Maria Júlia Zanon*
Desde 2013 tramita no Congresso Nacional o projeto de lei que
trata das mudanças do marco regulatório da mineração. O projeto foi encaminhado
à Câmara dos Deputados pelo Executivo, então governo Dilma, e visava uma maior
apropriação pelo Estado do lucro advindo do que ficou conhecido como “boom da
mineração”: o aumento exponencial da extração de minérios, em várias partes do
mundo.
O novo código da mineração possui três eixos centrais de
mudanças: 1) Administrativas: transformação do Departamento Nacional de
Produção Mineral na Agência Nacional de Mineração, e criação do Conselho
Nacional de Mineração; 2) Forma de concessão da pesquisa e lavra: pela proposta
original do Executivo, a concessão não seria mais por direito de prioridade,
que garante que qualquer pessoa (física ou jurídica) que requerer primeiro a
área a ser pesquisada e/ou explorada e cumprir os requisitos burocráticos ganha
a concessão. Na nova proposta, o Estado brasileiro iria abrir áreas específicas
que poderiam ser exploradas. Essa mudança garantiria uma maior governança do
Estado sobre o setor, e foi o eixo principal de divergência entre os partidos
políticos e as empresas; 3) Alíquota da Compensação Financeira pela Exploração
dos Recursos Minerais – CFEM (popularmente conhecida como “royalties da
mineração”: a mudança previa maior arrecadação do Estado. Hoje a alíquota é de
até 2% (varia de acordo com o mineral) e incide sobre o faturamento líquido. No
novo texto, a alíquota seria de até 4% e incidiria sobre o faturamento bruto.
Este tópico é um grande ponto de divergência entre as prefeituras de cidades
mineradas e as empresas do setor.
As discussões sobre o novo código, de um modo geral, são
tratadas como se fossem apenas questões fiscais e administrativas. Existe uma
ausência total do texto apresentado pelo Executivo e nos textos apresentados na
comissão especial do novo marco de todos os aspectos sociais e ambientais que a
mineração afeta. O rompimento da barragem Fundão em Mariana mostrou, de forma
trágica, como tudo está conectado, que uma grande barragem de mineração de
ferro pode causar impactos profundos a 700 km de distância.
Ligações com o sistema político
Outra questão se destaca nessa disputa: o financiamento das
empresas mineradoras aos parlamentares do Congresso Nacional. As mineradoras
financiaram cerca de R$ 91,5 milhões em campanhas eleitorais no ano de 2014,
tendo como prioridade as campanhas de deputados federais. A empresa que teve
maior participação nas doações foi justamente a maior do país, a Vale, que
realizou doação no valor total de R$ 88 milhões. A Vale também está entre as
quatro empresas que mais fizeram doações para campanha dos deputados nas
eleições de 2014. Este investimento tinha como objetivo garantir uma bancada
que pudesse responder às demandas das multinacionais do setor, capturando a
frágil democracia brasileira e colocando os interesses do povo brasileiro
subordinados ao grande capital. A tramitação do código se pautou por uma
contínua tentativa de bloqueio da participação das populações em conflito com a
mineração no Brasil. Os interesses econômicos das empresas, aplicados nas
eleições, explica muito a falta de democracia do processo.
Projeto volta à cena
O projeto do código estava paralisado desde 2015, mas 2017
começa com grande probabilidade de ele voltar com força. O ministro Fernando
Coelho Filho anunciou no final de janeiro que o projeto será retirado da Câmara
dos Deputados e será reapresentado pelo Executivo em três propostas, a partir
dos eixos acima descritos. A justificativa é que a aprovação terá assim maior
celeridade para garantir um aumento da produção do setor mineral. Na proposta
sinalizada, se manteria o modelo de concessão sem regulação do Estado e uma
alíquota rebaixada da CFEM. E esta é a lógica que prevalece também no governo
Temer: os interesses do setor privado. O fatiamento do código facilita a
tramitação no Congresso, elimina as pautas socioambientais e diminui a
capacidade de intervenção da sociedade nos rumos do novo marco regulatório. A
perspectiva é que no primeiro semestre os novos projetos de lei sejam
reapresentados e aprovados.
Cabe ao povo em luta tentar transformar o código a favor da
sociedade como um todo. Se aprovado nos termos em que está colocado, a condição
de país subalterno exportador de matérias-primas se aprofundará, intensificando
a extração de bens naturais e a super exploração dos trabalhadores da
mineração.
*Maria Júlia Zanon é antropóloga
e coordenadora do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM).
FONTE: Brasil de Fato
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