Frei Rodrigo de Castro Amédée Péret, OFM
Coordenador da CEREM
Dom Francisco Cota de Oliveira
Bispo Diocesano de Sete Lagoas
Presidente da CEREM
Frei Rodrigo de Castro Amédée Péret, OFM
Coordenador da CEREM
Dom Francisco Cota de Oliveira
Bispo Diocesano de Sete Lagoas
Presidente da CEREM
Portanto, "Laudato Si'" também nos orienta a abordar as Perdas e Danos Não-Econômicos (NELD -sigla em Inglês) causados pelas mudanças climáticas, enfatizando o valor intrínseco de toda a criação e a profunda conexão entre o bem-estar humano e ambiental.
As NELD causadas pela crise climática impactam profundamente os vínculos sagrados que compartilhamos com o mundo natural e nosso dever ético de protegê-lo. Cada espécie possui valor intrínseco e desempenha um papel vital na teia da vida. À medida que a biodiversidade diminui, a riqueza da criação se reduz, desequilibrando o ecossistema e afetando comunidades indígenas cujas identidades estão estreitamente ligadas ao seu entorno. A mudança climática perturba o patrimônio cultural, o conhecimento tradicional e as práticas espirituais, deixando muitas comunidades desconectadas de seus territórios sagrados.
Os impactos psicológicos são profundos; à medida que os espaços naturais familiares se degradam, as pessoas experimentam ansiedade e tristeza, ressaltando nossa interconexão com o planeta. Para aqueles que enfrentam deslocamento, como as comunidades insulares ameaçadas pela elevação do nível do mar, as perdas são mais tangíveis e imediatas, rompendo laços com terras ancestrais e desafiando o direito a um lar estável. As mudanças climáticas também ameaçam locais sagrados, centrais para muitas crenças, apagando conexões com locais de importância espiritual.
Esses impactos apontam para um desafio ético mais amplo. As tradições religiosas nos convocam a cuidar da criação e a defender a justiça para as futuras gerações. A exploração ambiental de hoje compromete sua capacidade de viver em harmonia com a natureza, tornando a mudança climática uma questão moral profunda. Reconhecer essas perdas não-econômicas nos instiga a responder com compaixão e respeito pelo valor intrínseco da vida, pela sacralidade da natureza e por nossa responsabilidade compartilhada com as futuras gerações.
A cada ano, defensores de direitos humanos (direitos fundiários) e ambientais são assassinados por ousarem resistir à exploração ambiental ao redor do mundo. A Global Witness documentou que 196 defensores foram assassinados em 2023 por exercerem seu direito de proteger suas terras e o meio ambiente. O número real é provavelmente maior. Isso eleva o total de assassinatos para mais de 2.000 em todo o mundo desde que a Global Witness começou a relatar esses dados em 2012. Hoje, a Global Witness estima um total de 2.106 assassinatos.
Além desses impactos imediatos, as mudanças climáticas levantam questões mais profundas sobre nossas responsabilidades éticas e morais como guardiões do planeta. Muitas tradições religiosas e culturais convocam a humanidade a cuidar da criação, instando-nos a proteger a Terra para as futuras gerações. A exploração e destruição dos ecossistemas por ganhos econômicos de curto prazo não é apenas uma questão ambiental, mas uma falha moral, que compromete a saúde do planeta para aqueles que virão depois de nós. Essa injustiça intergeracional compromete a capacidade das futuras gerações de atenderem suas necessidades, praticarem suas tradições e viverem em harmonia com a natureza.
A encíclica clama por um diálogo inclusivo, especialmente envolvendo comunidades indígenas e vulneráveis, guardiãs de conhecimentos ecológicos e culturais essenciais. Essa abordagem inclusiva promove respostas holísticas e culturalmente sensíveis que apoiam a resiliência e identidade das comunidades. Laudato Si’ defende uma estrutura ética compassiva nas negociações climáticas, enfatizando solidariedade e justiça. Valorizar as dimensões espirituais e culturais inspira estratégias que abordam todo o escopo de perdas e danos.
Na COP29, espera-se que as discussões sobre uma nova meta de financiamento climático abordem como o Fundo de Perdas e Danos pode apoiar aqueles impactados pelas mudanças climáticas, definindo e abordando as NELD de maneira eficaz. Os países mais responsáveis pelas emissões devem assumir uma maior responsabilidade para ajudar os mais afetados.
Nossa defesa se alinha com outras organizações baseadas na fé, sensibilizando sobre as NELD na ONU. Com laços estreitos com comunidades afetadas, grupos baseados na fé desempenham um papel único ao destacar como o financiamento insuficiente afeta vidas. Através de esforços em coalizão, contribuímos para uma compreensão mais profunda das perdas não-econômicas induzidas pelo clima.
Para concluir meu discurso, gostaria de destacar uma questão relacionada e de igual importância ao nosso tema. Como franciscanos, acompanhando os processos da COP e a realidade das comunidades em situação de vulnerabilidade que atendemos, alertamos contra as “falsas soluções” promovidas como ação climática, mas que, em última análise, agravam a crise. Essas soluções mascaram a imposição de grandes sacrifícios e impactos em regiões do mundo que menos contribuíram para a mudança climática, mas que detêm bens comuns vitais, que são explorados nessas chamadas “soluções verdes”. Sem mudanças estruturais, a tecnologia sozinha não pode resolver a crise climática e levará a ainda maiores perdas e danos.
Nos opomos à ideologia da "economia verde" por transformar a natureza e a biodiversidade em mercadorias através de sistemas como o comércio de carbono, que monetizam a conservação ambiental. No Sul Global, os esquemas de comércio de emissões de gases de efeito estufa, vinculados aos Mecanismos de Desenvolvimento Limpo da ONU, focam em florestas e mercados de carbono, criando novos tipos de propriedade ao transformar o CO₂ sequestrado em ativos financeiros negociáveis.
A economia verde atribui valor econômico a processos naturais, como a fotossíntese, como “serviços ecossistêmicos”, vendo-os como estoques de capital avaliados pela renda futura que geram. A avaliação econômica frequentemente depende dos preços de mercado, enfatizando a acumulação de capital em detrimento de considerações sociais ou ecológicas. Através de iniciativas como mercados de carbono e REDD, grandes áreas florestais são vinculadas a créditos de carbono, transformando a preservação ambiental em ativos financeiros. Esse processo introduz camadas complexas de propriedade sobre a posse tradicional da terra, desafiando visões culturais que valorizam a natureza de forma intrínseca. Iniciativas semelhantes, como a “agricultura inteligente para o clima”, vinculam o armazenamento de carbono no solo aos mercados de compensação de carbono, sobrecarregando agricultores pobres em países em desenvolvimento.
A ideologia da “economia verde” propõe também à chamada “transição energética” ou melhor, à falsa narrativa de “energia limpa”, pois tecnologias como painéis solares e turbinas eólicas exigem mineração intensiva, que prejudica comunidades locais e ecossistemas, principalmente no Sul Global. Essas tecnologias demandam extração e processamento intensivos e extensivos de minerais. A mineração leva, em todos os lugares do mundo, a consequências sociais e ambientais adversas, desde violência e práticas insustentáveis até violações de direitos humanos e degradação ambiental. Essa transição energética alimenta conflitos territoriais e exacerba padrões históricos de desigualdade, à medida que minerais críticos são extraídos principalmente do Sul Global para beneficiar o Norte Global. Uma transição que perpetua padrões de exploração colonial, beneficiando o Norte Global enquanto sobrecarrega regiões vulneráveis. A demanda por minerais vitais para energia limpa está aumentando, com muitos depósitos localizados em terras indígenas, escalando conflitos e degradação ambiental.
Uma resposta real exige uma transformação estrutural, não apenas uma transição, mas uma transformação em direção a estilos de vida que garantam justiça ambiental e climática para as futuras gerações. Comunidades baseadas na fé, inspiradas pelo chamado do Papa Francisco para uma “sobriedade feliz” em Laudato Si’, devem assumir uma posição profética contra as falsas soluções e defender uma verdadeira mudança sistêmica para superar o modelo insustentável que nos levou a essa crise.
Em vez de ver o planeta como um recurso, devemos considerá-lo uma fonte de vida.
Belo Horizonte, 29 de outubro de 2024.
“Quem vai me trair é aquele que come no mesmo prato que eu” (Mateus, 26 -23).
Este é o sentimento que percebemos dos atingidos e atingidas sobre a repactuação, pois a exclusão das principais vítimas das mesas de negociações compromete não apenas a transparência do processo, mas também seu principal objetivo: fazer justiça. Nove anos do rompimento da barragem do Fundão, ocorrido em 05 de novembro de 2015, em Mariana/MG, nenhum ator foi julgado e condenado pelo ocorrido que vitimou 20 vidas humanas, a fauna, a flora e prejuízos incalculáveis.
Ao longo do processo de repactuação, constituído desde 2019, os atingidos nunca foram devidamente ouvidos. As negociações envolvendo diversos atores se desenvolveu sem a verdadeira transparência e deixando de lado, como sempre, os devidos direitos dos atingidos. O que vimos nesta nova repactuação foram os governos Federal, de Minas Gerais e do Espírito Santos reivindicando suas partes na repactuação para aplicar em seus programas e obras de infraestrutura como fizeram no acórdão de Brumadinho em Minas Gerais.
O rompimento da barragem em Fundão/Mariana afetou profundamente a população dos municípios ao longo do curso e da foz do Rio Doce. Os impactos foram sentidos nas mais diversas dimensões da vida de milhares de pessoas atingidas: econômicas, habitacional, aumento da violência e da incidência de doenças, da discriminação racial e da evasão escolar. Seus efeitos atingiram severamente os modos de vida de diferentes populações tradicionais que habitam a região, cujo modo de ida depende do uso de recursos naturais.
A Fundação Getúlio Vargas fez um levantamento dos impactos sociais, ambientais e econômicos do rompimento da barragem de Fundão/Mariana. O estudo indica que, em alguns municípios, a contaminação das águas e do solo pode acarretar às pessoas perda de até 24 anos a menos de vida. O Projeto Rio Doce usou como base dados de até 2021 do DataSUS, do Ministério da Saúde, e comparou as taxas de incidência de doenças nos municípios atingidos com as de áreas não afetadas. (cf. Jornal Nacional/G1 de 21/10/2024).
O estudo da FGV mostra que os rejeitos de minérios espalhados pelo rompimento da barragem eram compostos principalmente por ferro, silício e alumínio. Metais pesados que podem causar também danos como alucinações, paralisia e problemas de pele. O diagnóstico da FGV, mostra ainda que, de 2015 a 2018, a perda estimada na economia de Minas Gerais e do Espírito Santo foi na ordem de quase R$ 500 bilhões e interrompeu atividades produtivas em diversos municípios.
O novo acordo para reparação dos danos causados pelo rompimento da Barragem, conduzido pela Advocacia-Geral da União (AGU) e pela Secretaria-Geral da Presidência da República e assinado no 25 de outubro de 2024, no Palácio do Planalto, reafirma a dinâmica da impunidade e gera frustração e abatimento por parte das pessoas atingidas, que se sentem mais uma vez traídas e usadas pelos que negociaram o acordo.
Percebe-se os mesmos vícios e erros cometidos em 2016 e que começa de forma incerta e com desconfiança por parte das principais vítimas do fatídico desastre-crime.
Unimos as nossas vozes e forças em favor das pessoas atingidas que são as mais frágeis em todo o processo com seu grito de socorro sem alcance junto às Instituições de Justiça e Autoridades Governamentais.
Mais uma vez denunciamos a opção por uma reparação negociada com a lógica da conciliação e concessão de ampla liberdade de manobra e, até mesmo, controle do processo de reparação por parte das empresas autoras do crime.
Perante o absurdo desta repactuação fica a questão: a forma mais adequada para lidar com os grandes crimes e desastres ambientais é a busca do consenso com as empresas autoras e responsáveis por estes crimes?
Na Encíclica Laudato Si, o Papa Francisco ao falar da franqueza das reações às situações que “provocam os gemidos da irmã terra, que se unem aos gemidos dos abandonados do mundo, com um lamento que reclama de nós outro rumo”, conclui: “Torna-se indispensável criar um sistema normativo que inclua limites invioláveis e assegure a proteção dos ecossistemas, antes que as novas formas de poder derivadas do paradigma tecno-econômico acabem por arrasá-los não só com a política, mas também com a liberdade e a justiça.” (Laudato Si 53)
ARTIGO 6º 1. Na aplicação das disposições da presente Convenção, os governos deverão: a) consultar os povos interessados, por meio de procedimentos adequados e, em particular, de suas instituições representativas, sempre que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente; b) criar meios pelos quais esses povos possam participar livremente, ou pelo menos na mesma medida assegurada aos demais cidadãos, em todos os níveis decisórios de instituições eletivas ou órgãos administrativos responsáveis por políticas e programas que lhes afetem; c) estabelecer meios adequados para o pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas próprias desses povos e, quando necessário, disponibilizar os recursos necessários para esse fim. 2. As consultas realizadas em conformidade com o previsto na presente Convenção deverão ser conduzidas de boa-fé e de uma maneira adequada às circunstâncias, no sentido de que um acordo ou consentimento em torno das medidas propostas possa ser alcançado.
A mera publicação do decreto estadual em debate, por si só já afronta e ao mesmo tempo viola o disposto do art. 6º da Conv. 169 da OIT, que preceitua que toda e qualquer medida legislativa ou administrativa suscetível de afetar os interesses dos povos e comunidades tradicionais devem passar pela consulta livre prévia e informada. Malgrado, o regramento estabelecido na Convenção o Estado de Minas Gerais publicou o malfadado decreto SEM FAZER OU REALIZAR QUALQUER TIPO DE CONSULTA AOS POVOS INTERESSADOS.
Art. 2º – O licenciamento ambiental, realizado no âmbito do Estado, que, na data de sua formalização, afete povos indígenas, comunidades quilombolas ou povos e comunidades tradicionais, ensejará a realização de CLPI, quando, cumulativamente:I – tratar-se de:a) povos indígenas reconhecidos pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas;b) comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares;c) povos e comunidades tradicionais certificados pela Comissão Estadual para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais.II – estiverem localizados em área na qual haverá o desenvolvimento das atividades passíveis de licenciamento ambiental do empreendimento ou em faixas de restrição estabelecidas no Anexo I da Portaria Interministerial nº 60, de 24 de março de 2015, do Ministério do Meio Ambiente, da Justiça, da Cultura e da Saúde, quando se tratar de projetos de significativo impacto ambiental, assim considerados pelo órgão ambiental competente, com fundamento em Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental – EIA-Rima.
Art. 3º Para os fins deste Decreto e do seu Anexo compreende-se por:I - Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e ‘que se reconhecem como tais’, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição.
"Deverão ser tomadas medidas para impedir que pessoas alheias a esses povos tirem proveito de seus costumes ou do desconhecimento das leis por parte de seus membros para assumir a propriedade, posse ou uso de terras que lhes pertençam".
Desse modo, o uso, gozo e fruição e a disposição das terras tradicionalmente ocupadas encontram restrições conforme disposição legal contida na Conv. 169, acima citada, por isso o decreto estadual em comento NÃO PODE regulamentar acima do que dispõe o tratado que tem status de norma SUPRALEGAL.
Pede deferimento.
O Conselho Mundial de Igrejas (CMI) realizou uma Consulta em agosto de 2024 no Quênia sobre o tema "Terra como Bem Comum, Não como Mercadoria". O evento reuniu teólogos, ativistas e líderes religiosos, de vários continentes, para discutir a importância de proteger a terra como um bem comum, destacando lutas em diversas partes do mundo, incluindo as lutas contra o avanço da mineração, no Brasil, onde a chamadas energias limpas exigem mais extração de minerais e terras raras. A resistência contra projetos de compensação de carbono em Serra Leoa e lutas de comunidades indígenas e marginalizadas, como o movimento Land Back Lane no Canadá. A Consulta resultou em um comunicado teológico, que convoca as igrejas a adotarem uma postura ativa na defesa dos territórios e propõe ações concretas, como a transformação de terras da igreja em espaços comunitários, promovendo justiça social e econômica , bem como e a investigação de casos de apropriação indevida de terras, reforçando o compromisso das igrejas em buscar justiça redistributiva e reparadora.
A seguir leia o Comunicado Teológico:
Compreendemos...
Que a terra tem sua própria agência e dignidade. As comunidades indígenas nos ensinam que os humanos e a terra estão profundamente conectados. Não podemos imaginar a vida sem a terra e vice-versa. A terra não é algo que deve ser possuído e explorado para acumulação de riqueza. Ao contrário, ela é um lar comum para toda a criação, a ser preservada para a manutenção da vida. A terra desempenha um papel importante na regulação do clima, dos sistemas hídricos e de outros processos ecológicos essenciais para a vida.
Reconhecemos que só poderemos mudar este sistema econômico prejudicial se ouvirmos os mais oprimidos. Somos chamados não apenas a ouvir e sermos guiados pelas vozes dos empobrecidos e despossuídos, mas também a ouvir a terra. Jó 12:8 nos lembra de falar com a Terra, e ela nos ensinará. Somos chamados não apenas a tratar a Terra com cuidado, mas também a aprender com ela.
Comprometemo-nos a...
Como igrejas e participantes da Consulta NIFEA sobre “Terra como Bem Comum, não como Mercadoria,” arrependermo-nos de nossas teologias e ideologias antropocêntricas que veem a terra como utilitária e servindo aos interesses humanos, em vez de ter direitos e dignidade inerentes. Com espírito de humildade, comprometemo-nos a ouvir a terra.
Confessamos nossa cumplicidade na apropriação de terras. Comprometemo-nos a documentar casos de apropriação de terras, a estar presentes para as comunidades afetadas e a compartilhar suas histórias de resistência.
Comprometemo-nos a conscientizar e fomentar a reflexão espiritual sobre a terra como bem comum.
Comprometemo-nos a ser comunidades proféticas de resistência capazes de falar a verdade ao poder e denunciar a injustiça fundiária.
Comprometemo-nos a trabalhar por justiça redistributiva, reparadora e restauradora, e particularmente por ações e solidariedade com agricultores, mulheres e comunidades indígenas que foram negadas o acesso à terra que lhes é de direito.
Chamamos...
Para ações concretas das igrejas, como converter terras de propriedade da igreja em espaços comuns e hortas comunitárias para o bem público;
Para que as igrejas realizem missões de apuração de fatos sob a perspectiva dos despossuídos, incluindo a busca por publicar a própria cumplicidade das igrejas na apropriação de terras;
(Leia o mesmo texto original em Inglês)
Fonte: World Council of Churches
Ainda, sob a fachada de progresso e desenvolvimento, as corporações e os governos promovem falsas promessas de um futuro melhor. No entanto, a exploração de novas fronteiras minerárias e de outros grandes projetos do capital é apenas mais um capítulo de uma longa história de promessas vazias e exploração contínua. Um relatório do Banco Mundial destaca que para alcançar uma grande capacidade de “energia renovável” exigirá um aumento drástico na extração minerária de materiais como o lítio, agravando a crise de sobre-extração e seus impactos negativos inerentes, como o desmatamento, destruição de solos, perda de biodiversidade, contaminações e danos aos recursos hídricos.
O colonialismo energético está por trás desses conflitos, perpetuando um modelo econômico extrativista que beneficia poucos em detrimento das populações locais e da destruição de muitos territórios que são decepados e incorporados na “máquina do lucro”. O capitalismo em crise busca se reconfigurar, agora com o mito da energia e produção verde.
No Vale do Jequitinhonha, o chamado colonialismo energético se manifesta pela desapropriação, fragmentação e transformação de terras e territórios através de megaprojetos de mineração. Esse modelo de exploração imposto à região é o mesmo que se espalha por toda Minas Gerais. Não existe mineração verde ou sustentável. A mineração consiste em arrancar o minério da terra, exportá-lo, às vezes processa-lo e deixar um rastro de destruição. Essa prática causa profundos impactos nas práticas e valores culturais, ecológicos e agrícolas, perpetuando um modelo econômico extrativista que beneficia poucos no Norte Global, em detrimento das populações locais.
Essa é uma roupagem nova para um processo já visto muitas vezes no Vale do Jequitinhonha. Ciclos de exploração econômica têm se repetido desde o século XVIII, com as riquezas sendo constantemente extraídas em benefício de poucos. Desde a mineração de pedras preciosas, a criação de grandes fazendas e monocultivos de eucalipto e a produção de energia com a barragem de Irapé. Na atual busca pela extração minerária do lítio vemos a usurpação de terras sob os velhos pretextos de "desenvolvimento" e "progresso". Desta forma, os habitantes do Vale têm sido sistematicamente prejudicados e marginalizados.
A Comissão Episcopal Regional para Ecologia Integral e Mineração do Regional Leste 2 da CNBB e as instituições abaixo assinadas denunciam veementemente essas práticas predatórias e reitera que as promessas de desenvolvimento e riqueza para a região não mais nos convencem. As comunidades tradicionais e os povos do Vale do Jequitinhonha continuarão a resistir e lutar pela justiça e pelo reconhecimento de seus direitos.
Belo Horizonte, 04 julho 2024
Comissão Episcopal Regional para Ecologia Integral e Mineração do Regional Leste 2 da CNBB
Rede Igrejas e Mineração Minas Gerais
Comissão Pastoral da Terra
Caritas Brasileira
Conselho Indigenista Missionária
Conselho Pastoral dos Pescadores
Comissão de Meio Ambiente da Província Eclesiástica de Mariana
Serviço Interfraciscano de Justiça Paz e Ecologia
Fórum Permanente em Defesa da Bacia do Rio Doce
Instituto Padre Nelito Dornelas
Ação Franciscana de Ecologia e Solidariedade
No dia 13 de junho, o comitê executivo do Conselho Mundial de Igrejas, reunido na Colômbia, em vista dos dois grandes encontros ambientais globais previstos para o segundo semestre deste ano: a Conferência de Biodiversidade da ONU (COP16), em Cali na Colômbia e a Conferência do Clima da ONU (COP29) Baku, no Azerbaijão, divulgou uma declaração observando que os sistemas necessários para o florescimento da vida estão em risco extremo. O texto aborda a crise interligada entre mudanças climáticas e perda de biodiversidade, destacando os graves riscos para a vida na Terra. Ressalta que os eventos climáticos extremos e a aceleração da perda de espécies exigem ação urgente. Sublinha a importância de ver essas crises como interligadas, enfatizando a necessidade de ações coordenadas e financiamentos significativos.
Para o Conselho Mundial de Igrejas a defesa dos direitos humanos, especialmente dos povos indígenas, é essencial para a proteção da biodiversidade e do clima. A Colômbia é elogiada por seus esforços na redução do desmatamento. O documento chama as igrejas a mobilizar suas comunidades e responsabilizar governos por suas metas ambientais. Por fim, é solicitado que os governos resistam ao lobby corporativo e adotem ações corajosas e urgentes para enfrentar as crises de biodiversidade e clima.
Leia abaixo na integra a Declaração (Original em Inglês).
Declaração sobre Biodiversidade COP16 e Clima COP29
A vida na Terra e os sistemas necessários para o seu florescimento estão em risco extremo. As crises interligadas das alterações climáticas e da perda de biodiversidade representam as mais graves ameaças à capacidade dos seres humanos e de grande parte do mundo natural sobreviverem e florescerem na Terra, a criação viva única de Deus.
9 A própria criação espera com impaciência a manifestação dos filhos de Deus. 20 Entregue ao poder do nada – não por sua própria vontade, mas por vontade daquele que a submeteu -, a criação abriga a esperança, 21 pois ela também ela também será libertada da escravidão da corrupção, para participar da liberdade e da glória dos filhos de Deus. (Romanos 8,19-21)
Os tempos em que vivemos mostram que não estamos nos relacionando com a Terra como um presente de nosso Criador, mas sim como um recurso a ser usado. E, no entanto, há esperança... Esperar... não significa ficar parado e quieto, mas sim gemendo, chorando e lutando ativamente por uma nova vida em meio às lutas. Assim como no parto, passamos por um período de dor intensa, mas uma nova vida surge. (Tempo da Criação 2024)
Crises Interligadas
A vida na Terra e os sistemas necessários para a vida florescer estão em extremo risco. As crises interligadas de mudanças climáticas e perda de biodiversidade representam as maiores ameaças à capacidade de sobrevivência e florescimento dos humanos e grande parte do mundo natural na Terra, a criação viva única de Deus. A interação entre o aquecimento global causado pela queima contínua de combustíveis fósseis e a extração e consumo descontrolados de recursos naturais está destruindo a teia de espécies e ecossistemas que ancoram toda a vida, ameaçando meios de subsistência, saúde, fontes de alimentos e água, além de intensificar os impactos de desastres naturais, prejudicando os mais vulneráveis e aumentando as injustiças globais.
À medida que observamos a frequência crescente e o poder destrutivo dos eventos climáticos extremos - incluindo as recentes enchentes severas no sul do Brasil, Quênia e Emirados Árabes Unidos, seca no Panamá e no sul da África, e ondas de calor recordes no Sahel e em toda a Ásia - e a perda acelerada de espécies em muitas partes do mundo, somos chamados a agir agora com esperança e com a criação!
Ligando mudanças climáticas e biodiversidade
Respondendo a esses desafios, duas grandes conferências ambientais globais estão programadas para ocorrer no final deste ano: a Conferência da ONU sobre Biodiversidade (COP16) em Cali, Colômbia, de 21 de outubro a 4 de novembro de 2024, e a Conferência da ONU sobre o Clima (COP29) em Baku, Azerbaijão, de 11 a 22 de novembro de 2024. Esses dois eventos devem ser vistos como interligados à luz das estreitas conexões entre as crises de biodiversidade e clima.
Por um lado, a biodiversidade é um fator chave na mitigação das mudanças climáticas e na atenuação de seus impactos. Ecossistemas saudáveis servem como sumidouros de carbono. Estima-se que tenham removido cerca de 60% das emissões globais desde a Revolução Industrial. Além disso, a biodiversidade aumenta a resiliência dos ecossistemas, reduzindo os impactos climáticos (como enchentes) nas paisagens e comunidades. Portanto, a proteção e restauração da biodiversidade são uma dimensão essencial da ação climática.
Por outro lado, espera-se que as mudanças climáticas perturbem gravemente os ecossistemas e desencadeiem uma maior perda de biodiversidade. Estudos estimam que o impacto do aquecimento global de 2 graus Celsius poderia colocar 5% de todas as espécies em risco de extinção. Com aumentos de temperatura mais altos, as mudanças climáticas poderiam levar à extinção metade das espécies conhecidas na Terra. Enquanto a destruição de florestas e pastagens para a agricultura é atualmente o principal motor do declínio da biodiversidade, as mudanças climáticas são a segunda maior causa de perda de biodiversidade nos oceanos e a quarta maior causa em terra. Com níveis recordes e crescentes de dióxido de carbono na atmosfera, espera-se que as mudanças climáticas tenham um impacto mais significativo na biodiversidade no futuro próximo.
Ambas as crises agravam os desafios relacionados ao acesso à terra, fontes naturais de água e alimentos para milhões de pessoas em todo o mundo. Dado o impacto dessas crises no acesso a esses recursos essenciais, devemos abordar esse nexo desenvolvendo estratégias integradas para promover o uso sustentável de recursos, apoiar ecossistemas e melhorar a soberania alimentar e o acesso à água potável.
Abordar conjuntamente a perda acelerada de biodiversidade e as mudanças climáticas descontroladas é crucial para garantir um planeta habitável que forneça meios de subsistência e necessidades básicas para as pessoas, bem como promova o florescimento de toda a vida. Ambas exigem mudanças urgentes e sistêmicas que nos afastem de economias extrativistas em busca de lucros ilimitados e expansão, em direção a modelos de vida mais justos, sustentáveis e solidários. No entanto, o progresso dos governos em alcançar os objetivos do Marco Global de Biodiversidade Kunming-Montreal (2022) e do Acordo de Paris (2015) tem sido inadequado e muito lento para atender à escala e velocidade da crise. Além disso, a comercialização contínua da crise climática através de intervenções irrealistas visando lucro em vez de buscar soluções reais está colocando em risco o bem-estar de toda a criação.
Foco na Colômbia
A Colômbia, local desta reunião do comitê executivo do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) e da próxima Conferência da ONU sobre Biodiversidade, é um dos países mais biodiversos do mundo. No entanto, sua biodiversidade está diminuindo devido ao uso insustentável da terra, particularmente para agricultura, pecuária e mineração. Mais de 10% das 3.429 espécies animais conhecidas no país – muitas endêmicas da Colômbia – estão ameaçadas. O país contribui com apenas 0,6% das emissões globais de CO2, mas está entre os países mais vulneráveis às mudanças climáticas, experimentando regularmente enchentes e secas danosas. No entanto, o desmatamento parece estar diminuindo nos últimos anos, caindo 29% em 2022 como “resultado do que provavelmente é o primeiro processo de paz da história a colocar o meio ambiente no centro”.
Um foco na Colômbia, junto com outras situações de conflito na agenda do comitê executivo, como Gaza, Sudão e Ucrânia, também serve para destacar o impacto da guerra no meio ambiente, tanto em termos de danos ambientais diretos devido à violência armada, quanto às emissões de CO2 geradas pela maquinaria da guerra – bem como os impedimentos que qualquer conflito impõe à cooperação internacional urgentemente necessária para enfrentar essas crises globais.
Defendendo os Direitos Humanos
Defendendo 80% da biodiversidade remanescente do mundo, as comunidades indígenas desempenham um papel fundamental na proteção da biodiversidade e do clima. O Marco Global de Biodiversidade de Kunming-Montreal vincula claramente questões de conservação da biodiversidade aos direitos humanos, incluindo os direitos dos povos indígenas às terras, territórios e recursos; reconhecimento dos valores, conhecimentos e contribuições dos povos indígenas para a conservação da biodiversidade; e acesso à justiça e proteção dos defensores dos direitos humanos ambientais, muitos dos quais são indígenas.
A comunidade internacional precisa manter os direitos humanos em destaque enquanto o Azerbaijão sedia a Conferência da ONU sobre o Clima. Entre outras preocupações, lembramos a detenção ilegal até hoje de 23 funcionários de Karabagh após o fim do bloqueio do corredor de Lachin, somando-se a centenas de outros prisioneiros políticos no Azerbaijão. Além disso, com petróleo e gás representando quase 90% das receitas de exportação do Azerbaijão, e com os fortes laços do governo com a indústria de petróleo e gás, ativistas climáticos nacionais e internacionais podem enfrentar represálias.
Financiando a proteção da biodiversidade e do clima
O financiamento será um ponto de contenção em ambas as COPs de Biodiversidade e Clima. A COP29, em particular, deve estabelecer uma nova meta de financiamento climático.
Salvaguardar a biodiversidade e o clima exige investimentos massivos. De acordo com vários estudos, os valores projetados necessários para responder à crise da biodiversidade e à emergência climática são de USD 722-967 bilhões e USD 2,4-4,3 trilhões por ano, respectivamente, até 2030. Esses investimentos na saúde do nosso planeta não apenas trazem benefícios sociais e ambientais, mas também ajudam a reduzir os custos econômicos das mudanças climáticas, estimados em até dezenas de trilhões de dólares anualmente.
Fundado no princípio de que o poluidor paga, as nações ricas que são mais responsáveis e se beneficiaram mais do desenvolvimento global devem ajudar a pagar pelas crises ambientais globais, incluindo o financiamento da restauração da biodiversidade, medidas de adaptação e uma transição justa para uma economia baseada em energias renováveis nos países de baixa renda, além de contribuir para o fundo de perdas e danos que está sendo criado para apoiar as comunidades que sofrem com o aquecimento global. Isso é uma questão de justiça.
O cancelamento da dívida para os países menos desenvolvidos e a reforma tributária internacional podem arrecadar recursos para preencher a lacuna de financiamento e abordar desigualdades que impedem a ação climática. Em particular, a criação de uma convenção tributária internacional e de um sistema tributário unitário poderia apoiar o investimento em objetivos ambientais. Eliminar subsídios à indústria de combustíveis fósseis e reduzir os gastos militares também poderia redirecionar fluxos financeiros para a proteção da biodiversidade e do clima.
Em espírito de esperança e ação com a criação, o comitê executivo do CMI reunido em Bogotá, Colômbia, de 6 a 11 de junho de 2024:
Elogia
• O governo da Colômbia por seus esforços no combate ao desmatamento e à perda de biodiversidade, e por endossar o Tratado de Não-Proliferação de Combustíveis Fósseis (FFNPT).
• A Coalizão Fé pela Biodiversidade e o Comitê de Ligação Inter-religioso com a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima por engajar comunidades religiosas, incluindo as igrejas membros do CMI, nos esforços para realizar os objetivos do Marco Global de Biodiversidade Kunming-Montreal e do Acordo de Paris.
Chama as igrejas a
• Aprender com as espiritualidades e práticas indígenas que salvaguardam a biodiversidade e o clima.
• Mobilizar suas bases e comunidades de fé para exercer pressão e construir vontade política para ações climáticas profundas e oportunas, sem degradar ainda mais o ecossistema ou colocar em risco os mais vulneráveis.
• Responsabilizar os governos por atingir as metas de biodiversidade e clima.
• Apoiar a Lei do Ecocídio, o FFNPT e a Campanha Ecumênica Zacchaeus Tax, que liga justiça tributária à justiça ecológica.
• "Praticar o que pregam" e tomar ações institucionais para combater o declínio da biodiversidade e as mudanças climáticas por meio de conscientização educacional, advocacia, liturgia e oração (como a Campanha da Tempo da Criação), regeneração de terras, restauração da biodiversidade, práticas financeiras responsáveis em relação ao clima e intercâmbio de histórias de sucesso, entre outros.
Chama os governos que se reunirão nas COPs de Biodiversidade e Clima a
• Resistir ao lobby corporativo e agir com coragem e a urgência necessária para enfrentar a ameaça à criação de Deus e a toda vida representada pelas crises de biodiversidade e clima.
• Adotar uma abordagem coordenada tanto em nível internacional quanto nacional para enfrentar o declínio da biodiversidade e as mudanças climáticas de maneira holística, e fazer provisões orçamentárias anuais obrigatórias para ação climática e proteção da biodiversidade em nível nacional.
• Definir um caminho claro para uma eliminação total, rápida, justa e financiada dos combustíveis fósseis.
• Intensificar as Contribuições Nacionalmente Determinadas em linha com o objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5 graus Celsius.
• Promover soluções baseadas na natureza, enraizadas nas comunidades, que apoiem a biodiversidade e ajudem a enfrentar as mudanças climáticas.
• Colocar os direitos humanos no centro das COPs de Biodiversidade e Clima da ONU, especialmente reconhecendo e protegendo os direitos dos povos indígenas e os direitos de outros grupos vulneráveis e marginalizados, como pessoas com deficiência; respeitar plenamente os direitos dos ativistas climáticos nacionais e internacionais; assim como realizar os direitos à terra, água e alimentos.
• Integrar intencionalmente questões de terra, recursos naturais de água e alimentos nas COPs de Biodiversidade e Clima da ONU.
• Reconhecer e proteger a dignidade inerente e o direito de toda a vida, flora e fauna, de sobreviver por meio do desenvolvimento e implementação de políticas e marcos legais como a Lei do Ecocídio.
• Ampliar radicalmente as metas e fornecer financiamento para biodiversidade e clima, principalmente dos países ricos e dos maiores emissores históricos de gases de efeito estufa, em linha com as necessidades e prioridades dos países pobres e vulneráveis, na escala necessária e em forma de subsídios em vez de empréstimos.
• Buscar o cancelamento da dívida para os países menos desenvolvidos e a reforma tributária internacional para financiar a proteção da biodiversidade e do clima e combater as desigualdades.
FONTE: World Council Of Churches