarefa? O Evangelho diz-nos que isso só é possível porque ele experimentou na própria vida o amor infinito e incondicional de Deus, mesmo na hora do fracasso e da negação. Por isso, quando Jesus se dirige a Pedro, o Evangelho usa o verbo grego agapao, que se refere ao amor que Deus tem por nós, à sua entrega sem reservas nem cálculos, diferente do usado na resposta de Pedro, que descreve o amor de amizade que cultivamos entre nós.

Quando Jesus pergunta a Pedro – «Simão, filho de João, tu amas-me?» (Jo 21, 16) – refere-se ao amor do Pai. É como se Jesus lhe dissesse: só se conheceste e experimentaste este amor de Deus, que nunca falha, poderás apascentar as minhas ovelhas; só no amor de Deus Pai poderás amar os teus irmãos com «algo mais», isto é, oferecendo a vida por eles.

A Pedro, portanto, é confiada a tarefa de «amar mais» e dar a sua vida pelo rebanho. O ministério de Pedro é marcado precisamente por este amor oblativo, porque a Igreja de Roma preside na caridade e a sua verdadeira autoridade é a caridade de Cristo. Não se trata nunca de capturar os outros com a prepotência, com a propaganda religiosa ou com os meios do poder, mas trata-se sempre e apenas de amar como fez Jesus.

Ele é – afirma o próprio apóstolo Pedro – «a pedra que vós, os construtores, desprezastes e que se transformou em pedra angular» (Act 4, 11). E se a pedra é Cristo, Pedro deve apascentar o rebanho sem nunca ceder à tentação de ser um líder solitário ou um chefe colocado acima dos outros, tornando-se dominador das pessoas que lhe foram confiadas (cf. 1 Pe 5, 3); pelo contrário, é-lhe pedido que sirva a fé dos irmãos, caminhando com eles: todos nós, com efeito, somos «pedras vivas» (1 Pe 2, 5), chamados pelo nosso Batismo a construir o edifício de Deus na comunhão fraterna, na harmonia do Espírito, na convivência das diversidades. Como afirma Santo Agostinho: «A Igreja é constituída por todos aqueles que mantêm a concórdia com os irmãos e que amam o próximo» (Sermão 359, 9).

Irmãos e irmãs, gostaria que fosse este o nosso primeiro grande desejo: uma Igreja unida, sinal de unidade e comunhão, que se torne fermento para um mundo reconciliado.

No nosso tempo, ainda vemos demasiada discórdia, demasiadas feridas causadas pelo ódio, a violência, os preconceitos, o medo do diferente, por um paradigma económico que explora os recursos da Terra e marginaliza os mais pobres. E nós queremos ser, dentro desta massa, um pequeno fermento de unidade, comunhão e fraternidade. Queremos dizer ao mundo, com humildade e alegria: Olhai para Cristo! Aproximai-vos d’Ele! Acolhei a sua Palavra que ilumina e consola! Escutai a sua proposta de amor para vos tornardes a sua única família. No único Cristo somos um. E este é o caminho a percorrer juntos – entre nós, mas também com as Igrejas cristãs irmãs, com aqueles que percorrem outros caminhos religiosos, com quem cultiva a inquietação da busca de Deus, com todas as mulheres e todos os homens de boa vontade – para construirmos um mundo novo onde reine a paz.

Este é o espírito missionário que nos deve animar, sem nos fecharmos no nosso pequeno grupo nem nos sentirmos superiores ao mundo; somos chamados a oferecer a todos o amor de Deus, para que se realize aquela unidade que não anula as diferenças, mas valoriza a história pessoal de cada um e a cultura social e religiosa de cada povo.

Irmãos, irmãs, esta é a hora do amor! A caridade de Deus, que faz de nós irmãos, é o coração do Evangelho e, com o meu predecessor Leão XIII, podemos hoje perguntar-nos: «Não se veria em breve prazo estabelecer-se a pacificação, se estes ensinamentos pudessem vir a prevalecer nas sociedades?» (Carta enc. Rerum novarum, 14)

Com a luz e a força do Espírito Santo, construamos uma Igreja fundada no amor de Deus e sinal de unidade, uma Igreja missionária, que abre os braços ao mundo, que anuncia a Palavra, que se deixa inquietar pela história e que se torna fermento de concórdia para a humanidade.

Juntos, como único povo, todos irmãos, caminhemos ao encontro de Deus e amemo-nos uns aos outros.

FONTE: vatican.vat

segunda-feira, 21 de abril de 2025

Francisco, um Evangelho vivo

Na manhã desta segunda-feira, 21 de abril, o mundo se despediu de uma das vozes mais humanas e proféticas do nosso tempo. O Papa Francisco, aos 88 anos, partiu para a Casa do Pai, encerrando um pontificado que ficará gravado na história não apenas da Igreja Católica, mas da humanidade.

Francisco foi o Papa da proximidade, da escuta e da compaixão. Sua vida inteira foi dedicada ao serviço de Deus e da Igreja, mas com os pés no chão e o coração junto ao povo. Em seus doze anos como Bispo de Roma, fez questão de lembrar a todos que o Evangelho não se vive apenas nos altares, mas principalmente nas ruas, nas periferias, nas prisões, nos lixões, nos campos e nas favelas.

Com os Olhos da Compaixão, Um Papa ao Lado das Vítimas

Entre tantos gestos que marcaram o seu ministério, um dos mais tocantes para nós, no Brasil, foi sua solidariedade com as vítimas do crime-desastre da Vale, em Brumadinho (MG), em 2019. Ao receber, das mãos de Dari Pereira – sobrevivente do rompimento da barragem – e do irmão franciscano Rodrigo Péret, fotos com os nomes dos 270 mortos naquela tragédia crime, o Papa se comoveu profundamente. Abençoou as imagens, manifestou solidariedade às famílias e a todos os atingidos. Mais do que palavras, acolheu os rostos da dor com um gesto de carinho, respeito e justiça.

Dias depois, enviou um representante à comunidade de Brumadinho: Monsenhor

Duffé. E com ele, enviou também sua cruz peitoral – símbolo da presença espiritual e do compromisso do Papa com os que sofrem. O gesto foi entregue durante o "Sábado da Compaixão e da Solidariedade", nas regiões mais afetadas pelo crime. Um sinal claro: o Papa estava ao lado das vítimas, não dos poderosos.

Primeiro em Gestos, Profeta em Ações

Francisco também foi o primeiro em muitas coisas. O primeiro Papa jesuíta. O primeiro latino-americano. O primeiro a escolher o nome Francisco, inspirado no santo de Assis, patrono dos pobres e da ecologia. Foi o primeiro a morar fora do Palácio Apostólico, a visitar lugares nunca antes alcançados por um pontífice, como o Iraque. Foi o primeiro a assinar uma Declaração de Fraternidade com um líder islâmico e o primeiro a dar cargos importantes na Cúria a mulheres e leigos. Enfrentou com coragem os escândalos de abuso sexual, aboliu o segredo pontifício nesses casos e reformou o Catecismo, declarando inadmissível a pena de morte.

Papa Francisco sempre ressaltou que todos somos irmãos e irmãs, e que a fraternidade e a amizade social são caminhos essenciais para restaurar a dignidade de cada ser humano. Com seu espírito acolhedor e olhar misericordioso, ele deixou uma marca profunda ao propor respostas pastorais sensíveis e ousadas para desafios complexos da vida moderna. Estendeu sua escuta e cuidado aos idosos, aos que vivem na solidão, aos desempregados, migrantes, pessoas da comunidade LGBT, divorciados e tantos outros frequentemente esquecidos ou marginalizados pela sociedade e até mesmo pela própria Igreja.

Denunciou a ganância corporativa, a destruição da natureza, as guerras “em pedaços” que ensanguentam continentes. Mas foi no gesto, mais do que nas palavras, que sua humanidade se revelou com mais força.

Francisco foi o Papa que devolveu à Igreja seu rosto mais humano. Com suas "Sextas-feiras da Misericórdia", visitou presídios, hospitais, centros de acolhimento. Ligava de surpresa para pessoas doentes, pobres, solitárias. Encontrava-se com movimentos populares e dizia: "Terra, Teto e Trabalho são direitos sagrados!". Denunciou com firmeza a economia da exclusão e a cultura do descarte, clamando por uma globalização da esperança.

“Colocar a economia a serviço do povo, construir a paz e defender a Mãe Terra” – esse era o chamado que deixava às nações, aos movimentos e aos fiéis de todos os credos. Com a encíclica Laudato Si’, fez da ecologia integral uma bandeira espiritual e ética, reforçando que o cuidado da casa comum é uma exigência de fé e de justiça.

Partiu o Pastor, Ficam as Pegadas

Sua morte deixa um vazio imenso. Mas seu legado permanece. Francisco não foi apenas o líder da Igreja Católica; foi um profeta dos nossos tempos, uma consciência para o mundo. Sua voz, muitas vezes solitária, denunciou guerras, clamou pelos migrantes, defendeu os pobres, protegeu a natureza e nos lembrou que, no fundo, somos todos irmãos.

Descanse em paz, querido Papa Francisco. A sua vida foi um Evangelho vivo. E as sementes que lançou – com gestos, palavras e escolhas – continuarão florescendo nos corações e nas lutas do povo.

Ação Franciscana de Ecologia e Solidariedade - AFES